Seres humanos esgotam capital natural da Terra

 

Relatório produzido por 1.350 especialistas a pedido da ONU
vê declínio
em serviços fornecidos pelos ecossistemas

 

A humanidade está fazendo um saque a descoberto no grande (porém finito) banco dos ecossistemas globais.

O resultado é um colapso futuro na capacidade do planeta de fornecer bens e serviços naturais aos seres humanos, cujo primeiro efeito prático deve ser a impossibilidade de atingir as metas das Nações Unidas de combate à fome em 2015.

Quem diz isso desta vez não são os ambientalistas, mas um grupo de 1.350 cientistas de 95 países, inclusive o Brasil.

De 2001 a 2005, sob a égide da ONU, eles produziram o diagnóstico mais completo já feito da saúde dos ecossistemas e de sua relação com a manutenção da vida humana.

O esforço resultou num relatório apresentado, nesta quarta-feira, a governos do mundo inteiro – no Brasil, em cerimônia em Brasília presidida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

As conclusões da chamada Avaliação Ecossistêmica do Milênio, como quase tudo o que diz respeito ao ambiente global, são desalentadoras: quase dois terços dos chamados serviços ambientais estão em declínio acelerado.

Isso significa que a capacidade do planeta de fornecer peixe e água, reciclar nutrientes do solo, minimizar o impacto de desastres naturais (como o maremoto de dezembro na Ásia) e controlar o clima local está comprometida.

Pior ainda: as alterações feitas nos ecossistemas, especialmente nos últimos 50 anos, estão provavelmente aumentando o risco de mudanças abruptas, como explosão de epidemias – como a de cólera que afetou a África subsaariana durante o El Niño de 1997/ 98 –, eutrofização de águas costeiras e mudança climática regional, induzida por desmatamento.
Para quem acha que mudanças ambientais não passam de ameaças intangíveis pairando sobre as próximas gerações em algum futuro remoto, a Avaliação do Milênio tem uma projeção imediata: a degradação dos solos e a baixa disponibilidade de água doce, especialmente na África e no sul da Ásia, devem impedir o mundo de alcançar o chamado Objetivo do Milênio de cortar pela metade o número de famintos em 2015.

‘Um dos poucos serviços ambientais em ascensão é a produção de alimentos, mas não ao ponto de atingir os objetivos [de desenvolvimento] do milênio’, disse à ‘Folha de SP’ o engenheiro florestal Rodrigo Victor, do Instituto Florestal de SP, que participa de uma das etapas do diagnóstico.

Quatro cenários montados pelos cientistas para o futuro prevêem, ainda, que mais 10% ou 20% das florestas do mundo serão convertidas em lavoura e pasto até 2050 e que a superexploração dos estoques de peixe deva crescer ainda mais.

Três deles projetam um aumento de 10% a 20% no fluxo de nitrogênio para águas costeiras, ampliando a eutrofização e a perda de biodiversidade.

Uma das recomendações do estudo aos tomadores de decisão é uma reestruturação na maneira dos economistas de fazer contas.

Até agora, a maioria dos serviços ambientais pertence ao reino daquilo que os economistas chamam de ‘externalidades’, ou seja, fatores que não interferem nos custos econômicos.
O valor da polinização de lavouras por insetos que habitam uma floresta vizinha, por exemplo, não é computado na hora de calcular o valor total daquela floresta.

Estudo feito em dez países do Mediterrâneo e citado no relatório mostrou, por exemplo, que serviços como recreação, seqüestro de carbono, produtos florestais não-madeireiros e proteção de mananciais respondiam por até 96% do valor total das florestas.

Esses serviços são desperdiçados quando uma floresta é convertida em pasto ou plantação pelo valor da sua madeira. Algo equivalente a queimar dinheiro.

‘A degradação dos serviços de ecossistemas representa a perda de um ativo’, afirmam os cientistas.
Como tal degradação não aparece na balança comercial, países como o Equador, o Cazaquistão e a Etiópia, que tiveram um aumento de seu PIB em 2001 e experimentaram perda de florestas e recursos energéticos, teriam na verdade prejuízo caso o passivo ambiental fosse incluído.

A maioria dos serviços ambientais ainda não têm um mercado, embora o seqüestro de carbono já seja valorável com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto.

Mesmo assim, os custos associados à perda de alguns desses serviços já se fazem sentir.

Que o digam os pescadores de bacalhau da Terra Nova, no Canadá, que tiveram de parar de trabalhar nos anos 90 pelo esgotamento do peixe, com prejuízo de US$ 2 bilhões.

No Reino Unido, os prejuízos causados pela agricultura a água, solos e biodiversidade em 1996 foram de US$ 2,6 bilhões, ou 9% da receita agrícola do país na década de 90.

E as perdas econômicas causadas por desastres naturais no mundo cresceram dez vezes de 1950 a 2003 – para US$ 70 bilhões por ano. Números que não são ladainha de ambientalista.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Claudio Ângelo, 30/03/2005.


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