Impasse deve prolongar greve nas universidades federais

 

Segundo comando de greve, paralisação de docentes e técnicos-administrativos atinge 25 instituições federais de ensino superior. Os grevistas cobram reajustes salariais, além de implantação e reestruturação de planos de carreira. O governo federal, apesar de acenar com propostas, não pretende abrir o cofre este ano.

Enquanto as atenções da mídia se voltam para os próximos capítulos da crise política, organizações sindicais e outros movimentos sociais vêm aumentando a pressão frente à pouca resposta do governo às suas reivindicações. No caso das entidades da área de educação, um movimento grevista de âmbito nacional comandado por técnicos-administrativos e professores universitários paralisou boa parte das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e promete continuar por conta de impasses nas negociações com o governo. A paralisação dos técnicos já completa um mês e a dos professores, 15 dias. Os grevistas cobram reajustes salariais, implantação e reestruturação de planos de carreira. O governo, apesar de acenar com propostas, não pretende abrir o cofre este ano.

Segundo o Comando Nacional de Greve (CNG) dos docentes universitários, a categoria está parada em 25 instituições, podendo chegar a 30 na próxima semana – outras cinco unidades ainda vão realizar assembléias. O eixo definido para a greve é a defesa do ensino público, gratuito e com qualidade social, e pela valorização do trabalho dos docentes da universidade brasileira.

“Ao submeter o país às imposições do Sistema Financeiro Internacional, o governo Lula impõe à universidade pública brasileira uma situação de indigência, cujos reflexos penalizam principalmente os setores mais pobres da sociedade. Faltam recursos públicos para pesquisa, para recuperação de laboratórios e de prédios e, em algumas universidades, faltam recursos até para pagamento de luz, água e telefone”, critica a carta “A universidade pública resiste”, divulgada pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes-SN).

A pauta dos professores é formada basicamente questões relacionadas à carreira docente universitária. Eles querem um reajuste de 18%, aumento correspondente à inflação dos dois últimos anos. “Rejeitamos o 0,1% que o governo deu para todos os servidores. Indicamos um reajuste de 18% como parte da antecipação das perdas históricas que nós temos”, diz Paulo Rizzo, do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES-SN). Ele lembra do período do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando os professores ficaram de 1995 até 2001 com o mesmo salário, e reclama da atual governo, que ano passado concedeu reajuste de apenas 3%.

Outro ponto reivindicado pelos professores é a incorporação das gratificações. A remuneração dos docentes universitários é composta pelo salário propriamente dito, que corresponde apenas a 1/3 do total, e duas gratificações (bônus adquiridos em negociações salariais passadas concedidos pelo governo como forma de não aumentar efetivamente o salário da categoria). Segundo o sindicato nacional, o governo vem postergando assumir esta demanda. “Ano passado o governo sinalizou para a incorporação da GED [gratificação de estímulo à docência]. Hoje ele diz que não vai discutir mais esta questão este ano e joga para frente para uma discussão da reestruturação de carreira dos servidores federais, e não diz mais o prazo”, reclama Paulo Rizzo.

Os professores contam com a mobilização para pressionar o governo pela abertura do cofre. “Efetivamente em 2005 só teve algum ganho quem teve alguma força de pressão. Quem fez greve, como a previdência ou outra forma de pressão como o reajuste dos servidores do legislativo e os militares. O ano passado foi a mesma coisa. Não havia recursos orçados e vários servidores, mesmo de forma diferenciada, tiveram aumento por meio de suplementação orçamentária”, recorda Rizzo. Segundo o professor, o governo está com uma “posição cristalizada”. “O Paulo Bernardo falou que poderia haver qualquer negociação, mas não pode ter despesa. Isso se reflete no MEC, que fica tentando acenar com possibilidades para a partir do próximo ano, mas não se comprometeram ainda concretamente com nada”, completa.

O secretário-executivo adjunto do MEC, Ronaldo Teixeira da Silva, afirma que o ministério vem buscando uma solução para o impasse no Grupo de Trabalho que debate o tema com as entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federal de Ensino Superior (Andifes), o Andes-SN e a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra), que congrega os técnicos-administrativos.

Silva informa que já foi apresentada uma proposta com três pontos: (a) aumento de 50% nos percentuais de titulação, cronograma para a incorporação da Gratificação de Atividade Executiva (GAE) e transformação do atual Grupo de Trabalho (GT) em Grupo de Trabalho de Carreira, para elaborar um plano de reestruturação que contemple também a Classe de Professores Associados.

Para Paulo Rizzo, a proposta atual não contempla os pontos presentes na pauta dos professores. “O aumento da titulação beneficia apenas parte dos docentes, não nos interessa”, diz. O representante do MEC acrescenta que uma nova proposta será apresentada no dia 30 de setembro. “Tivemos uma reunião com o planejamento e estamos otimistas com a nova proposta, pois ela deve incorporar parte das reivindicações colocadas pelos professores”, comenta Ronaldo Teixeira da Silva.

Outro ponto apresentado pelos professores é a abertura de concurso para 8 mil novas vagas nas universidades. “Queremos resolver este problema da carência de docentes e também a situação dos professores substitutos, que são contratados em caráter temporário, ganham menos da metade do que os efetivos e são usados como estratégia barata para manter as instituições funcionando sem o preenchimento total das vagas”, diz ele.

A reforma universitária, tema prioritário entre os movimentos até o meio do ano, não merece mais tanto interesse dos trabalhadores e estudantes. Sinal disso é que o último ponto que a compõe, o anteprojeto de Lei Orgânica do Ensino Superior, não faz parte da pauta de reivindicações da greve.

“Ele [o anteprojeto] não entra na pauta específica da greve, só tangencia as pautas porque no anteprojeto há normas previstas para regular as carreiras dos professores universitários”, informa Paulo Rizzo. “Nós não estamos em greve contra um anteprojeto que nem sabemos se o governo irá realmente enviar ao Congresso. Nós estamos em greve por conta de pontos que tocam de forma imediata a realidade dos professores e que podem mobiliza-los”, completa.

Técnicos-administrativos

No caso dos técnicos-administrativos, a situação é um pouco menos dramática. Em greve há um mês com paralisações em 39 instituições, eles solicitam o cumprimento da segunda fase do plano de carreira aprovado no ano passado. “Queremos garantir recursos no orçamento para que a gente possa ter aí a implantação com um novo enquadramento com níveis de capacitação e incentivo à qualificação. Há ainda a necessidade de uma racionalização dos quadros. Hoje ainda temos, por força de lei, pessoas contratadas como datilógrafas”, diz Paulo Rodrigues Santos, coordenador da Fasubra.

Dentro do cumprimento, os técnicos debatem a incorporação do vencimento básico complementar, um adendo ao salário base resultado de gratificações obtidas pela categoria no passado. São pontos também a obtenção de vale alimentação, auxílio saúde e auxílio creche, a democratização das decisões dentro das universidades e verbas para garantir a capacitação dos servidores dentro das universidades.

Santos informa que o governo apresentou proposta de que mesmo com o aumento não houvesse incorporação, o que daria um ganho à remuneração da categoria de 15% a 20% de ganho em janeiro de 2006. Mesmo com a proposta, a categoria votou pela continuidade da greve, o que fez o governo suspender as negociações. Segundo Ronaldo Teixeira da Silva, do MEC, os técnicos já tiveram grande avanço com a aprovação do plano de carreira e terão aumento significativo, que irá elevar a remuneração de R$ 1101 para R$ 1760, o que irá gerar um impacto de R$ 1,7 bilhão nas contas do governo. “Foi surpreendente a continuidade da greve mesmo com os avanços nas negociações. Não consideraram nossa disposição ao diálogo e estão produzindo uma mobilização deslocada”, criticou Ronaldo Teixeira da Silva, do MEC.

Paulo Rodrigues dos Santos justifica que a apreensão da categoria está na falta de garantia sobre a verba prometida no orçamento do próximo ano. No entanto, informa que o comando de greve conversou com o deputado Gilmar Machado (PT-MG), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) (norma que contém a organização dos gastos cujos valores são definidos na Lei Orçamentária Anual), e viu que há rubrica presente na lei para garantir os recursos reivindicados.

“Iremos enviar um comunicado para a categoria e esperar o debate nas assembléias de base. Mas a perspectiva é que a greve continue, pois para mudar a situação só se aparecer algum elemento novo e relevante, o que ainda não aconteceu”, diz Santos. Enquanto debatem a proposta do governo e o orçamento, os técnicos se movimentam por meio de parlamentares para tentar reabrir o canal de diálogo fechado pelo MEC.

Estudantes apóiam

A União Nacional dos Estudantes (UNE) divulgou posição de apoio à mobilização de técnicos-administrativos e professores. “A UNE declara seu total apoio as pautas de reivindicações das categorias, por entender que essas lutas, além de recuperarem a dignidade do servidor público, colabora para colocar a universidade pública brasileira em um novo patamar de qualidade, adequado à construção de um Brasil justo e soberano”, diz a resolução da reunião da direção da entidade ocorrida em setembro.

No entanto, o apoio se dará na “organização de esforços de mobilização a fim de exigir que o governo negocie e implemente essas pautas fundamentais para a universidade pública”, e não na promoção de uma greve estudantil. A avaliação da maioria das forças políticas que dirigem a entidade é que não há mobilização e que a greve pode ser usada para fortalecer alguns grupos dentro do movimento estudantil que fazem oposição ao governo.

Assim como os professores, os estudantes parecem ter abandonado a disputa relativa à reforma universitária e adotado pautas mais imediatas. “Nossa prioridade agora é promover uma jornada de lutas para defender nas universidades públicas a vinculação de 9% do orçamento para a educação superior para a assistência estudantil, mais verbas para a expansão das Ifes e um plano emergencial que atenda a uma série de reivindicações históricas do movimento estudantil”, diz Maurício Piccin, primeiro vice-presidente da UNE.

No caso das instituições privadas, a entidade irá apresentar um projeto de lei regulamentando o ensino pago para se contrapor a matérias que tramitam no Congresso e apresentam mudanças que aprofundam a liberdade dos empresários da educação. Adotar a pauta voltada para a ampliação de verbas no orçamento, um setor do movimento estudantil maioria na UNE se junta à mobilização dos servidores, espelhando a escolha política de não atuar para derrubar o governo, mas reivindicar mudanças na política econômica.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Jonas Valente - Brasília, 16/09/2005


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