A implosão da mentira

 

O ministro da Fazenda foi derrubado pelo ex-prefeito de Ribeirão Preto. Durante mais de três anos, Palocci consolidou a imagem de político sério. Acabou alcançado por fantasmas dos tempos de chefe municipal. 

Foto: JB/AFP
Ex: Antonio Palocci   -   Atual: Guido Mantega

ESCÂNDALO: Violação da conta do caseiro e ações ilegais para calar a testemunha desmoralizam o homem-forte da economia.

CONFISSÃO: Presidente da Caixa Econômica Federal afirma que entregou ao ministro envelope com extratos bancários de Francenildo.

CRIMES: Jorge Mattoso é demitido e enquadrado em artigos que prevêem seis anos de prisão. Oposição aponta artilharia para o presidente Lula.


Cai o último homem forte de Lula
 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou o pedido de demissão de Antonio Palocci e escolheu o economista Guido Mantega para exercer o cargo de ministro da Fazenda. Palocci não resistiu ao depoimento do até ontem presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, que disse à Polícia Federal ter entregue pessoalmente ao ex-ministro o extrato bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, retirado de forma ilegal de um computador do banco.

Mattoso também foi demitido da função ontem. A troca de comando na política econômica tende a render dor de cabeça ao presidente Lula. Substituto de Palocci, Mantega já criticou diversas vezes a taxa básica de juros da economia, a Selic, definida pelo Banco Central. Para não melindrar o mercado em pleno ano eleitoral, Mantega garantiu que não haverá mudança na política econômica.

– Esta política econômica não deve mudar porque tem como fiador o presidente Lula. Esta política econômica é a mais bem-sucedida dos últimos quinze, vinte anos – disse Mantega.

Também pode repercutir mal entre banqueiros e industriais a saída de Murilo Portugal da secretária-executiva do Ministério da Fazenda, confirmada ontem à noite.

O presidente ainda corre riscos de enfrentar problemas na seara política. Com a demissão do último homem-forte que ainda servia de escudo a Lula, a oposição centrará esforços em denúncias para atingir em cheio o presidente da República, que lidera as pesquisas de intenção de voto. Entre os alvos estão o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, que confessou ter pago uma dívida de cerca de R$ 30 mil de Lula, de quem é amigo, com o PT.

Para sangrar Lula, os oposicionistas planejam também ressuscitar o caso da empresa Gamecorp. De propriedade de Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, a empresa recebeu R$ 15 milhões em investimentos da Telemar, concessionária de serviço público. Quando chegou ao Palácio do Planalto, Mantega ainda não era o titular da Fazenda. Naquele instante, Lula conversava com o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), consultando-o sobre a possibilidade de substituir Palocci. Mercadante deixou claro que prefere ser o candidato do partido ao governo de São Paulo. Depois de recusar a oferta, coube a Mercadante anunciar Mantega, além do novo presidente do BNDES – Demian Fiocca, até ontem vice-presidente do banco de fomento.  

Com 22 anos de Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho substituirá Jorge Mattoso. O próprio ex-presidente do banco ligou para Palocci relatando o que havia contado à Polícia Federal.

Protagonista do enredo que levou à demissão de Palocci, o caseiro Nildo festejou o desfecho do caso.

– Está ficando comprovado que o lado mais fraco não é o simples caseiro, mas o da mentira – afirmou.

Já Palocci está ameaçado de ser constrangido pela Justiça comum. Sem foro privilegiado, fica sujeito a decisões de primeira instância.

JB, Brasília, Daniel Pereira e Sergio Pardellas

  

Privilégio nas mãos do Supremo

Se ficar comprovado que partiu do ex-ministro Antonio Palocci a ordem para a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, ou que se omitiu ao saber do ato ilegal praticado por subordinados, Palocci deverá ser processado e julgado por crime contra a probidade administrativa. Provavelmente, no foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal, mesmo na condição de ex-ministro. Mas, se o Ministério Público abrir inquérito, o processo ainda tramitará na primeira instância. Isso por que o foro privilegiado ainda não foi definido pelo STF.

Em dezembro do ano passado, o tribunal praticamente decidiu que um ato de improbidade administrativa de ministro de Estado é crime de responsabilidade, e não deve ser julgado pela Justiça comum. O ministro Joaquim Barbosa pediu vista, quando a maioria de seis votos já estava formada no recurso da União contra a condenação do ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. Mas há a possibilidade de um ministro modificar o voto quando o rito for retomado.

No início do ano passado, o STF decidira que autoridades públicas não teriam direito a foro privilegiado nas ações por improbidade administrativa. Mas processos em tramitação seriam examinados caso o caso.

Ao retomar o julgamento de Sardenberg - que teve direitos políticos suspensos por oito anos e foi obrigado a ressarcir o erário por usar aviões e um hotel da FAB em Fernando de Noronha - a maioria, até agora, assume a regra de que ex-ministros podem ser julgados pela Justiça comum, menos nos casos de improbidade administrativa. O crime com base no qual Palocci pode ser acusado é previsto no artigo 9º da lei. Se ficar provado que a ordem para a quebra do sigilo partiu dele, Palocci poderia ser enquadrado também no inciso 4 do mesmo artigo: ''Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas na Constituição''.

JB, Brasília, Luiz Orlando Carneiro.

 

Núcleo duro se esfacela

Pouco mais de três anos depois de ser empossado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu ontem o último de seus assessores próximos que havia sobrevivido às denúncias de corrupção. O chamado núcleo duro do governo se esfacelou. Em 16 de junho do ano passado, o então chefe da Casa Civil e braço direito de Lula, José Dirceu deixou o cargo após ser acusado de comandar o esquema do mensalão.

Menos de vinte dias depois, o então ministro responsável pela Secretaria de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken, perdeu o status de ministro do governo e tornou-se subordinado à Casa Civil de Dilma Roussef. A medida foi tomada depois de a situação dele no governo se tornar insustentável pela proliferação de denúncias. A gota d'água foi a revelação de que a empresa Globalprev, da qual Gushiken era sócio, assistiu a um salto no faturamento desde que o ex-associado migrou para Brasília. A acusação somou-se às denúncias do aumento da publicidade da revista de um cunhado e da influência do então ministro em fundos de pensão.

Ontem, foi a vez de o presidente Lula retirar do governo o último integrante do núcleo duro do governo. O ministro da Fazenda Antonio Palocci não resistiu à sucessão de denúncias. Ex-prefeito de Ribeirão Preto, Palocci começou a ser alvo de denúncias em 19 de agosto do ano passado. O ex-secretário de Governo de Palocci Rogério Buratti afirmou que o ministro recebera propina de R$ 50 mil por mês da empresa Leão Leão, que era responsável pela coleta de lixo na cidade.

A situação piorou depois de ser revelado que Palocci freqüentara a casa onde ex-assessores faziam negócios irregulares em Brasília. E se tornou insustentável depois da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

Desde 2003, Lula exonerou também os ministros Anderson Adauto, Benedita da Silva e Romero Jucá, todos com denúncias de irregularidades. Nas estatais, as denúncias levaram à saída dos presidente do Correios, João Henrique de Sousa; do Instituto de Resseguros do Brasil, Lídio Duarte; e, ontem, de Jorge Mattoso, da Caixa Econômica Federal.

Fonte: Jornal do Brasil, Paulo Celso Pereira, 28/03/2006.


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