"Precisamos incluir os excluídos"

 

Pacote da educação é insuficiente e esquece dos 82% de jovens que não terminam
o segundo grau, critica senador

O senador Cristovam Buarque ficou bem longe de ter uma chance mínima de vencer as eleições presidenciais do ano passado, às quais foi candidato pelo PDT. Ele ficou conhecido como o “candidato de uma nota só” porque passou a campanha inteira falando apenas de educação. O senador não conseguiu comover o eleitorado com a sua argumentação monotemática. Seu desempenho nas urnas (2,5 milhões de votos) pode ter sido baixo, mas ele não lamenta a experiência. Por conta da sua fixação no tema, Cristovam Buarque tornou-se a principal referência do País quando se fala em educação. De volta à base de sustentação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de forma involuntária – seu partido, o PDT, ao qual se filiou depois que deixou o PT, resolveu aderir após as eleições –, nem por isso o senador resolveu arrefecer da posição crítica que adotou depois que Lula resolveu demiti-lo do Ministério da Educação por telefone. “Volto a fazer como fazia quando era do PT: sigo o partido nas votações em que houver questão fechada, mas não vou deixar de dizer sempre o que penso”, avisa Cristovam Buarque nesta entrevista a ISTOÉ. Ele critica o pacote de medidas anunciadas na semana passada pelo governo para a área educacional, o chamado PAC da Educação. O erro do programa de Lula é considerar que seja possível resolver o problema do setor apenas aumentando o volume de recursos. Se não houver um projeto com clareza de objetivos e metas, o dinheiro acabará se dispersando, e pouca ou nenhuma melhora será sentida, diz. 

ISTOÉ – Qual sua avaliação sobre o programa anunciado esta semana pelo governo para a educação?

Cristovam Buarque – Mais uma vez o governo confunde educação com dinheiro e com marketing. Assim, não vai dar certo. O que nós estamos ouvindo é o anúncio de que o governo pretende gastar mais R$ 8 bilhões em quatro anos com a educação. Ora, já se gastam R$ 60 bilhões por ano no setor. O que significam, então, R$ 2 bilhões a mais a cada ano? Significa apenas 3% de aumento anual das verbas para a educação. Somente 0,2% do PIB. Isso não é nada! E é para se fazer o que com esse dinheiro?  

ISTOÉ – Mas o que há de errado, afinal, em se anunciar mais investimentos

para a educação?

Cristovam – Essencialmente, o que está errado é a noção de que a educação pode evoluir por si mesma apenas com mais dinheiro. O governo tinha, primeiro, de definir a educação como uma questão nacional, estratégica. Tinha de puxar a educação básica para si e tirá-la do âmbito municipal. Com esse PAC da Educação, a proposta é dar dinheiro para as prefeituras que forem mais eficientes. Isso quer dizer que as crianças que estudam nas cidades onde o prefeito é incompetente serão abandonadas. É justo isso? Será que é por acaso que é no Distrito Federal, onde a educação básica é responsabilidade do governo federal, que se encontra o melhor ensino público do País, com professores que têm um salário médio de R$ 3,2 mil?  

ISTOÉ – Federalizar, hoje em dia, não seria um retrocesso?

Cristovam – Vamos, então, descentralizar a gerência, mas federalizar a qualidade. Você tem que ter padrões nacionais: salário, formação do professor. Como é no Banco do Brasil. No Banco do Brasil, as agências têm o mesmo padrão em qualquer município. Da mesma forma, as 164 mil escolas que existem no País têm de ser iguais. O governo está propondo abandonar as crianças quando tiver um prefeito ruim. Vamos fazer ao contrário! Quando tiver um prefeito ruim, que não cumpre as metas da educação, vamos deixá-lo inelegível. 

ISTOÉ – Quanto se precisaria para mudar a educação básica brasileira?

Cristovam – Precisamos de cerca de R$ 2 mil ao ano por aluno para que o Brasil faça com suas crianças o mesmo que fez a Coréia. Como são 48 milhões de alunos, arredondando, precisamos de R$ 100 bilhões de orçamento. Mas, aí, volto a insistir: não é uma questão apenas de dinheiro. Por exemplo, se o governo decidir comprar computadores para as escolas. Muitos não serão instalados porque a edificação ou a rede elétrica não permitem. Ou porque o professor não sabe usar.  

ISTOÉ – Recentemente, descobriu-se que a melhor escola do Brasil fica no Piauí. Isso surpreendeu o sr.?

Cristovam – Aqui, falamos de uma escola particular. Mas ela é exatamente o exemplo de que eu devo ter razão. Se há um projeto correto, se os objetivos educacionais forem alcançados, não importa se o Estado ou município onde ela está localizada é rico ou pobre. Ela será boa. Alguém pode me perguntar: “Você está querendo que uma escola do interior do Ceará seja melhor que uma escola de São Paulo?” Eu respondo: “Não. Estou querendo que ambas sejam tão boas quanto uma escola na Suíça.” A escola do Piauí é a prova de que isso é possível.  

ISTOÉ – O sr. foi ministro da Educação. Teve a oportunidade de fazer o que propõe. Por que não fez?

Cristovam – Eu comecei. Cheguei a fazer Escolas Ideais em 29 cidades. Preparei projetos mudando muita coisa. Mas eles sempre acabavam parados em alguma gaveta do Gabinete Civil. Se o presidente Lula quiser saber as mudanças que precisa fazer na educação, basta pedir que a ministra Dilma Rousseff procure-as nas gavetas da sua sala. Educação tem de ser de fato uma prioridade de governo. Não basta apenas ser a vontade de um determinado ministro.

 

Fonte: Rev. IstoÉ, Hugo Studart e Rudolfo Lago, 14/3/2007.


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