12 lições da INDIA para o BRASIL

 

O que o próximo presidente da República pode aprender com um país que cresce 8% ao ano

Ela é mais parecida com o Brasil do que se imagina. Tem impostos indecentes e um ambiente hostil aos negócios. Tem legislação trabalhista anacrônica e uma infra-estrutura sofrível. Lá, como aqui, o governo gasta muito - e mal. E o Fundo Monetário Internacional (FMI) vive cobrando - sem sucesso - a realização das reformas tributária e fiscal para o país entrar numa rota de crescimento sustentado. Acredite, é isso mesmo. A Índia, a queridinha dos investidores internacionais, o novo eldorado da economia global, padece basicamente dos mesmos males do Brasil. Por que, então, ela cresce 8% ao ano, enquanto nós não chegamos nem a 3%?

 


FUTURO DO PASSADO - O Taj Mahal, em Agra: a auto-estima nacional agora não depende só das obras históricas

É provável que nem mesmo os maiores especialistas saibam responder a essa questão. Para tentar esclarecê-la, ÉPOCA foi ver de perto o que a Índia tem que o Brasil não tem. Foi investigar como o exemplo indiano pode ajudar o país a voltar a crescer com vigor e atender a suas enormes demandas sociais. Conversamos com empresários, executivos, economistas e políticos do governo e da oposição. Visitamos empresas de tecnologia, indústrias pesadas e órgãos governamentais. Sentimos o pulso das ruas de grandes cidades, como Mumbai (antiga Bombaim, o centro econômico do país), a capital Nova Délhi e Hyderabad, novo pólo indiano de tecnologia. De tudo o que vimos, extraímos 12 lições da Índia para o Brasil.  

Hoje, é consenso entre os especialistas que a principal missão do próximo governo brasileiro será fazer a economia crescer. Depois de termos conquistado a estabilidade econômica, nosso próximo desafio será elevar as taxas de crescimento. Só assim a economia pode ganhar o dinamismo necessário para gerar empregos e atrair investimentos. É justamente na questão do crescimento que a Índia nos oferece um exemplo.  

Curiosamente, ela ostenta números até piores que os brasileiros em quesitos considerados essenciais pelos economistas. Do ponto de vista dos gastos públicos, um dos indicadores mais usados para avaliar a saúde financeira de um país, a Índia não apenas gasta mais que o Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Sua dívida pública é muito maior que a nossa: equivale a 79,5% do PIB, ante 51,5% no Brasil. 

De acordo com uma pesquisa do Banco Mundial, o Estado é considerado tão ineficiente e burocrático na Índia quanto aqui. E, embora muita gente pense que a Índia é um país de monges budistas e hinduístas, a corrupção, segundo o estudo, é hoje a principal preocupação dos empresários indianos para o desenvolvimento dos negócios.  

É certo que a Índia não tem os problemas dramáticos do Brasil com segurança. Mas, ao contrário do Brasil, que vive em paz com os vizinhos há um século, a Índia tem problemas sérios de fronteira com a China e o Paquistão. Além disso, tem um sistema de castas que ainda impede a ascensão social de boa parte da população. Enfrenta também disputas religiosas que se intensificaram nos últimos anos e estimularam o terrorismo. Não por acaso, a Índia é um dos poucos países que têm a bomba atômica. Seus gastos militares chegaram a 4% do PIB em 2005, em comparação a 1,5% destinado à área no Brasil.  

Até a abertura econômica implementada nos anos 90 pelo atual primeiro-ministro, Manmohan Singh, então ministro das Finanças, a Índia foi um país quase socialista. Restringia a iniciativa privada e era praticamente fechada às importações. Proibia até a entrada de Coca-Cola. Hoje, os resquícios do Estado-que-pode-tudo ainda são marcantes, apesar da liberalização da economia nos últimos anos. Mesmo assim, a Índia consegue crescer e prosperar, enquanto o Brasil patina num estado de semi-estagnação econômica. "Precisamos pensar grande", afirma o primeiro-ministro Singh. "Precisamos ir além do crescimento vegetativo, para um crescimento exponencial jamais visto na História." A seguir, as 12 lições da Índia para o Brasil.  

1. Mentalidade global

 


VAIDADE - Desfile de moda no Índia Fashion Week, realizado em Délhi, em setembro: um país sem complexo de inferioridade

As principais empresas indianas não restringem sua atuação no mercado global às exportações. Elas querem mais que isso. Querem ser as melhores do mundo naquilo que fazem, para ganhar a disputa pelo consumidor contra quem quer que seja. Seus comandantes parecem acreditar seriamente que podem chegar lá, com a oferta de produtos e serviços de classe mundial.  

A Índia, com 1,1 bilhão de consumidores, é o segundo maior mercado do mundo, logo abaixo da China. Ainda assim, muitas empresas indianas expandem seus domínios para fora do país. "As empresas indianas entraram na arena global de forma agressiva", diz o empresário Yogesh Deveshwar, presidente da Confederação da Indústria da Índia (CII). "Nos próximos anos, um número cada vez maior de empresas indianas vai se globalizar", afirma o economista Arindam Chauduri, autor do livro The Great Indian Dream (O Grande Sonho Indiano, ainda sem tradução para o português) e responsável pelo Centro de Pesquisa Econômica e Estudos Avançados, de Nova Délhi.

Na área de tecnologia, os investimentos feitos por empresas indianas no exterior alcançaram US$ 5 bilhões no primeiro semestre de 2006. Desse total, US$ 200 milhões vieram para o Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores da Índia. Hoje, os investimentos da Índia no Reino Unido, o todo-poderoso colonizador de outrora, são maiores que os do Reino Unido na Índia. Em diversos setores econômicos, como aço, petróleo ou indústria farmacêutica, a presença indiana se faz notar. Eis alguns exemplos:  

• A Mittal é a maior produtora de aço do mundo. Ela recentemente se uniu à Arcelor, gigante européia do setor, e tem bases em 60 países, nenhuma delas na Índia.  

• O Grupo Tata, com ramificações nas áreas de siderurgia, eletricidade, telecomunicações, tecnologia e indústria automobilística, faturou US$ 21,9 bilhões em 2005 e está presente em 40 países dos cinco continentes.  

• A Infosys, da área de software, fatura US$ 1 bilhão ao ano. Tem nove centros de desenvolvimento na Índia e 30 em outros países.  

• A Dr. Reddy's, segunda maior empresa indiana da área farmacêutica, controla fábricas na China e no México. No ano passado, comprou uma das maiores empresas alemãs do ramo por US$ 570 milhões. Agora, segundo informações dadas a ÉPOCA por seu presidente, Satish Reddy, prepara-se para reforçar sua base no Brasil. Deve construir uma fábrica própria de genéricos no país, com o objetivo de faturar US$ 50 milhões por ano a partir de 2012.  

2. Foco no desenvolvimento

Ao contrário do Brasil, que viveu um processo inflacionário que durou mais de duas décadas, a Índia nunca passou por nada semelhante. Talvez, por isso, o foco da política econômica indiana seja o crescimento. A maior preocupação é gerar riqueza para melhorar a qualidade de vida da população, hoje estimada em 1,1 bilhão de pessoas, 300 milhões das quais vivem com menos de US$ 1 por dia.  

Formalmente, a Índia não adota o modelo de metas de inflação seguido no Brasil. Ainda assim, as estimativas de inflação sofrem uma atualização trimestral. "O principal objetivo é promover o crescimento econômico com estabilidade de preços", afirma Muneesh Kapur, diretor do Reserve Bank of India (RBI), o banco central s do país, que atua de forma independente do governo.  

A julgar pelos resultados, a estratégia indiana funciona bem melhor que a nossa. Nos últimos dez anos, a Índia foi o segundo país que mais cresceu no mundo, com uma média superior a 6% ao ano, atrás apenas da China. E a inflação, na faixa de 5% ao ano, manteve-se sob controle. Se continuar a crescer no mesmo ritmo, a Índia poderá reduzir de forma significativa a miséria em 20 ou 30 anos.  

Lá, parece estar claro para todos que, em condições normais, é o crescimento que faz a diferença entre um bom governo e um governo medíocre. A política monetária e a inflação são importantes, é claro. Cuidar das despesas do setor público, também. Seria leviano dizer o contrário. Mas não se pode perder de vista que tudo isso só deve servir para uma coisa: o crescimento econômico e a prosperidade da população.  

3. Produção popular

Num país que tem 1,1 bilhão de habitantes, onde quem ganha mais de US$ 2 mil por ano é considerado classe média, é difícil deixar de lado o mercado popular. A Tata Motors, maior montadora indiana, com faturamento de US$ 5,5 bilhões em 2005, desenvolve um projeto pioneiro para fabricar um carro popular com preço final de US$ 2 mil. É uma iniciativa que pode revolucionar o mercado de transporte pessoal não só na Índia, mas em todo o mundo.  

O empresário Ratan Tata, presidente do grupo que controla a empresa, disse ao jornal Financial Times que o projeto prevê o uso de peças produzidas por fabricantes indianos de motocicletas. A idéia é lançar um carro para quatro pessoas, com quatro portas, acessível a milhões de donos de motos e das típicas lambretas indianas de três rodas. "Meu sonho é transformar esse carro em realidade enquanto eu ainda estiver à frente do grupo, nos próximos cinco anos", afirmou Tata em 2003. Faltam, portanto, mais dois anos para ele alcançar seu objetivo.

Outro exemplo que ilustra bem a preocupação dos empresários indianos com os consumidores de baixa renda é o cinema. A indústria cinematográfica indiana, conhecida por Bollywood (mistura de Bombaim e Hollywood), concentra-se na produção de filmes populares. O cinema de arte representa uma pequena parcela do total e, em geral, é um fracasso de bilheteria. Resultado: a Índia é o maior produtor de cinema do mundo, com quase 900 filmes lançados por ano e uma receita de US$ 2,1 bilhões com a venda de ingressos em 2005. Na maioria das 15 mil salas de exibição no país (muitas malconservadas), o ingresso custa apenas US$ 0,20. Não é à toa que 10 milhões de indianos vão ao cinema todo dia, segundo as estatísticas oficiais. Só em 2005, foram vendidos 3,8 bilhões de ingressos.

 


INOVAÇÃO - Centro de treinamento da Infosys, da área de software, em Maysore: aposta no setor de serviços

4. Planejamento econômico

Numa civilização antiga como a indiana, com 5 mil anos de história, não é de espantar que o tempo seja visto de forma diferente. Apesar do processo descontrolado de urbanização, muito semelhante ao nosso, a Índia tem uma tradição de planejamento econômico que data dos tempos em que era um país quase socialista. Algumas de suas figuras mais ilustres, como o primeiro-ministro Singh, trabalharam em órgãos públicos de planejamento econômico antes de entrar na política.  

Na Índia, qualquer estatística vem sempre acompanhada de projeções para o futuro. As exportações, hoje de US$ 80 bilhões, serão de US$ 150 bilhões em 2009. Os US$ 34 milhões aplicados pelas empresas indianas em publicidade na internet deverão chegar a US$ 100 milhões em 2010. E por aí vai. É algo que parece vital para o sucesso.  

5. Mudanças graduais

Alguns economistas brasileiros acreditam que, sem reformas estruturais profundas, o país jamais sairá do atoleiro. Uma das principais lições da Índia para o Brasil é que, embora as tais reformas sejam fundamentais, a vida não precisa parar enquanto elas não acontecem. É essencial ter uma agenda de longo prazo. Mas tão ou mais importante é trabalhar para que o curto prazo seja o melhor possível até resolver as questões mais complexas, cuja solução exige negociações que podem durar anos, talvez décadas.  

Na Índia, o governo e a sociedade procuram resolver os pequenos gargalos que atrapalham a vida das empresas e dos cidadãos no dia-a-dia. Muitos entraves podem ser removidos sem a necessidade de aprovar novas leis ou fazer mudanças constitucionais. São medidas que costumam afetar apenas um determinado setor e que, muitas vezes, podem colocá-lo na rota do crescimento.  

Na Índia, a base do governo no Congresso é ainda mais frágil que a do governo brasileiro. É fruto de uma coligação que reúne o Partido do Congresso, do primeiro-ministro Singh, e uma série de pequenos partidos sem relevância nacional. Lá, é tão ou mais difícil aprovar projetos do interesse do governo. Nem por isso tudo fica parado.  

Um exemplo foi a preparação do setor farmacêutico para a aceitação das regras internacionais de patentes, que ocorreu por meio de várias medidas progressivas na década de 90. Outro exemplo foi a liberação de investimentos estrangeiros no setor de construção e infra-estrutura. Com uma medida simples, sem necessidade de mudanças legais profundas, o governo conseguiu despertar o interesse do capital estrangeiro e gerou um novo dinamismo num setor crucial para a geração de empregos e o crescimento econômico.  

6. Empresários proativos

Qualquer empresário que se preza adora reclamar da política econômica. Isso acontece aqui, na Índia, e em qualquer lugar do mundo. Faz parte do jogo. Mas os empresários indianos parecem mais dispostos a tocar a vida mesmo com as dificuldades estruturais do país, como o sistema tributário perverso ou o descontrole dos gastos do governo.  

Apesar da tradição de planejamento econômico, o sucesso atual da Índia é, antes de tudo, uma vitória da iniciativa privada. Não aconteceu por causa do governo. Aconteceu apesar dele. "Na Índia, enquanto o governo dorme, a economia cresce", diz Gurcharan Das, ex-presidente da subsidiária indiana da Procter & Gamble, gigante americana do setor de higiene e limpeza. De alguma forma, os empreendedores indianos s encontram uma maneira de vencer os obstáculos e contornar a burocracia. Eles parecem ter uma agenda própria de crescimento. Procuram implementá-la independentemente do partido que esteja no poder.  

O primeiro-ministro Singh, considerado o pai da abertura econômica, está ligado ao Partido do Congresso, que governou a Índia durante quase todo o período que se seguiu à independência e foi responsável pela criação de boa parte dos obstáculos à iniciativa privada de cunho socializante. Apesar do passado de Singh, os empresários atuam em parceria com o governo, em nome do desenvolvimento. Ao falar com investidores estrangeiros e fornecedores externos, procuram realçar os aspectos positivos do país e minimizar os negativos. É bom para os negócios.  

7. Marketing eficiente

A Índia é um país que sabe se vender bem. O melhor exemplo disso foi o que aconteceu em Davos, na Suíça, no começo de 2006, durante o Fórum Econômico Mundial, um evento que reúne líderes políticos e empresariais do mundo todo. Com o objetivo de divulgar o país e de reforçar seu novo perfil desenvolvimentista, a Índia fez uma campanha publicitária intitulada India Everywhere (Em Todo o Lugar, na tradução para o português). "O Fórum Econômico foi a plataforma ideal para atingir a comunidade global de negócios", diz Ajay Khana, diretor-geral da Confederação da Indústria da Índia (CII).  

A iniciativa, coordenada pela India Brand Equity Foundation (Ibef), uma entidade criada em parceria por empresários e órgãos governamentais para promover o país no exterior, foi um sucesso. Durante o encontro, Davos foi tomada por uma legião de autoridades e empresários indianos. Havia outdoors que exaltavam a Índia por toda parte. Até no aeroporto de Zurique, a maior cidade da Suíça, havia pôsteres sobre a Índia. Um deles afirmava: "Índia: o sonho dos investidores... livre mercado".  

Diversas palestras e eventos paralelos trataram de diferentes temas ligados à Índia. Para encerrar, houve uma noite dançante, com música típica ao vivo. Vetustos homens de negócios ferveram na pista até altas horas. "A imagem da Índia está mudando", diz o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Navtej Sarna. "Hoje há uma percepção global positiva da Índia."  

No discurso de empresários e autoridades, o baixo custo de produção, fruto da abundância de mão-de-obra qualificada e dos baixos salários pagos aos técnicos, na faixa de US$ 5 mil por ano, torna-se uma "vantagem competitiva". Para se mostrar mais atraente que a China, a Índia se declara "o país democrático que mais cresce no mundo".  

Apesar de o marketing ser importante, é claro que a Índia não é só um delírio criativo de marqueteiros. "Precisamos atender às expectativas que criamos", afirma o secretário de Comércio da Índia, Shivshanka Menon. "Embora a criação de percepções seja algo importante, precisamos melhorar o resultado em benefício da nossa economia e do ambiente de negócios."  

8. Auto-estima

Um dos aspectos em que a Índia pode dar uma boa contribuição ao Brasil está relacionado à auto-estima nacional. A Índia cultiva uma imagem positiva de si mesma, apesar dos problemas que tem e das dificuldades que enfrenta para resolvê-los.

"Os indianos, hoje, não consideram a si mesmos e a seus produtos como inferiores", disse a ÉPOCA Arindam Chauduri, do Centro de Pesquisa Econômica e Estudos Avançados, de Nova Délhi. "As aquisições que as empresas indianas estão fazendo no exterior mostram que elas não têm complexo de inferioridade."    

A auto-estima indiana une o orgulho pela cultura milenar - foi lá que surgiram o número zero, o sistema decimal e a ioga - a manifestações de modernidade, como desfiles de moda ou a pujante indústria tecnológica. Seja qual for a explicação para a auto-estima indiana, o mais importante é a mensagem que ela transmite: há vida além do catastrofismo.

 


PRODUTOS PARA TODOS - Mercado popular em Mumbai: em um país de 1,1 bilhão de habitantes, as empresas não podem ignorar os consumidores de baixa renda

9. Juro baixo

No Brasil, o juro alto é visto como uma espécie de purgatório pelo qual qualquer país precisa passar se tiver problemas nas contas públicas. Mas o exemplo da Índia mostra que não é bem assim. Embora o governo indiano seja tão gastador quanto o brasileiro, os juros lá têm patamares civilizados. A inflação, que serve de base para o cálculo dos juros, é maior que a brasileira - 5% ante 3% em 2006, de acordo com as estimativas oficiais. Mesmo assim, a taxa básica de juro lá está na faixa de 6% ao ano, enquanto no Brasil ela atinge 13,75%.  

Na Índia, uma operação de financiamento para as empresas custa hoje em torno de 14% ao ano. Aqui, sai por 60%. Lá, o crédito pessoal custa em média 26% ao ano. No Brasil, 90%. Na Índia, o crédito funciona como uma poderosa alavanca da economia, e não como uma corda que sufoca as empresas e os consumidores. Para os padrões internacionais, o volume total de crédito bancário na Índia ainda é baixo, na faixa de 48% do PIB. Mas, no Brasil, é ainda menor, em torno de 31% do PIB.  

Na Índia, como no Brasil, os bancos também têm de fazer depósitos compulsórios. São obrigados a manter no mínimo 25% e no máximo de 40% de seus depósitos em títulos públicos, cujo rendimento é baixo, por serem considerados de menor risco. Nem por isso cobram da clientela juros nos níveis brasileiros.  

10. Microcrédito para a massa

Destinado à população de baixa renda desprezada pelos bancos tradicionais, o microcrédito representa um capítulo à parte na Índia. Segundo a Sa-Dhan, entidade que reúne as instituições da área, 32 milhões de indianos já tiveram acesso ao microcrédito. No total, de acordo com a Sa-Dhan, o volume de dinheiro alcança US$ 1,5 bilhão. Em média, são empréstimos de US$ 28,61. "Se quisermos ter sucesso em estimular o empreendedorismo, é fundamental oferecer serviços financeiros para os mais pobres", diz Mathew Titus, presidente da entidade. "O microcrédito pode desempenhar um papel importante para estimular o crescimento econômico pela criação de atividades produtivas, geração de emprego e redução do custo dos serviços financeiros."  

No Brasil, o volume total de empréstimos do gênero não é muito diferente. Está em torno de US$ 1,2 bilhão, de acordo com o Banco Central. Mas o microcrédito só beneficiou até hoje cerca de 3 milhões de pessoas, 10% do que a Índia alcançou. Além disso, o valor médio dos empréstimos aqui é bem maior. São s R$ 900 (US$ 410), quase 15 vezes a média indiana.  

11. Investimento em pesquisa

Um país que tem pretensões de desempenhar um papel relevante no mercado global precisa investir em pesquisa. No Brasil, há um bom número de pesquisadores que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento nacional. Na Índia, cerca de 250 universidades desenvolvem projetos que podem ser implementados pela sociedade. Muitas empresas investem em pesquisa e colhem bons frutos com isso. Só em 2004, segundo o FMI, houve o registro de 200 novas patentes da Índia, um recorde histórico.  

"O número de patentes está explodindo e muitas empresas estrangeiras estão terceirizando a área de pesquisa com empresas indianas", diz Chauduri, do Centro de Pesquisa Econômica e Estudos Avançados. "Nossas maiores vantagens são nosso intelecto e nossa habilidade de mergulhar em pensamentos abstratos."  

Na área química e farmacêutica, que movimenta US$ 600 bilhões por ano no mundo, a Dr. Reddy's é um exemplo perfeito. Segunda maior empresa privada do setor na Índia, com receita de US$ 500 milhões em 2005, ela investe cerca de 8% da receita anual em pesquisa, principalmente em produtos de combate ao câncer. "Os resultados só virão - se vierem - dentro de uns bons anos", disse a ÉPOCA o presidente da empresa, Satish Reddy.  

12. Aposta nos serviços

Em vez de ser forte na exportação de mercadorias, como o Brasil, a Índia é uma potência emergente na exportação de serviços, principalmente na área de tecnologia. O sucesso da Índia no setor não está na produção de softwares para consumo de massa, mas na produção sob medida para grandes e médias empresas.  

A Infosys, uma das maiores do ramo na Índia, atende empresas que compraram o sofisticado sistema de gestão da SAP, a gigante alemã da tecnologia. Faz a adaptação do programa às necessidades de cada cliente. Também presta consultoria na área de tecnologia. Concorre com nomes de peso, como IBM ou Accenture.  

Segundo a Infosys, para cada dólar gasto na compra de equipamentos, US$ 3 são gastos em serviços. Para conquistar a clientela, ela procura manter custos competitivos. Desenvolve 70% dos programas na Índia, onde a mão-de-obra é mais barata, e apenas 30% no endereço do cliente.  

Ao se destacar no setor de serviços, a Índia achou seu lugar no mercado global. Despertou uma vocação e transmitiu uma mensagem clara para o resto do mundo. Hoje, quem fala em serviços pensa logo na Índia. Assim como quem fala em manufatura hoje pensa na China. Os dois países mostram que é essencial encontrar uma vocação para prosperar na economia global. É isso, segundo especialistas, o que falta ao Brasil. Qual será nossa vocação? Algum dia conseguiremos saber para onde queremos ir? Talvez o exemplo da Índia possa iluminar o caminho do Brasil.

O Brasil e a Índia têm características semelhantes...

 

...Mas a Índia prospera e o Brasil não

 

Fonte: Rev. Época, José Fucs, de Nova Délhi, ed. n. 440, 23/10/2006.


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