Ciência
Com jeito de gente

 
 

Os bichos às vezes se comportam como os seres humanos?
Muitas pesquisas garantem que sim
 

As pesquisas com animais, como se sabe, ajudam a ciência a avançar. Com elas, pode-se tanto decifrar a natureza das espécies como criar remédios para males que afligem os humanos. Freqüentemente, as pesquisas com animais também revelam surpresas – descobre-se que eles adotam comportamentos semelhantes aos das pessoas. Pelo menos, essa é a interpretação dos cientistas. Os elefantes têm compaixão por seus mortos e vão visitar seus restos regularmente. Os botos machos oferecem presentes e mimos às fêmeas para seduzi-las. Parece invenção de Hollywood, mas essas são conclusões de pesquisas feitas recentemente. Até que ponto essas semelhanças estão apenas na imaginação dos pesquisadores? O fato de animais, aparentemente, se comportarem como nós não significa que eles são movidos pelos mesmos instintos e motivos. No caso dos grandes primatas, as semelhanças de comportamento até fazem sentido. Sabe-se que o homem e o chimpanzé tinham um ancestral comum há cerca de 6 milhões de anos, quando as duas espécies se dividiram. Homem e chimpanzé têm 96% do genoma idêntico. É compreensível que o cãozinho fique com expressão melancólica quando o dono está triste. Esse é o resultado de uma amizade que já dura 12 000 anos. Mas o que dizer da espécie de macaco das selvas asiáticas cujos machos "pagam" pelo sexo com as fêmeas usando cafunés como moeda? Seria a mais antiga das profissões ainda mais antiga do que se pensa? Essa interpretação do comportamento dos macacos asiáticos, evidentemente, só se sustenta à luz da comparação com os hábitos humanos. Diz a bióloga Eleonora Trajano, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo: "Nosso comportamento é determinado por valores e sentimentos influenciados por nossa cultura. Não é o que acontece com os animais. Por isso, é preciso cautela ao atribuir características humanas a outras espécies".

Mosca bêbada sai do armário

As bebidas alcoólicas tornam os humanos mais corajosos ao se aproximar do sexo oposto. Para entender como o álcool atua no sistema nervoso, cientistas da Universidade do Estado da Pensilvânia resolveram embriagar drosófilas, as moscas-das-frutas, um dos organismos mais propícios a experiências de laboratório. Eles submeteram as drosófilas ao vapor alcoólico dentro de uma câmara de plástico apelidada de flypub (em inglês, bar das moscas). Quando expostos ao álcool, os machos da espécie ficaram mais excitados e passaram a cortejar outros machos. Chegaram a formar "trenzinhos", um subindo sobre o outro. Sem o estímulo do álcool, os machos normalmente acasalam apenas com parceiras do sexo oposto. O estudo conclui que o álcool afeta da mesma forma o sistema nervoso dos seres humanos e das drosófilas, deixando-os mais desinibidos sexualmente. Há a hipótese de que o álcool apenas interfira na capacidade da drosófila de identificar os hormônios sexuais característicos das fêmeas.

 

 

 

Lágrimas de elefante 

Um estudo da Universidade de Oxford, feito com cinqüenta elefantes, concluiu que eles lamentam a morte dos seus semelhantes. Para demonstrá-lo, cheiram e tocam seus restos mortais com a tromba e as patas. Outro estudo, da Universidade de Sussex, afirma que os elefantes voltam a interagir com os cadáveres mesmo anos depois da morte, o que representaria uma espécie de homenagem póstuma. No mundo animal, raramente uma espécie demonstra interesse por seus mortos. "Esse é um exemplo de como os elefantes e os humanos podem compartilhar emoções como a compaixão", afirma o zoólogo Iain Douglas-Hamilton, da Universidade de Oxford.

 

 

O amor mercenário das macacas 

Os seres humanos não são os únicos a comprar favores sexuais, informa uma pesquisa realizada pelo biólogo Michael Gumert, da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura. Quando recebem cafunés de um macho, as fêmeas da espécie Macaca fascicularis, natural das selvas asiáticas, tendem a manter mais relações sexuais com ele do que teriam em condições normais. Além disso, as macacas ficam mais propensas a dispensar os demais interessados nelas. Mas o fator-chave para vislumbrar a existência de um "mercado do sexo" entre os macacos estaria no fato de que, quanto maior a quantidade de fêmeas disponíveis, menor a quantidade de cafunés que um macho se dispõe a oferecer para acasalar. A interpretação feita pelo cientista não é a única possível. O comportamento das macacas pode indicar que elas apenas se apegam aos parceiros que lhes façam carícias.

 

 

 

A paquera dos botos 

Da mesma maneira que os homens oferecem flores à amada, os botos-cor-de-rosa da Amazônia carregam ramos de ervas e gravetos como forma de atrair as fêmeas. É o que concluem os pesquisadores Vera da Silva, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, e Tony Martin, do British Antarctic Survey. Ao estudarem 221 grupos de botos, eles descobriram, por meio de análise genética, que os machos galanteadores costumam gerar maior número de filhotes dentro dos grupos, um indício de que o hábito de carregar objetos pode ser uma estratégia para atrair mais fêmeas. Outro indício de que o comportamento tem conotação sexual, dizem os estudiosos, é que ele não é repetido pelas fêmeas nem pelos botos jovens, mas apenas pelos machos adultos.

 

 

Fonte: Rev. Veja, Vanessa Vieira, ed. 2046, 6/2/2008.
Ilustrações Negreiros.

 


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