Judiciário cria muita indisposição”

Diz Ricardo Barros Vice-líder do governo mostra como parlamentares ameaçam aumentos
de juízes e promotores depois da campanha contra os 'ficha-suja'

 

 

O ano de 2008 foi marcado por interferências dos Poderes Executivo e Judiciário nos trabalhos do Congresso. Enquanto o governo Lula não aliviou em termos de medidas provisórias, que chegaram a trancar a pauta da Câmara em mais de 60% das sessões, os ministros de tribunais superiores “legislaram” matérias sobre as quais os congressistas não tinham consenso para deliberar. 

Entre elas, a súmula antinepotismo do Supremo Tribunal Federal (STF), que causou desconforto entre deputados e senadores que insistiam em empregar parentes, e a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a fidelidade partidária, editada ainda em 2007, que rendeu este ano a cassação de um congressista. Mas o grande impasse entre os Poderes se deu mesmo em torno dos "ficha-suja", lista de políticos processados na Justiça divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). 

"A questão dos 'ficha-suja' criou uma indisposição muito grande aqui [no Congresso]. Nós tínhamos um pouco mais de 70 parlamentares concorrendo às eleições municipais e vem a Associação dos Magistrados Brasileiros dizer que quem está condenado em primeira instância é 'ficha-suja'. Que coisa mais idiota! É contra a Constituição a posição da AMB. O Judiciário cria muita indisposição. O Ministério Público ataca demais o Poder Legislativo, o Poder Executivo. E depois eles acham que está tudo bem. E não está tudo bem", disse ao Congresso em Foco o vice-líder do governo no Congresso, deputado Ricardo Barros (PP-PR). 

Em entrevista exclusiva ao site, o deputado assume que está instaurado o conflito entre o Legislativo e a Justiça, tantas vezes amenizado em declarações à imprensa – como fizeram os líderes do governo, Henrique Fontana (PT-RS), e do PSDB, José Aníbal (SP), em entrevista ao Congreso em Foco publicada na última sexta-feira

Ricardo Barros assume que o Congresso não se esforça para votar o reajuste nos vencimentos dos ministros do STF. O parlamentar avisa que, caso queira que o reajuste de 5%, o Judiciário terá que "fazer concessões". Entre elas, "pegar leve" com medidas como a divulgação dos "ficha-suja". 

"O que acontece aqui é que nós temos problemas com o Judiciário. Eu já expressei os problemas nas associações de magistrados e, sinceramente, não vi nenhum trabalho deles no sentido de superar isso. Ficam aqui tentando ganhar o aumento na pressão, sem ter que fazer concessões. Não é uma negociação toma lá, dá cá. Mas é a questão da habilidade. Se você quer alcançar um objetivo, tire as pedras do caminho", avisa. 

Equiparação salarial 

Em seu quarto mandato, Ricardo Barros é também defensor declarado da equiparação salarial entre os Poderes – medida impopular que garante um aumento de cerca de R$ 8 mil para os deputados e senadores, elevando o atual salário de R$ 16.500 com a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 24.500. 

O parlamentar afirma que o Congresso tem proposto diversas intervenções no Judiciário. Entre elas, a responsabilização do Ministério Público em relação a denúncias infundadas, o estabelecimento de uma experiência mínima para seguir a carreira de juiz e a volta do recesso no Judiciário. 

Mais imposto 

Na entrevista, o vice-líder defende a criação de um novo imposto destinado a cobrir novos gastos da Previdência, como a polêmica Contribuição Social da Saúde [CSS].  

Este ano, o Senado aprovou três projetos que garantem mais direitos aos aposentados. As propostas mudam normas, eliminando o fator previdenciário (equação de cálculo para benefício de aposentados) e aumentando a atualização dos valores das aposentadorias. Paralelamente, a CSS – cobrança de 0,1% de todas as movimentações financeiras, uma espécie de nova CPMF – está no plenário da Câmara, à espera da votação de um destaque da oposição para seguir ao Senado. 

"A correção dos aposentados tem grande impacto no caixa da Previdência, sem nenhuma fonte. Eventualmente, a gente pode incluir uma fonte, como fizemos com a Emenda 29, fazendo a CSS [Contribuição Social da Saúde]. Pode ser que aí equilibremos o jogo e possamos avançar", prevê. 

Ricardo Barros fala também de temas polêmicos como o terceiro mandato do presidente Lula. Contra a reeleição, o deputado confirma que um terceiro mandato já foi cogitado entre os governistas, mas nega que a estratégia ainda esteja sendo utilizada e que deva ser incorporada no texto da reforma política. "Isso já esteve em pauta. Eu sou contra. Eu votei contra a reeleição quando foi votado no governo do [ex-presidente] Fernando Henrique. E olha que na época eu era do PFL. Não acredito que reeleição ajude o país", afirma. Para o cenário de 2010, o vice-líder prefere não arriscar um palpita, mas acredita que a disputa deve ficar entre PSDB e PT. 

Sobre a atual crise financeira mundial e seus efeitos na economia brasileira, o governista se mostra otimista e afirma que o Brasil tem "um bom colchão e uma economia sólida". Porém avisa: somente aumentar o crédito disponível não irá resolver o problema, é urgente baixar os juros. "Para os juros praticados hoje, o empresário toma o empréstimo, mas não consegue ganhar o suficiente para pagar a dívida por causa dos juros altos. Estamos na contramão do mundo. Por que o país que consegue grau de investimento tem que cobrar o juro mais alto do mundo? Essa incoerência precisa ser resolvida de forma rápida. Eu espero que o ministro [da Fazenda, Guido] Mantega consiga fazer prevalecer a sua visão, embora eu respeite muito o presidente [do Banco Central, Henrique] Meirelles", insiste. 

Leia a entrevista completa a seguir. 

PROBLEMAS COM O JUDICIÁRIO 

Congresso em Foco - Esse ano legislativo foi marcado pela interferência do Executivo – por meio de MPs – e do Judiciário, que editou súmulas e resoluções, como nepotismo e fidelidade partidária. O senhor acha que o Congresso deixou de cumprir o seu papel?

Ricardo Barros - Acho que, na verdade, muito decorre da dificuldade política que nós temos aqui. Por exemplo, o nepotismo. Para mim, é ótimo, eu não tenho nenhum parente nomeado nos gabinetes, nem minha esposa que é deputada estadual, nem meu irmão, que é prefeito. Para mim, não teria nenhum problema aprovar proposta contra o nepotismo. Mas, para os prefeitos que me apóiam, têm problema. Para os vereadores que me apóiam, também têm. Então isso acontece com todos os colegas aqui. Quando a gente discute a questão do nepotismo, estamos tratando de algo que vai refletir em nossas bases eleitorais. Eu não teria nenhuma dificuldade em votar o projeto sobre nepotismo, mas você percebe que não há ambiente. O conjunto das forças políticas não permite votar. Aí sobra para o Supremo deliberar. Eu ainda prefiro isso do que nada. A súmula do Supremo é melhor do que não ter nada. Ela está fazendo bons efeitos, a sociedade está percebendo resultados em cima disso. É lamentável que o Congresso se omita, mas decorre do processo político. Da incapacidade que nós temos aqui de tomar decisões que nos desgastam perante à opinião pública ou perante a nossa base parlamentar. 

A fidelidade partidária e a necessidade de as coligações serem as mesmas nas eleições municipais e estaduais engessam o processo político?

Em relação às coligações, acho que isso é um exagero. Porque durante o período eleitoral, a coligação se torna um único partido. Mas isso é durante o processo eleitoral, depois não. Após as eleições, são desfeitas as coligações para se ter o direito de fazer isso novamente nas próximas disputas. Quanto à fidelidade partidária, vi aqui na Casa colega argumentando: "Eu posso trocar de mulher, trocar de carro, de tudo, e não posso trocar de partido?". Pode, mas sai um ano e três meses antes, entrega o seu cargo para o partido e muda. Se você se separa da mulher, deixa metade do patrimônio com ela. Por que, quando se separa do partido, não pode deixar o mandato para o partido? Então, tem que ser assim. Não pode ficar a coisa do descompromisso. Se não, vamos mudar o sistema e o "distritão", que a gente chama, então os mais votados se elegem. Dessa forma, não precisa de partido. Pode ser candidato independente. Só que isso vai refletir depois em uma dificuldade de coordenar os trabalhos na Casa. 

O senhor defende a equiparação salarial entre os três Poderes. Ano que vem vota-se essa proposta?

Acredito que não. Há uma grande resistência da opinião pública. Nós já fizemos aqui um ato da Mesa, fazendo essa equiparação. Lamentavelmente, o Ministério Público e o Supremo derrubaram esse ato da Mesa que tinha fundamento jurídico. Daí fizeram uma "mediazinha", que não precisavam fazer, o Supremo não tem que fazer média com a opinião pública nem com a imprensa. Daí criou-se esse constrangimento. Mas está na Constituição que tem que haver isonomia entre os Poderes. Então um dia quem sabe o Supremo vai querer resolver isso também, como tem resolvido outras coisas para fazer cumprir a Constituição. Os ministros [do Executivo] hoje ganham aí R$ 12 mil. Têm sentido isso? Aqui na Casa, a maioria dos funcionários ganham mais do que isso. Não pode haver essa diferença do Judiciário ganhando R$ 24 mil, os parlamentares R$ 16 mil e os ministros R$ 12 mil. Até porque está escrito na Constituição que deveria haver uma isonomia entre os salários dos dirigentes desses Poderes. 

Esse descontentamento é geral entre os parlamentares?

Os parlamentares estão aqui, cada um, por sua decisão. Se se propôs a ser candidato, sabe quanto é o salário. Se quer fazer alguma coisa que dê mais resultado, então que vá fazer. Muitos estão aqui porque gostam de servir à comunidade, porque têm prazer nessa atividade. Muitos estão até também porque são lobistas pessoais, têm grandes empresas e estão aqui para defender os interesses das suas empresas. Ou estão representando setores, são sindicalistas, bancários, agricultores. Eu sou, por exemplo, um desses que foi prefeito e veio para cá com essa visão municipalista. Cada um está aqui sabendo a responsabilidade que tem e não tem que reclamar porque já se elegeu sabendo qual é a regra. Eu não penso que isso vai ser um cavalo de batalha aqui na Casa nem há essa demanda dos parlamentares por aumento de salário. 

Se não tem equiparação salarial, também não tem aumento da remuneração do Judiciário. É essa a posição do Congresso?

Eu tenho dito com clareza para os representantes de associações da magistrados e do Ministério Público que essa questão é uma questão difícil de ser resolvida. Ninguém quer chegar para o presidente do Supremo e dizer: "Olha, não vou votar seu aumento", nem falar para o promotor do Ministério Público, porque o MP tem a prerrogativa de te processar e, se não tiver fundamento, não acontece nada com eles. O que acontece aqui é que nós temos problemas com o Judiciário. 

Que problemas seriam esses?

Primeiro, a responsabilização do Ministério Público. Não pode ser assim. O promotor faz uma denúncia, divulga na imprensa, faz um escândalo. Depois, se você prova que a denúncia era infundada, não acontece nada com eles. Isso tem que ser resolvido. O Ministério Público tem todo o direito de fazer o que quer, mas tem que responder pelo que faz como todo mundo aqui. Outra questão se refere aos juízes. Eles estão chegando muito verdes na nagistratura. Falta um pouco de maturidade para quem entra na magistratura. Nós criamos aqui um período de três anos de vivência, para que eles pudessem chegar lá com um pouco de experiência. Mas esses três anos viraram cursinho para passar no concurso de juiz. Nós temos que ter juízes que tenham tido vivência da vida para julgar os casos que vêm na mão dele. Não pode chegar lá, saindo da faculdade, dando canetada aí. Se não não vai julgar bem, porque não tem o senso da realidade. Isso é uma das coisas que ouço nos corredores. Então eu tenho manifestado isso. O salário inicial é muito próximo do final, com apenas 5% de diferença. O juiz chega ganhando R$ 22 mil e termina com R$ 24 mil. Então, não há interesse em se aperfeiçoar. Outro ponto que é um problema é a questão das férias do Judiciário. Antes havia o recesso. Depois acabaram com isso e cada um tira férias quando quer. Seria preciso retomar o recesso do Judiciário. O Poder pára um período. A falta de recesso não está ajudando na celeridade que a sociedade espera ter da Justiça. 

Pode-se dizer que há um conflito instaurado entre os dois Poderes?

Os parlamentares falam, mas ninguém quer se expor. Temos vários outros problemas que precisam ser resolvidos com o Judiciário. Por exemplo, a questão dos "ficha-suja" criou uma indisposição muito grande aqui. Nós tínhamos um pouco mais de 70 parlamentares concorrendo às eleições municipais e vem a Associação dos Magistrados do Brasil [AMB] dizer que quem está condenado em primeira instância é "ficha-suja". Que coisa mais idiota! A Constituição brasileira diz que ninguém é culpado até transitado em julgado. É contra a Constituição a posição da AMB. O Judiciário cria muita indisposição. O Ministério Público ataca demais o Poder Legislativo, o Poder Executivo. E depois eles acham que está tudo bem. E não está tudo bem. Então tenho, no pessoal, que isso tudo deve ser mudado. Mas é o conjunto das opiniões dos líderes. Quando o assunto chega na reunião dos líderes, para definir a pauta, a matéria não vai à pauta porque um não quer. No dia 17 de dezembro, na hora de votar urgência, todos os partidos se manifestaram contra no painel. Inclusive, para que todo o Ministério Público saiba que eles estão em desacordo com esse aumento de subsídio. Não pelo aumento de subsídios em si. Mas é uma conjuntura que tem que ser negociada. 

Há muitos ressentimentos na Casa em relação à questão dos "ficha-suja". O Judiciário tomou uma posição muito arriscada, não?

Eles quiseram fazer um "H", aparecer para a sociedade. O Ministério Público do Paraná, por exemplo, baixou uma norma para os seus promotores pedirem para impugnar o registro dos candidatos à eleição que estivessem em condenação em primeira instância. Isso é contra a Constituição! Agora está aí o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] com muitos processos para julgar, porque ficou entupido de serviços com ações que não geraram resultado nenhum. Só trabalho para a Justiça e desgaste para a classe política. Eu sou um crítico dessa decisão e acho a AMB paga um preço também por ter resolvido brigar com a Justiça e com a Constituição brasileira. Não cabe a magistrado afrontar a norma constitucional. 

Como resolver o impasse entre os dois Poderes?

O Poder Judiciário deveria constituir uma força de trabalho e vim resolver esses problemas. Eu já expressei os problemas nas associações de magistrados e, sinceramente, não vi nenhum trabalho deles no sentido de superar isso. Ficam aqui tentando ganhar o aumento na pressão, sem ter que fazer concessões. Não é uma negociação toma lá, dá cá. Mas é a questão da habilidade. Se você quer alcançar um objetivo, tire as pedras do caminho. E eles não estão trabalhando para remover esses obstáculos que já foram expressados por mim e por outras pessoas aos seus representantes.O novo presidente da Câmara, quem sabe, possa constituir um grupo de trabalho de parlamentares e representantes do Ministério Público e Judiciário. Vamos fazer um pacote de arrumação, para poder resolver tudo, inclusive, o subsídio. 

LEGISLATIVO 

Quais as matérias aprovadas este ano que se destacaram, na sua avaliação?

Fizemos algumas ações no sentido de melhor os trabalhos da Casa. Essa matéria que altera o trâmite das medidas provisórias, por exemplo, é uma matéria importante. Não concluímos a votação, nem conseguimos imprimir o que texto que seria ideal, por questões políticas. Mas tivermos avanço com a aprovação em primeiro turno. Também foi relevante o debate sobre a reforma tributária. Terminamos a matéria na comissão especial, com um bom relatório, e temos acordo para votar em março. Essa vai ter grande impacto. 

Quais propostas importantes devem ser apreciadas no ano que vem?

A reforma política acredito que não anda. Não tem consenso essa reforma. E a Previdência [projetos para os aposentados] é um problema que nós vamos ter que administrar ano que vem com bastante atenção, pois afeta muito o caixa do governo e tem uma pressão social muito grande. Provavelmente isso vai ter dificuldades para ter apoio para derrubar o que o governo [no Senado] aprovou, então acaba ficando com o presidente Lula a decisão de veto ou não. Mas nós, a base do governo, trabalharemos para tentar corrigir essa falta de fonte. A correção dos aposentados tem grande impacto no caixa da Previdência, sem nenhuma fonte. Eventualmente, a gente pode incluir uma fonte, como fizemos com a Emenda 29, fazendo a CSS [Contribuição Social da Saúde]. Pode ser que aí equilibremos o jogo e possamos avançar.

A CSS será uma prioridade do governo para o próximo ano?

Eu não diria isso. Mas se há pressão para regulamentar a Emenda 29, e isso gera custos para o governo, eu preciso colocar uma fonte. Colocamos a CSS. O que eu estou propondo é que o mesmo raciocínio seja aplicado para a questão da Previdência. Se temos uma pressão para reajustar as aposentadorias, então vamos encontrar uma fonte. Porque isso é despesa permanente, continuada e isso não pode ser feito sem uma fonte também permanente e continuada. Sei que isso vem na contramão da reforma tributária, no sentido de que o assunto deveria ser tratado dentro da reforma. Mas eu não vejo agora como isso poderia ser conciliado no processo. Ou a reforma tributária assume de colocar uma fonte, e dessa maneira libera a base do governo para votar os projetos, ou nos próprios, nós vincularemos uma fonte e a própria sociedade decide se quer apoiar os aposentados e quer pagar essa conta. 

Governadores têm dito que dificilmente a reforma tributária será votada porque a proposta retira recursos dos estados no meio das gestões. O senhor concorda que, mesmo com avanços, não há como aprovar o atual texto dessa reforma?

Eu avalio que vai ter pressão de governadores sempre. O atual texto da reforma retira dos governadores a flexibilidade de mexer nas alíquotas de ICMS. Mas para o Brasil é muito boa a unificação das alíquotas. Para o país como um todo, o fim da guerra fiscal vai nos permitir aumentar muito a arrecadação, evitar esses benefícios exagerados que são dados para empresas se instalarem aqui ou ali. Temos que acreditar no Fundo de Equalização Fiscal (FEF). Se não houver um crédito das pessoas, de que ele vai suprir as eventuais perdas, então a reforma não poderá prosperar. Mas ele tem uma característica bastante clara no texto da reforma, que garante que o FEF vai cobrir as perdas e, senão cobrir, o Tesouro o fará. Então não vejo porque a preocupação dos governadores. A reforma é neutra, ninguém vai perder em relação a arrecadação que tem hoje. Os governadores têm que acreditar nisso, mesmo que o estado que adere aponte uma perda, ele tem que acreditar que FEF vai cobrir essa perda e depois o Fundo de Desenvolvimento Regional, que substituirá a guerra fiscal. Através dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional é que os estados poderão receber recursos para atrair pólos de desenvolvimento, criar equações para poder atrair empresas para as regiões menos desenvolvidas e com menos infra-estrutura. 

Na sua avaliação a votação da reforma tributária até anda, mas a reforma política não tem acordo. Isso seria por causa da "brecha" para um terceiro mandato?

Não. A reforma política não será votada porque cada parlamentar tem o seu projeto. Se não tivéssemos que consultar, teríamos 513 projetos na Câmara e 81 no Senado, porque cada um defende uma situação política que lhe favorece ou não. O problema de alterar a regra agora é que nós temos sempre a pressa mudar para a próxima eleição. Reforma política é uma coisa para ser feita ser feita a longo prazo, para valer daqui a dois mandatos. De modo que as pessoas tivessem tempo de se adaptar a essa nova regra ou expectativa de nem estar mais no processo político. Estamos falando de um processo que não permite que as pessoas – por mais que tenham convicção de que uma mudança na legislação eleitoral possa beneficiar o país – se posicione a favor da reforma, se essa inviabilizar seu interesse político. Por mais que ache que é bom para o Brasil, mas não é bom para ele, "então eu não voto”. Por isso tem que se pensar mais a longo prazo. E não estou vendo essa condução mais serena por quem está à frente do processo.  

Quais os pontos polêmicos dessa reforma o senhor destaca?

Quando fala, por exemplo, em coincidência de mandatos, eu acho difícil passar. A sabedoria popular diz “nunca ponha todos os ovos na mesma cesta”. Então não há que se colocar todos os mandatos em jogo em um momento só. Essa última eleição [municipal], por exemplo, foi realizada em um bom momento econômico. Por isso muitas reeleições aconteceram. Talvez se as eleições fosse daqui seis meses, com a crise, muitas reeleições não aconteceriam. Se o cidadão não está bem, ele acha que o governo também não está. Dessa forma, eu não acho lógico que os partidos arrisquem todas as suas posições em um único momento, pois se pegar uma onda vermelha, aí vai tudo embora. Mas está aí, acabou de passar [ser aprovado] na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça da Câmara] coincidência de mandatos e fim da reeleição. Acabamos de ter uma eleição com muitas reeleições e votamos o fim da reeleição. Então acho que falta um pouco de coerência nessa reforma. Tem muito casuísmo, tem muita questão da visão do momento político que influi e é por isso que não dá para fazer reforma olhando para a próxima eleição. 

ELEIÇÕES 2010 

A oposição vem se sentindo ameaçada por um terceiro mandato do Lula. Os governistas trabalham para isso?

Eu não acredito nisso. Isso já esteve em pauta. Inclusive o governo, não sei se o próprio presidente, já pensou nessa possibilidade do terceiro mandato e, infelizmente, na América Latina está acontecendo mudanças constitucionais para permitir permanência de pessoas no poder. Eu sou contra. Eu votei contra a reeleição quando foi votado no governo do [ex-presidente] Fernando Henrique. E olha que na época eu era do PFL. Não acredito que reeleição ajude o país. Eu acho que quando alguém ganha um mandato, ele tem que cumprir a sua tarefa olhando para o seu período e, nesse período, tomar as medidas de cortar as despesas e aumentar a receita. Hoje, o que acontece? Ele senta na cadeira, pensando na reeleição. Não corta despesas para não desagradar outras lideranças, nem aumenta a receita para não desagradar o contribuinte. Está virando um pântano! Você olha o quadro político e administrativo das prefeituras, estados e da própria União, você vê que a margem de vencimento é mínima, está ficando tudo em custo da máquina, porque o processo político induz a isso. A pessoa assume e não quer desagradar a ninguém. Depois ele se reelege, e se não fez no primeiro mandato, também não vai fazer no segundo. Por isso sou contra a reeleição. 

Os índices de popularidade do presidente Lula estão altos. É por que ele não tem desagrado a ninguém?

Não. É, primeiro, pelo bom momento econômico que nós vivemos nesse período e evidente que o crescimento contínuo que tivemos durante esses anos fortalece muito a economia, amplia oportunidades de emprego, melhora a qualidade de vida das pessoas. Com isso, as pessoas compram geladeira, televisão nova, um carrinho, todo mundo está feliz. Então associa esse bem-estar econômico com a boa condução do país por parte do presidente. Agora tem também a questão das qualidades pessoais do presidente, a capacidade que o Lula tem de se comunicar com as pessoas. Isso, eu percebo, é o seu maior patrimônio. A linguagem, a percepção dos cidadãos brasileiros de que o presidente é um igual, isso é que faz com que ele consiga transmitir, mesmo em momentos de dificuldade, segurança para as pessoas, fazer com que as pessoas entendam o que ele está falando. Sua perspicácia política é muito grande. O Lula tem uma capacidade muito grande de entender rápido qual é o cerne da questão e atacar o centro dela. Por isso, eu percebo que ele vai continuar se saindo bem, por mais que a crise venha – ele como presidente. Talvez o governo tenha uma queda de avaliação. Mas ele vai continuar sempre conseguindo fazer com que a população entenda que ele, Lula, está fazendo o que pode ser feito para que aquele momento ruim seja melhor. 

Com toda essa popularidade do Lula, já é possível prevê um cenário para as eleições de 2010?

Está muito cedo. A tendência das pessoas, quando se fala em disputa eleitoral, é lembrar de nomes dos que já concorreram. O eleitor tem muita dificuldade em pensar que "aquele presidente da Confederação Nacional das Indústrias daria um bom presidente". Ele associa e responde nas pesquisas os nomes que já estiveram associados ao cargo e, especialmente, aqueles que já disputaram as eleições para o cargo. Eu penso que isso vai prevalecer até à beira da eleição. E na campanha, é campanha. Veja o exemplo do Kassab, que deu uma virada na eleição. A disputa, eu avalio, deve ficar entre PSDB e PT. A tendência é que os partidos que disputam o poder lancem candidatos e os partidos que são base de governo, qualquer que seja o governo, se abstenham de tomar qualquer lado. Porque terão mais facilidade de compor depois a base do governo. 

CRISE 

Em relação à crise, estamos no auge da crise ou o pior está por vir?

A crise está instalada. É a maior crise da história. São trilhões e trilhões de dólares que desapareceram na economia "virtual", evidente. Mas não vejo que a gente vá sofrer tanto porque o Brasil tem uma economia muito sólida. Os nossos bancos, diferente dos europeus, trabalham com uma alavancagem maior, com índice maior. São bancos mais seguros no sentido da possibilidade de haver novas quebras. Nós teremos uma crise menor do que em outros países, mas a crise existe. Se o governo parar de teimar com esses juros tão altos, eu penso que ele pode aquecer o mercado interno e rapidamente ocupar a produção que deixa de ser exportada. 

Se a solução está em baixar os juros, por que o governo insiste em manter a taxa Selic alta?

Isso é uma questão muito polêmica, muito característica da nossa economia e da força que os bancos têm no processo econômico brasileiro. O setor financeiro é o mais capaz de movimentar as coisas no país. Por isso eles têm também uma capacidade de fazer com que as coisas permaneçam favoráveis aos seus resultados. Diria que é mais isso do que a tese e a convicção de que "o melhor é manter os juros altos". Estamos na contramão do mundo. Quando nós conseguimos grau de investimento, eu fiz um questionamento: por que o país que consegue grau de investimento tem que cobrar o juro mais alto do mundo? Grau de investimento significa confiança, capacidade de ter retorno, de ter investimentos. Significa que o país está em condições de ser um bom lugar para se aplicar dinheiro, então por que precisa cobrar o juro mais alto do mundo? Essa incoerência precisa ser resolvida de forma rápida. Eu espero que o ministro [da Fazenda, Guido] Mantega consiga fazer prevalecer a sua visão, embora eu respeite muito o presidente [do Banco Central, Henrique] Meirelles. 

Os pacotes e medidas provisórias enviadas ao Congresso para amenizar os efeitos da crise foram suficientes?

Nós temos um bom colchão. Temos US$ 200 bilhões em reservas, temos US$ 280 bilhões em contingenciamento dos bancos. O país tem ainda muito espaço para ajudar a economia sem ter que pôr muito a mão no bolso, só mexendo na normatização. Daí a minha teoria de que não adianta só oferecer o crédito, se ele não é viável para as pessoas tomarem empréstimos. Para os juros praticados hoje, o empresário toma o empréstimo, mas não consegue ganhar o suficiente para pagar a dívida por causa dos juros altos. Só aumentar o crédito disponível não está mais resolvendo o problema. Temos que fazer com que a conta feche e que o empresário acredite que vai poder pagar os juros. Mas, de modo geral, as medidas aprovadas no Congresso são boas. A oposição também tem colaborado no sentido de se transmitir mais segurança para o mercado. 

Além do que já foi feito, o governo sinaliza tomar novas medidas?

Sim, novas medidas virão. A crise tem se mostrado muito mais extensa do que nós imaginávamos. A própria declaração de Barack Obama, de que o governo americano está ficando sem fôlego para continuar ajudando, preocupa. Espero que nós aqui no Brasil não tenhamos esse problema, que o depósito compulsório e as reservas cambiais do país nos permitam poder ajudar o mercado sem comprometer a nossa capacidade de estabilidade. É uma questão polêmica, mas reforço a idéia de que temos que ter na pauta a redução dos juros. Se o Banco Central tivesse reduzido os juros, nem que fosse o 0,5% – o “por favor” do [ex-ministro da Fazenda] Delfim [Netto] –, a gente teria um otimismo maior dos empresários, uma manutenção maior dos investimentos e, portanto, um reflexo menor da crise. 

A criação de duas novas alíquotas para o imposto de renda vai surtir efeito?

Tudo ajuda. Mas se está reduzindo a arrecadação, você poderia reduzir, por outro lado, a despesa com juros. Nós pagamos R$ 140 bilhões por ano de juros. Então qualquer "um ponto" que você derruba na taxa, você deixa de tirar muito dinheiro do caixa. O governo está pagando mais e diminuindo a receita, deixando de colher impostos, para aquecer a economia, enquanto ele poderia diminuir os juros – que faria esse efeito de aquecer a economia e também de aumentar a disponibilidade de caixa no governo –, para investir em infra-estrutura e outros setores que também têm a função de caráter anticíclico.

 

Fonte: Congresso em Foco, Renata Camargo, 29/12/2008.

 


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