POLÍTICA PARA RICOS
Juros engolem mais de R$ 1 trilhão

 

Mantido o ritmo atual, o governo federal deverá "devolver" aos donos do dinheiro no país praticamente metade de todos os recursos que pretende destinar aos programas sociais em 2005. Os números estão nos relatórios oficiais do Banco Central (BC) e do Ministério da Fazenda e mostram por que, entre outras razões, a concentração da renda permanece inabalável no Brasil, a despeito dos avanços que o governo afirma ter alcançado na área social.

A política de elevação dos juros, reafirmada mês a mês pela diretoria do BC desde setembro do ano passado, em sua versão mais recente, não só impede a economia de crescer, ao afugentar investimentos públicos e privados e gerar desemprego e achatamento dos salários, mas tem criado, ao longo dos anos, obstáculos permanentes à justa redistribuição dos ganhos e riquezas produzidos no país.

Aos números. Projetadas para os próximos doze meses, as despesas com os juros da dívida da União, em vias de ultrapassar os R$ 970 bilhões, atingiram, no primeiro trimestre, o correspondente a 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB).

O valor do PIB, como se sabe, reflete a soma de todas as riquezas produzidas, a cada ano, por pessoas físicas, trabalhadores, assalariados e autônomos, bancos e empresas em geral, incluindo o setor público e suas estatais. Pelo que mostram os dados do BC, apenas a conta dos juros da dívida da União tende a consumir mais de R$ 160 bilhões em 2005. 

PROGRAMAS SOCIAIS

No ano passado, segundo um estudo divulgado com estardalhaço pelo Ministério da Fazenda, considerando- se todos os programas sociais, inclusive as despesas com aposentados e pensões da Previdência, os gastos chegaram a R$ 280,7 bilhões ou o correspondente a 16% do PIB - idêntico percentual registrado em 2001, ainda no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Mantido o mesmo compasso neste ano, só as despesas com juros devem drenar - se não houver mudança na política vigente - o correspondente a mais de 52% de todos os recursos destinados a combater a miséria e a fome, aos programas na área da Saúde, reforma agrária, habitação e saneamento, criação de empregos e proteção aos desempregados, à Educação e Cultura e outras formas de proteção social.

Dito de uma forma mais clara, mais da metade do dinheiro que o governo utiliza para melhorar a vida de milhões de excluídos retorna às mãos de algumas centenas de famílias que participam do jogo de ganhar juros no cassino financeiro. É esta a verdadeira face da política de juros altos.

RECONCENTRAÇÃO

E, como é notório, não se trata de uma política "emergencial", adotada para corrigir desarranjos temporários na economia (como uma alta de preços e da infl ação, num período determinado). Mas de uma política permanente de transferência de renda aos que mais ganham no país, como demonstra trabalho desenvolvido pelo economista Rogério Nagamine Costanzi, mestre em economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em políticas públicas e gestão governamental, diretor em exercício de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento.

Ao contrário do que sugerem as constantes campanhas na grande imprensa contra um suposto excesso ou descontrole dos gastos públicos, Costanzi mostra que, entre 1983 e 2004, o governo conseguiu poupar recursos, "mas não pôde utilizar esse superavit (receitas maiores do que despesas, quando desconsiderados os gastos com juros) em investimentos ou gastos sociais".

O motivo? Porque foi obrigado a transferir, ao longo de todo aquele período, em média, o equivalente a "quase 5% do PIB por ano para os mais ricos, por meio das despesas com juros". Para o economista, essa transferência "certamente dificulta, ou mesmo inviabiliza, a melhora da distribuição de renda no Brasil".

Suas contas, embora considerem apenas a parcela das despesas com juros que superou a inflação naqueles anos, desnudam o tamanho daquela transferência e, portanto, da concentração patrocinada por uma política de arrocho permanente.

Entre 1983 e 2004, as despesas com juros de todo o setor público, incluindo o efeito da variação do dólar (que pode engordar ou encolher a conta), chegaram a impensáveis R$ 1,330 trilhão - algo como 99% de tudo o que o Brasil produziu em 1995, por exemplo. Apenas para efeito de comparação, sem qualquer atualização, aquele trilhão representa quase 76% de todas as riquezas produzidas no ano passado por todos os brasileiros.

 

Fonte: BrasildeFato, Lauro Veiga Filho, edição nº 116, de 19 a 25/05/2005


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home