O lado B da diplomacia

 

O Brasil fez tudo certo na crise atual, mas participa de foro que inclui as Farc e segue orientações do grupo
 

 

Ricardo Stuckert/PR
"FILHO NOSSO"
Lula na comemoração do aniversário de quinze anos do Foro de São Paulo, grupo que ele ajudou a fundar

 

No auge da crise Colômbia-Equador, enquanto o governo brasileiro se empenhava na tentativa de baixar a temperatura, o assessor da Presidência da República Marco Aurélio Garcia se esforçava para elevá-la. Em entrevista ao jornal francês Le Figaro, o encarregado de Lula para assuntos internacionais elogiou o envio de tropas pela Venezuela e pelo Equador à fronteira com a Colômbia, fez cafuné nas Farc ao dizer que o Brasil não classifica a organização como terrorista, mas tem uma posição "neutra" em relação a ela, e cobrou (mais) desculpas de Bogotá pela invasão do território equatoriano. Ao deixar Marco Aurélio morder em público, enquanto assopra nos bastidores, Lula exercita seu conhecido estilo ambíguo: age pragmaticamente com correção, mas não deixa de fazer umas embaixadinhas para a platéia. Nesse caso, uma platéia nacionalista, castrista, chavista e simpática à narcoguerrilha, que tanto o presidente quanto Marco Aurélio conhecem muito bem. 

Em 1990, inspirados por Fidel Castro, Lula, então presidente do PT, e seu hoje assessor especial fundaram o Foro de São Paulo, grupo que reúne partidos e organizações latino-americanos de esquerda em torno de três ideologias: o antiamericanismo, o nacionalismo de cunho autoritário e a solidariedade à Cuba castrista. Criado para ser uma base de influência do PT na América Latina e demonstrar apoio a Fidel, o Foro incluía – e ainda inclui – entre seus participantes representantes das Farc e do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do Chile. É exagero dizer que o Foro de São Paulo pauta a política latino-americana na última década. Mas é fato que muitas das posições defendidas pelo Foro são adotadas em parte ou no todo por governos de esquerda no continente. O próprio governo Lula tem atitudes que sugerem a influência, em graus variados, dos radicais do Foro – esse "filho nosso", como Lula chamou a entidade no discurso que fez em 2005, em São Paulo, em comemoração a seus quinze anos de existência. 

Para o sociólogo Demetrio Magnoli, o Foro de São Paulo não tem caráter operacional, está longe de definir as diretrizes da política externa brasileira, ou latino-americana, e perdeu seu sentido original, que era ostentar apoio ao regime cubano num momento em que o Muro de Berlim ruía e a União Soviética estava com os dias contados. Ainda assim, permanece como um palco conveniente para que Lula exercite sua retórica esquerdista e se fortaleça perante sua base política mais radical. A relação de Lula com o Foro, diz o sociólogo, é mais uma mostra da duplicidade de orientação que caracteriza a política externa brasileira, que tem como corolário uma série de "omissões vergonhosas" da parte do governo petista. Exemplifica Magnoli: "Por causa dessa política ambígua de Lula, o Brasil condena os seqüestros e assassinatos cometidos pelas Farc, mas não diz que a organização é ilegítima. Posa de mediador nas crises, mas não critica o fato de Chávez interferir na política interna da Colômbia nem repreende o uso de territórios da Venezuela e do Equador pelos guerrilheiros". Até agora, sempre que defronta com uma situação-limite na América Latina, como a crise da semana passada, Lula tem feito a coisa certa e falado (além de deixar falar) tolices inspiradas pelos documentos do tal Foro de São Paulo. Ainda bem que a ação é mais forte que a palavra. Ao agir com sabedoria e comedimento, Lula contribui, talvez até sem querer, para distanciar ainda mais sua imagem da de Hugo Chávez, o fanfarrão venezuelano.

 

 

Fonte: Rev. Veja, Naiara Magalhães, ed. 2051, 12/3/2008.
 Com reportagem de Juliana Linhares.

 

 


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