Laptops para redução da pobreza?
Naércio Menezes Filho* 

  

Tudo seria bem diferente se a sociedade brasileira tivesse se preocupado com a
educação e com o bem-estar dos mais pobres algumas décadas atrás

Na semana passada a associação "um laptop por criança" (OLPC) entregou para o presidente Lula o primeiro laptop popular, que atualmente custa U$ 150. O objetivo dessa associação é produzir entre cinco e dez milhões de unidades no próximo ano e atingir um custo de U$ 100 em dois anos.

Se todas as crianças pobres brasileiras tiverem acesso a esses laptops, será que elas deixarão de ser pobres?

Já sabemos que no Brasil o principal meio para deixar a pobreza de forma definitiva é através da aquisição de uma educação de qualidade, que capacite a criança para competir no mercado de trabalho em condições de igualdade com os filhos das famílias mais ricas.

Logo, os laptops só ajudarão as crianças a escapar da pobreza se as ajudarem a obter uma educação de maior qualidade. Eles teriam essa capacidade?

Os dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), divulgados a cada dois anos pelo Ministério da Educação, podem ser utilizados para ajudar a responder essa pergunta.

Entre outras coisas, o Saeb pergunta aos diretores das escolas qual é o número de computadores que são usados exclusivamente pelos alunos.

Podemos utilizar esses dados para verificar qual o impacto dos computadores atuais sobre o desempenho dos alunos em testes de proficiência de matemática e língua portuguesa.

A resposta é decepcionante. Em geral, o impacto do acesso a computadores é muito pequeno. Quando a mãe do aluno tem escolaridade baixa (menor que o ensino fundamental) o impacto dos computadores é insignificante.

Por outro lado, quando a mãe tem ensino médio completo ou superior, o uso de computadores aumenta a nota em cerca de 10%. Isto indica que se as crianças não tiverem quem as oriente para tirar proveito do uso do computador, de nada adiantaria fornecer um laptop para cada uma delas.

Acontece que o desempenho dos alunos nos testes de proficiência depende muito mais do seu "background" familiar do que das características das suas escolas. A escola explica entre 15% e 30% da variação de notas, o restante é explicado pelas características dos alunos e das suas famílias.

Assim, medidas que visam aumentar a qualidade da educação hoje acabam tendo um impacto muito limitado, pela falta de capital humano dos pais dos alunos.

Tudo seria diferente se a sociedade brasileira tivesse se preocupado com a educação e com o bem-estar dos mais pobres algumas décadas atrás. Programas como o Bolsa Escola, Bolsa Família, Fundef e progressão continuada só começaram efetivamente a funcionar na década de 80.

Antes disto, os mais pobres ficavam ao deus-dará, pois a sociedade achava que o crescimento econômico por si só aumentaria o bem-estar de todos e que políticas regionais (como a recém recriada Sudene) aliviariam a pobreza, o que provou ser um grave erro.

Mas será que os professores não conseguiriam suprir a deficiência dos alunos mais pobres no uso do computador? É óbvio que os bons professores conseguiriam ajudar, mas as evidências indicam que existem poucos professores na rede pública que estejam motivados o suficiente para realmente fazer a diferença.

Na verdade, o desempenho dos alunos na rede pública independe da escolaridade dos professores, da sua experiência, do número de lugares em que eles dão aulas, do seu salário ou de políticas de qualificação.

É claro que existem bons professores, mas eles acabam desmotivados, pois têm que enfrentar uma situação complicada na sala de aula e não têm incentivos para se dedicar mais. 

Enquanto não houver políticas de remuneração e promoção que incentivem e retenham os melhores professores na rede pública, há pouca esperança de que os laptops tenham algum efeito sobre o desempenho dos alunos mais pobres.

Devemos então abandonar qualquer tentativa de melhorar a educação no curto prazo? Claro que não. O que as evidências mostram é que estas medidas terão efeitos limitados no curto prazo, pela falta de capital humano dos pais dos alunos atuais.

Porém, na medida em que persistamos com políticas educacionais corretas, seu impacto sobre a qualidade do ensino será potencializado quando estas crianças se tornarem pais e mães, pois o aumento no aprendizado tornar-se-á parte do seu "background" familiar.

Mas será que não seria possível acelerar o impacto de programas como a distribuição de laptops baratos para que eles possam atingir as crianças pobres atuais?

Existem alguns caminhos possíveis. Estudos internacionais, por exemplo, indicam que intervenções que ocorrem cedo na vida dos alunos, como na pré-escola, tendem a ter um impacto muito maior do que intervenções tardias.

Isto ocorre porque a capacidade de aprendizado se desenvolve desde muito cedo no ser humano, e as crianças que perdem essa oportunidade dificilmente conseguem alcançar as demais quando ficam mais velhas.

Pesquisas brasileiras confirmam esta idéia, ao mostrar que as crianças que freqüentaram a pré-escola têm um desempenho melhor nos exames do Saeb do que as crianças que começaram a estudar na primeira série, mesmo após levarmos em conta o "background" familiar diferenciado entre elas.

Além disto, as crianças que começaram a estudar antes tendem a ter uma escolaridade maior e ganhar salários maiores quando ingressam no mercado de trabalho.

Assim, o Fundeb (que acabou de ser aprovado no Congresso) caminha na direção correta, ao incluir a creche e pré-escola na conta para a distribuição de recursos educacionais entre os Estados e municípios.

Os dados também indicam que o número de horas que o aluno permanece na escola tem um impacto importante na sua nota de matemática, tanto no ensino fundamental como no ensino médio.

Por outro lado, o número de alunos na sala de aula não tem nenhuma importância para a proficiência do aluno, em nenhuma série. Assim, uma política educacional óbvia seria a de aumentar significativamente o número de horas-aula na rede pública, mesmo que para isto seja necessário aumentar bastante o número de alunos por classe.

Finalmente, existe sempre a possibilidade de melhorar o background familiar, com medidas para melhorar o capital humano dos pais dos alunos.

Existem estudos mostrando que o antigo supletivo era muito eficiente no sentido de melhorar a escolaridade dos jovens e adultos, com retorno muito semelhante ao da educação formal. Por outro lado, programas de requalificação da mão-de-obra e de redução do analfabetismo costumam ter efeitos muito limitados.

Medidas desta natureza seriam importantes para diminuir a diferença na qualidade do ensino entre os mais ricos e mais pobres e aumentar o efeito de programas como a distribuição de laptops nas escolas, por exemplo. Mas agora temos que correr para recuperar o tempo perdido.
 

* Naércio Menezes Filho é professor de economia do IBMEC-SP e da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil.

 

Fonte: Valor Econômico, 1/12/2006.


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