Estatuto legaliza o racismo

 

O Senado já aprovou e a Câmara ainda vai analisar a mais
desastrosa idéia sobre as questões raciais no Brasil

A nobilíssima idéia de combater o racismo no Brasil, uma prática detestável que ficou sufocada por anos a fio sob o mito da democracia racial, acabou produzindo uma das peças mais desastrosas – e racistas – de que se tem notícia. É o Estatuto da Igualdade Racial, que tem 85 artigos e já foi aprovado pelo Senado, em novembro do ano passado, sem passar sequer pelo crivo do plenário. Desde então, o estatuto está na Câmara.  Até  agora,  no  entanto,

 

Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem
Um protesto em defesa de cotas na universidade:
como propaganda funciona. E só

ninguém se deu ao trabalho de examiná-lo a fundo. Quem o fizer verá que se trata de um conjunto de artigos que legalizam a discriminação racial, trazendo em seu bojo tudo o que isso representa: preconceito, retrocesso e ilegalidade. O estatuto, tal como está, fere a Constituição, pois trata brancos e negros de forma desigual e ainda faz uma enorme contribuição para incitar o ódio racial.

O Estatuto da Igualdade Racial começa com uma monstruosidade: exige que os brasileiros assumam uma "raça" – o critério é o declaratório –, pois obriga que todos os documentos oficiais contenham a informação sobre a cor do cidadão: prontuários médicos, certidão de nascimento, censo escolar, pedidos de aposentadoria. A medida força a criação de uma divisão racial na população brasileira, excrescência que tem origem no racismo científico do fim do século XIX e resultou na noção de raças inferiores e superiores, servindo de inspiração para a criação do regime do apartheid na África do Sul e para o triunfo do racismo na Alemanha nazista. "O estatuto não contribui em nada para reduzir a discriminação, pelo contrário", afirma o geógrafo Demétrio Magnoli. "A nação, como um contrato entre cidadãos iguais em direitos, será substituída por uma confederação de 'raças'. Evidentemente estão sendo plantadas as sementes dos conflitos étnicos no futuro."  

O Estatuto da Igualdade Racial talvez seja o documento mais estapafúrdio desde o início do século passado, quando a elite branca da África do Sul começou a produzir as leis do apartheid. A pretexto de promover a igualdade racial, o estatuto é racista. Legaliza a discriminação, desde que ela beneficie o negro, reservando-lhe cotas do serviço público aos programas e propagandas na televisão (veja no quadro alguns absurdos previstos na proposta). Nem nos Estados Unidos, terra das ações afirmativas, as cotas raciais são aceitas. Desde 1978, por decisão da Suprema Corte, elas são proibidas, seja em universidades, empregos públicos, seja em programas televisivos. Permite-se que haja políticas de incentivo à promoção dos negros, mas nada parecido com cotas raciais, pelo fato elementar de que são, obviamente, inconstitucionais. "O que nós queremos com o estatuto é mostrar que podemos ser normais", diz o relator do projeto na Câmara, deputado Reginaldo Germano, do PP da Bahia. Ninguém questiona que o Brasil precisa lutar contra a discriminação racial e que o combate ao racismo exige políticas de promoção dos negros. A forma do combate é que é um equívoco completo. "Não há nenhuma virtude nesse projeto como ele está", diz a professora Célia Maria Marinho de Azevedo, da Unicamp, especialista no estudo do racismo no Brasil. "Quem discrimina de forma positiva para uns discrimina de forma negativa para outros, e com isso o problema do racismo é infindável."

 

 

 
 

Foto: Dida Sampaio/AE

 

 

Fonte: Rev. Veja, Leandra Peres, ed. 1955, 10/05/2006


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