Ciência
Loucos de amor 

 

Estudo americano identifica as áreas ativadas no cérebro de pessoas apaixonadas. E elas estão longe do centro da razão


Em vários momentos da história, o amor foi considerado uma ameaça à sobrevivência da espécie humana. Do fim do Renascimento ao século XVIII, era tido como doença – uma infecção contraída pelos olhos, que se instalava no coração, escravizava o cérebro e poderia até levar à morte. "O amor, tendo abusado dos olhos como verdadeiros espiões e porteiros da alma, deixa-se deslizar docemente por um par de canais e caminha insensivelmente pelas veias até o fígado, imprime subitamente um desejo ardente da coisa que é realmente ou parece amável, acende a concupiscência e por este desejo começa toda a sedição (...) Vai diretamente ganhar a cidadela do coração, o qual, estando uma vez assegurado como o mais forte lugar, ataca depois tão vivamente a razão e todas as potências nobres do cérebro que ela se sujeita e se torna totalmente escrava", lê-se num documento médico da época. Contra esse terrível mal, recomendavam-se muita alface, banhos gelados e ungüentos para massagear os órgãos genitais. Na semana passada, graças a máquinas capazes de flagrar o funcionamento cerebral, um grupo de pesquisadores americanos mostrou que o amor apaixonado ativa as áreas mais primitivas do cérebro, aquelas encontradas até em répteis. Ou seja, apaixonar-se é mesmo um dos mais irracionais comportamentos humanos – e contra isso não há alface, banho gelado nem ungüento que dêem jeito.

O mapeamento dessas áreas foi obtido a partir do cruzamento das imagens cerebrais de dezessete jovens, em dois momentos. No primeiro, eles observavam a foto da pessoa amada; no segundo, as imagens de um conhecido qualquer. Publicado na revista científica The Journal of Neurophysiology, da Sociedade Americana de Fisiologia, o trabalho conclui que as sensações intensas relacionadas ao amor se alojam no centro do cérebro, especificamente no núcleo caudal e na área tegmentar ventral (veja quadro abaixo). Tais regiões são responsáveis também pelo sistema de recompensa cerebral. Elas são ativadas tanto pelo prazer que se sente quando se mata a fome ou a sede, quanto pela satisfação experimentada por um dependente químico ao consumir drogas.

O amor apaixonado faz o coração bater mais rápido, a pressão arterial subir, as pupilas dilatar, a temperatura variar bruscamente, o estômago apertar e as mãos tremer. Por uma questão de preservação da espécie, portanto, o ser humano não foi programado para viver constantemente apaixonado. "Se a paixão durasse muito tempo, o organismo entraria em colapso", diz o neurocientista Renato Sabbatini, professor da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo. Estima-se que a paixão seja um estado com data de validade não superior a 36 meses. Depois disso... Bem, ou você se casou com o objeto de sua extinta paixão, ou partiu para outros 36 meses de pura adrenalina. Claro, há quem tente conciliar as duas coisas – o que pode ser perigosíssimo. Não para a preservação da espécie, evidentemente, mas para a do dono (ou dona) de tão incontroláveis núcleo caudal e área tegmentar ventral.

Fonte: Rev. Veja, Giuliana Bergamo, edição nº 1908, 8/6/05.


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