Luiz Inácio FAUSTO da Silva?
Paulo Nogueira Batista Jr*

 

Nas circunstâncias da política brasileira, o acordo entre Lula e os donos do poder, feito nas eleições de 2002, não tem a irreversibilidade dos pactos com o demônio. Não que o diabo não seja tão feio como o pintam. É que a disputa presidencial de 2006 é outra partida e outra negociação.

Tudo vaza. Em jantar recente com alguns governadores e ministros, o presidente da República teria se queixado das pressões que vem sofrendo. E desabafou: “Não vou vender a alma ao diabo para me reeleger”. Foi o que publicou a Folha de S. Paulo, com base em relato de um dos comensais. No dia seguinte, um dos principais colunistas do jornal provocou: “Já vendeu, Lula, já vendeu”.

O desabafo do presidente é sintomático. A observação do jornalista pode parecer válida, mas perde o essencial.

A essa altura, parece claro que houve um acordo em 2002 entre o candidato que sairia vitorioso e os donos do poder, para usar a expressão de Raymundo Faoro. Esse acordo consistia essencialmente no seguinte: os donos do poder (os principais bancos, interesses financeiros estrangeiros, proprietários dos meios de comunicação de massa, grandes empresas não-financeiras etc.) não oporiam resistência cerrada à eleição de Lula. Este, por sua vez, assumiria o compromisso de manter intocadas as políticas macroeconômicas e financeiras.

Esclareço, leitor, que essa é apenas uma interpretação, nada mais do que isso. Não tenho informações de bastidor – nem indiretas. Mas a interpretação não é plausível? Uma negociação desse tipo só é possível porque existe uma grande concentração do poder real em poucas mãos. Os setores hegemônicos, entre os quais cabe destacar o establishment financeiro e os grupos de mídia, têm as suas divergências de interesse e percepção. Os donos do poder nunca constituem um bloco perfeitamente homogêneo. Mesmo assim, o número de atores relevantes é pequeno e eles conseguem se coordenar minimamente em questões decisivas. Em determinadas circunstâncias, eleições presidenciais podem converter-se em uma gigantesca encenação.

O acordo de 2002, tudo indica, está sendo cumprido à risca. O fiador é o ministro da Fazenda, obviamente. Quase todos os postos-chave no ministério da Fazenda e no Banco Central foram preenchidos, desde o início do governo, por técnicos e financistas perfeitamente enquadrados no regime anterior. Com poucas exceções, todos eles poderiam ter sido nomeados (alguns inclusive foram) para funções de destaque nos governos Collor e FHC. As poucas substituições ocorridas até agora obedeceram rigorosamente ao mesmo figurino. No que diz respeito a esse aspecto crucial do governo – a área econômico-financeira – as promessas de mudança feitas na campanha foram sumariamente revogadas no “tapetão”.

Esse teria sido, então, o pacto faustiano. Com uma diferença importante, porém. Nas circunstâncias da política brasileira, “a venda” de 2002 não tem a irreversibilidade dos pactos com o demônio. Não que o diabo não seja tão feio como o pintam. É que a eleição de 2006 é outra partida e outra negociação.  

Essa partida já começou. Até poucos meses, Lula parecia imbatível em 2006. Estourou então a crise política. Iniciou-se bombardeio pesado contra o governo no Congresso e nos meios de comunicação. O governo entrou no seu “inferno astral”.  

Motivos para criticar o governo não faltam, é claro. Mas grande parte das críticas nada tem de inocente. Estão inseridas em um movimento cujo objetivo é, no mínimo, trazer o presidente para a mesa de negociação.  

Lula não é o candidato preferido dos donos do poder para 2006, como não foi em eleições passadas. A preferência por algum tucano é nítida. Mas não apareceram até agora nomes convincentes. Para eles, a carta mais atraente seria Fernando Henrique Cardoso, que derrotou Lula em 1994 e 1998. Mas FHC está bastante desgastado por seu desempenho bisonho nos dois mandatos que já teve.  

Assim, a reeleição de Lula pode se revelar inevitável. Pretende-se então refazer o acordo de 2002. O que se buscará, no mínimo, é a garantia de que o status quo será preservado na área econômico-financeira.

Se o presidente vacilar, vão pedir mais.


* Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da FGV-EAESP.


Fonte: Ag. Carta Maior, 02/06/2005.


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