Ciência
A máquina do fim do mundo

 

Aparelho feito para estudar a origem do universo pode criar buracos negros na Terra
 

 

Valerio Mezzanotti/The New York Times
O acelerador de partículas LHC: buracos negros microscópicos.

 

A entrada em funcionamento do maior acelerador de partículas do mundo, prevista para o segundo semestre deste ano, é vista pelos cientistas como uma oportunidade única para estudar a origem do universo. O acelerador, batizado de Large Hadron Collider (LHC), cuja construção terminou recentemente na fronteira entre a França e a Suíça, tem como missão promover choques entre partículas subatômicas, reproduzindo as condições existentes no cosmo um trilionésimo de segundo depois da eclosão do Big Bang. Há quem ache que essa máquina formidável pode representar um risco para o planeta. Há duas semanas, dois pesquisadores, o americano Walter Wagner e o espanhol Luis Sancho, entraram com uma ação na Justiça americana contra os cientistas do Cern, laboratório de física nuclear europeu responsável pela construção do LHC. A alegação é que, ao funcionar, o aparelho pode criar buracos negros, versões em miniatura dos colossais redemoinhos que se formam no espaço após o colapso de estrelas e que sugam toda a matéria a sua volta. Segundo Wagner e Sancho, os milhares de pequenos buracos negros que se formariam dentro do LHC poderiam se juntar em um só. O buraco negro resultante dessa fusão começaria a sugar a matéria a sua volta e a crescer, iniciando um processo em cadeia que acabaria por engolir a Terra. Os cientistas do Cern não descartam a possibilidade de buracos negros se formarem após as colisões de prótons dentro do LHC, mas afirmam que eles não teriam energia suficiente para se manter. Em frações de segundo se desintegrariam em partículas inofensivas. 

O Large Hadron Collider é um túnel monumental de 27 quilômetros de extensão que está a 100 metros de profundidade. Sua construção durou catorze anos e consumiu 8 bilhões de dólares. Dentro do túnel, trilhões de prótons serão acelerados a uma velocidade próxima à da luz. Ao colidirem, seis detectores vão analisar os detritos resultantes. Espera-se que o LHC responda a perguntas cruciais da cosmologia. Sabe-se que tudo o que se observa no universo corresponde a apenas 4% do que ele abriga. Do que serão feitos os outros 96%? Haverá outras dimensões ou outros tipos de partícula que não conseguimos enxergar? Um buraco negro que engoliria a Terra não é a única previsão apocalíptica feita por Wagner e Sancho no processo judicial movido contra o Cern. De acordo com a dupla, as colisões de prótons poderiam dar origem a partículas exóticas conhecidas como strangelets. Em tese, essas partículas são capazes de alterar a composição atômica da matéria a sua volta, replicando-se indefinidamente. O resultado, novamente, seria a destruição do planeta. Em sua defesa, os físicos do laboratório europeu dizem que raios cósmicos, com energia muito maior que a dos feixes de prótons usados no acelerador, colidem o tempo todo com a Lua há 4,5 bilhões de anos e o astro permanece intacto. "Mesmo que buracos negros microscópicos se formem no LHC, eles vão decair muito rapidamente", diz Oscar Eboli, professor de física da Universidade de São Paulo. 

O medo de que a ciência pode destruir o mundo é recorrente na civilização moderna. Antes dos primeiros testes com bombas de hidrogênio, nos anos 50, temia-se que a explosão desses artefatos iria incendiar os gases da atmosfera – o que, evidentemente, não aconteceu. Não faz muito tempo, um enorme coro de vozes se levantava contra as usinas nucleares, afirmando que elas envenenariam a Terra. Hoje, a energia nuclear é apontada como alternativa para mitigar os efeitos do aquecimento global. Disse a VEJA Robert Crease, professor de filosofia e história da ciência na Universidade Estadual de Nova York: "É muito difícil, até mesmo para cientistas treinados, entender os mecanismos envolvidos na colisão de partículas. Como o homem teme aquilo que não entende, não é raro encontrar gente que enxergue efeitos nocivos nas pesquisas com o LHC, mesmo nos dias de hoje."

 

Fonte: Rev. Veja, Rafael Corrêa, ed. 2055, 9/4/2008.
Com reportagem de Paula Neiva .


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