A morte da alma nacional (volume II)*
Márcia Denser**
 


 

As teorias de Milton Friedman deram a ele o Prêmio Nobel;
ao Chile, elas deram o general Pinochet.
– Eduardo Galeano,
Dias e noites de Amor e Guerra
, 1983.


Nada mais apropriado que retomar a série de A Morte da Alma Nacional (...) logo após o resultado das eleições municipais não só em Sampa como em várias cidades brasileiras, sem contar o fato de não estar sendo discutida em nível nacional (até no Congresso, semana passada, caiu a pauta, porque os conchavos locais estavam interessando mais e por razões da mais espúrias, do que o bem público, of course) a crise econômica internacional que decretou o final do Neoliberalismo, do Capitalismo Selvagem e do Pensamento Único até porque, fontes das mais seguras afirmam que a discussão está acontecendo, sim, mas entre “instâncias superiores e à revelia de qualquer questionamento do grande público” mas pela manutenção A QUALQUER CUSTO desse Capitalismo Selvagem que já se autodestruiu – e isto em nível nacional.                    

Mas não, a nossa grande mídia prefere dedicar seu tempo integral a “casos Eloás” – notícias que pela devida ordem de desimportância (ou espetacularização da bobagem) deveriam ser relegadas ao mero noticiário policial, isto é, ao lado da notícias esportivas, obituários, efemérides, etc.  

E vocês, loques, idiotas, vão continuar se COMOVENDO com estas questões de somenos? Enquanto os jornalões te distraem dos fatos principais? O que isto afeta a tua vida, para além dum mero voyeurismo de plantão? A minha não afeta de modo algum. Mas, e teu salário, e teu emprego, ou teu desemprego, os teus impostos, tuas tarifas bancárias, e a mensalidade do colégio dos teus filhos, e teu plano de saúde, e as tarifas escorchantes dos teus cartões de crédito, e os aumentos de luz, água, comida, e como vai o atendimento da NET e da TVA lá na tua casa? Jóia, em cima, baratinho? E os transportes, amizade, aliás, e a tua aposentadoria, como vai? Hein? Ficou vagamente por conta da Previdência Privada, doçura? Hein? Essa como você vai encarar? E se ela te der o cano daqui a três ou cinco anos – na mesma linha da “quebra dos bancos internacionais” – você vai reclamar com quem, queridinho? Com o bispo Edir Macedo, com o Padre Marcelo Rossi, com a bispa Sônia, com o São Serra, com o São Lula ou o São Barack Obama (que, se vencer, a essas alturas, tem grande chance de ser assassinado, de acordo com a boa e velha tradição ianque que – desde Lincoln até os Kennedy – mataram todos os presidentes que tentaram dar um jeito nessa merda, e isto significava fazer um pouquinho só, dar menos lucros aos ricos, isto é, distribuir um pouco de justiça social – não seria nenhuma revolução, baby, não se assuste, era só um “acordo de cavalheiros” – o que sempre foi interpretado como uma “declaração de guerra aos poderosos”, não é? Donde os crimes, etc.          
 

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Mas, olha gente, isso fica como um pequeno parêntese ao assunto que realmente nos interessa, ou seja, os relatos e pesquisas de Naomi Klein publicados no livro A Doutrina do Choque e que continuarei a relatar a vocês, e nem preciso fazer replay já que meu querido editor, o Edson Sardinha, já me linkou lá em cima, ok?            

Continuando na página 80: o Projeto Chile poderia ter terminado como uma simples nota de rodapé na história, mas algo aconteceu para tirar os garotos de Chicago da merda (que tal esse mix de piada com pleonasmo de reforço, queridinhos?): Richard Nixon se elegeu presidente dos Estados Unidos! E foi ele quem deu a chance aos garotos de Chicago de provar que sua utopia capitalista era mais do que uma teoria de fundo de quintal – uma tentativa de refazer um país a partir do zero! 

No Cone Sul, tanto para Nixon como para os garotos de Chicago, a Democracia tinha se tornado inóspita, quer dizer, um sério empecilho: assim, a ditadura era muito mais conveniente!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 

No Chile, quando Salvador Allende ganhou as eleições de 1970, Nixon deu ordem a Richard Helms da CIA “para fazer a economia gritar!” Embora Allende propusesse negociação de termos compensatórios justos para as empresas que estavam perdendo propriedades e investimentos, as multinacionais dos EUA temiam que isso fosse uma tendência que abrangeria toda a América Latina. Imagina. As companhias mineradoras haviam investido um bilhão de dólares na mineração de cobre chileno – de longe, a maior do mundo – mas já haviam levado para casa 7,2 bilhões! E consideravam-se an-te-ci-da-pa-men-te LESADAS! 

Assim as incorporadoras declararam guerra à administração Allende, tendo como líder do comitê a International Telephone and Telegraph Company (ITT) que possuía 70% da companhia telefônica chilena, prestes a ser nacionalizada. Purina, Bank of America e Pfizer Chemical também estavam no conchavo. O único objetivo das negociações era forçar Allende desistir das nacionalizações, “confrontando-o com ameaças de colapso econômico”. Pretendiam bloquear empréstimos ao Chile e levar bancos privados a fazerem o mesmo, idem bancos estrangeiros. Demorar pra comprar produtos chilenos, usar estoque de cobre norte-americano em vez de comprar do Chile, provocar escassez de dólares na economia chilena e por aí vai. 

Naturalmente, pra resumir, um senador democrata tentou interferir sobre isso, mas apesar dos anos de golpes sujos implacáveis dos ianques – ITT e CIA à frente – Allende continuava no poder em 1973. Oito milhões de dólares gastos clandestinamente com o objetivo de enfraquecê-lo foram inúteis. Então ficou claro que não bastava depô-lo, pois outro semelhante iria substituí-lo. Assim um plano mais radical foi elaborado. Havia duas “mudanças de regime” que os opositores de Allende analisavam de perto como possibilidades ou alternativas possíveis. Uma era no Brasil, e outra, na Indonésia. 

Antes, em 1962, o Brasil se moveu decisivamente com o presidente João Goulart, um nacionalista econômico comprometido com a reforma agrária, salários maiores e um plano audacioso para forçar as multinacionais a reinvestir um percentual de seus lucros na economia brasileira, em vez de remetê-los para fora do país e distribuí-los para acionistas em Nova York e Londres. 

Em 1964, quando a junta militar brasileira liderada pelo general Humberto Castello Branco e apoiada pelos Estados Unidos tomou o poder, os militares tinham um plano não só para eliminar os programas de João Goulart voltados para os mais pobres, mas também abrir amplamente o Brasil para os investimentos estrangeiros. A princípio, os generais brasileiros tentaram impor essa agenda de modo relativamente pacífico – não houve demonstrações públicas de brutalidade, nem prisões em massa. Embora posteriormente se tivesse descoberto que “subversivos” haviam sido brutalmente torturados, durante este período, o seu número era relativamente pequeno (e o Brasil muito grande) para extravasar os limites das prisões.  

Mas, em 1968, inúmeros cidadãos resolveram expressar suas inquietações quanto ao crescente empobrecimento do Brasil, o arrocho salarial, pelo que culpavam o programa da junta voltado para os empreendimentos econômicos privados, muitos formulados pelos garotos de Chicago. As ruas foram tomadas por passeatas contra o governo, lideradas por intelectuais, trabalhadores, artistas e estudantes. Percebendo o sério risco do regime e na tentativa desesperada de manter o poder, os militares mudaram radicalmente a tática: a democracia foi completamente eliminada, as liberdades civis suspensas, a tortura se tornou sistemática e, de acordo com a comissão posteriormente criada para investigar a verdade, “assassinatos praticados pelos militares tinham se tornado rotina”.
 

 

* Veja  A morte da alma nacional (volume 1)


** A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.
 


 

Fonte: Congresso em Foco, 30/10/2008.

 


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