Mudança na lei florestal pode prejudicar país

 

 

 

 

          

Relatório internacional alerta para perigo

As mudanças no Código Florestal que estão sendo propostas no Congresso podem afetar a competitividade das empresas brasileiras de base florestal e agrícola. Essa é uma das conclusões do segundo relatório de Pegada Florestal (Forest Footprint Disclosure, em inglês), que foi divulgado na quinta-feira (27/1), em Londres.

O estudo é voltado a investidores internacionais e mostra como os setores que impactam as florestas (como pecuária, madeira, celulose e papel, biocombustíveis, entre outros) estão conduzindo suas atividades e gerenciando os impactos sobre as áreas verdes. A Forest Footprint Disclosure é apoiada pelas Nações Unidas, pelo governo britânico e pela Bolsa de Londres.

Entre as companhias brasileiras que responderam ao estudo estão os frigoríficos Independência, Marfrig e JBS, a Fibria, de papel e celulose, o Grupo André Maggi, de agropecuária, e a Natura, de cosméticos. Na edição anterior do estudo, de 2009, apenas Independência e Fibria haviam prestado contas.

"É importante que as empresas brasileiras prestem contas em relação aos seus impactos às florestas. Mas as ameaças ao Código Florestal não garantem que os avanços feitos pelas empresas brasileiras serão mantidos", afirma Tracey Campbell, diretora do Forest Footprint Disclosure.

Tracey dedica um capítulo inteiro do relatório à revisão do Código Florestal e descreve o relator da proposta de alteração da legislação, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), como um "político que concebe a proteção das florestas como um plano desenhado pelos países desenvolvidos para restringir o progresso econômico do Brasil".

Segundo ela, a expansão da fronteira agrícola rumo às áreas de florestas pode afetar o mercado mundial de produtos agrícolas, derrubando os preços, o que afetaria a rentabilidade dos próprios produtores brasileiros.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo, Andrea Vialli, 28/1/11.


 

Licença para confundir
Miriam Leitão*

 

 

"Especialistas em direito ambiental dizem que existem mesmo só aquelas três formas de licença que se conhece: prévia, de instalação e de operação. Essa figura 'específica' e 'parcial' não existe na legislação"
 

No último absurdo de Belo Monte, um presidente interino do Ibama deu uma licença parcial que vai provocar um dano permanente, a "supressão da vegetação". O Ministério Público entrou ontem com uma ação contra a licença. O BNDES emprestou R$ 1,1 bilhão ao grupo, mas garante ao MPF que exigiu que a empresa nada fizesse no local antes da licença de instalação total.

O Ministério Público entrou com uma ação ontem contra a concessão da licença de instalação parcial. Na comunicação do Ibama, eles definiram essa concessão com o curioso nome de "licença específica" para os "sítios" de Belo Monte e Pimentel. Na lei, o que existe é licença prévia, que é um primeiro sinal ao empreendedor, entendido como aprovação do Estudo de Impacto Ambiental. No caso de Belo Monte, essa primeira licença foi concedida, mas com 40 exigências. Em seguida, cumpridas as exigências, é dada a licença de instalação.

O BNDES concedeu tempos atrás um empréstimo ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia, que fará a hidrelétrica de Belo Monte, exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no "sítio". Só que as árvores do "sítio" começarão a ser derrubadas a partir dessa licença parcial.

O texto do documento do BNDES ao Ministério Público, que tenho em mãos, é claro. Diz que na minuta do contrato "figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a Licença de Instalação do empreendimento como um todo."

O presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, me disse ontem que não foi concedida a licença de instalação do empreendimento.

- Essa é uma licença apenas para fazer trabalhos específicos. Instalar o canteiro de obras, escritório, terraplanagem, alojamentos de trabalhadores.

Na conversa, ele várias vezes falou da licença definitiva no condicional: "se" ela for concedida; "caso ela venha a ser aprovada." Eu perguntei a ele o que aconteceria com a vegetação suprimida caso a licença não fosse concedida; como seria possível pôr de volta no mesmo lugar uma árvore centenária que pode ser derrubada a partir de agora?

- Eles terão que replantar tudo. Aquelas áreas para as quais foi concedida licença de supressão da vegetação estão alteradas. Não estamos falando de áreas tão intactas assim. Além do mais, é uma área pequena – disse Américo Tunes.

O terreno de 238 hectares tem até 64 hectares em área de preservação permanente. Pode não ser grande, mas deu mais ambiguidade ao processo. Pode-se instalar um canteiro de obras de uma obra que pode não ser feita. É permitido desmatar até área de preservação permanente, apesar de haver incerteza sobre a licença. O BNDES concedeu um adiantamento de mais de um bilhão de reais desde que não se mexa no "sitio", e o "sítio" ganha o direito de ser mexido apesar de não ter ainda licença de instalação do empreendimento.

Américo Tunes alega que é comum essa concessão em etapas da licença de instalação. Ninguém acha que isso é comum. Especialistas em direito ambiental dizem que existem mesmo só aquelas três formas de licença que se conhece: prévia, de instalação e de operação. Essa figura "específica" e "parcial" não existe na legislação.

O presidente do Ibama garante que o que ele concedeu não permite o início das obras:

- Só posso conceder essa licença depois que a empresa cumprir as 40 condicionantes que foram exigidas na licença prévia. Essa é uma obrigatoriedade legal que temos que respeitar. Temos consciência da nossa responsabilidade. Eu te asseguro que se elas não forem cumpridas, a licença não será concedida. Neste caso, a empresa terá que fazer a desinstalação do que foi autorizado agora e recuperar a área.

É o samba da licença doida. Ela é e não é, pode-se desmatar uma área, incluindo-se APP, pode-se fazer a terraplanagem de dois "sítios", montar centro de alojamentos, lavanderia, almoxarifado, oficina de manutenção, borracharia, lubrificação, centro de conveniência, centro de atendimento ao trabalhador, portaria, central de carpintaria, canteiro industrial pioneiro, instalações provisórias de britagem e produção de concreto, sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário, 52 kms de estradas, sendo 42 kms de ampliação e 10 kms de novos trechos, áreas de estoque de solo e de madeira.

Tudo isso acima está escrito no documento oficial do Ibama, cujo presidente diz que a licença de instalação do empreendimento não tem data para ser concedida, depende dos técnicos, pode não sair, e, se não forem cumpridas as 40 condicionantes, não será concedida.

O Ministério Público perguntou ao BNDES quanto custa a obra e quanta energia ela vai produzir. O governo costuma dizer que são 11 mil MW e a um custo de R$ 19 bilhões. O banco respondeu: "a capacidade de geração estabelecida no contrato de concessão com a Aneel é de 4.571 MW médios de energia assegurada." O valor de R$ 19 bi é do empréstimo pedido até agora. Segundo o BNDES, o custo previsto de Belo Monte é de R$ 25,8 bilhões e o banco pode financiar até R$ 24,7 bi. Ou seja, o BNDES poderia emprestar até 95,7% do total. Uma concentração de risco inaceitável na prática mais elementar da prudência bancária.

Tudo está sendo atropelado: técnicos do Ibama, meio ambiente, limites fiscais, precaução técnica, termos dos contratos com o BNDES, princípios jurídicos, normas democráticas. Na democracia, o administrador público convence, não passa o trator sobre controvérsias tão agudas. 

* Miriam Leitão é jornalista especializada em economia.

 

Fonte: O Globo, "Panorama Econômico", 28/1/11

 


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