Com o mundo nas costas
Alex Botsaris*
 


Na mitologia grega, Atlas é um gigante condenado por Zeus, senhor supremo dos deuses e dos homens, a carregar o mundo nas costas. Atlas também é o nome da primeira vértebra da coluna cervical, a que sus- tenta todo o peso da cabeça. Não poderia haver imagem melhor para descrever o estresse contemporâneo. De acordo com Alex Botsaris, no Brasil, o Complexo de Atlas atinge nada menos que 40 milhões de pessoas prejudicando o desempenho profissional de pelo menos 15 milhões delas. Essa massa estressada sofre para dar conta de todas as suas responsabilidades, sem deixar o mundo desmoronar. Os desafios podem ser modernos, mas a reação é das mais primitivas.

Quem sofre do Complexo de Atlas transfere todas as preocupações e inseguranças para a musculatura do pescoço, exatamente como faziam nossos ancestrais para se proteger de adversários, que cravavam suas mandíbulas nas goelas desprevenidas. Hoje, não precisamos desse reforço, já que os ataques dificilmente têm o pescoço como alvo. Mesmo assim, continuamos a tensionar essa região sempre que nos sentimos ameaçados. Essa reação de estresse continuada desgasta a coluna cer vical e lombar (na altura dos quadris), provocando dores crônicas e doenças como artrose.Como se não bastasse, o aumento da tensão cervical se estende a musculaturas vizinhas, sobrecarregando articulações, ligamentos e tendões. A maior conseqüência é o trincamento dos dentes, conhecido como bruxismo, que vem se tornando cada vez mais freqüente. Nos últimos 30 anos simplesmente dobrou o número de casos, como mostra Botsaris. Tem mais: sabe aquela dor de cabeça que insiste em roubar seu sossego? Também pode ser conseqüência do Complexo de Atlas. A tensão na coluna cervical e na mastigação pode se estender pela musculatura craniana, provocando dores intensas. Como se vê, carregar o mundo nas costas pode ter um preço alto. E muitas vezes não leva a nada. Quando Atlas morreu, o mundo continuou exatamente no mesmo lugar, sem nenhum suporte.

Entre a razão e a emoção

Pense em três irmãs horrorosas, com cobras no lugar dos cabelos, bocas enormes, dentes afiados e poderes imensuráveis... Eram as Górgonas – Medusa, Euríale e Esteno - que impediam o acesso dos humanos ao Templo de Apolo, deus da beleza e da harmonia. Medusa transformava os invasores em pedra, enquanto suas duas irmãs lançavam flechas com veneno mortal. Na sociedade contemporânea, as três representam o estresse psicossocial, causado pela impossibilidade de conciliar os instintos que herdamos de nossos antepassados com as regras e os valores da sociedade civilizada. A barreira, aqui, não são três irmãs malignas, mas nossos próprios pensamentos. Esse conflito entre emoção e razão, entre ideal e realidade leva à fadiga mental, causando problemas como frigidez, síndrome do pânico e, o que é pior, depressão, que Botsaris chama de Síndrome de Plutão, o deus do inferno. Engolindo o sofrimento - Irmão mais velho de Atlas, Prometeu roubou o fogo dos deuses e o entregou aos homens, para que eles pudessem sobreviver a um inverno rigoroso provocado por Zeus. Como punião, foi acorrentado a um rochedo, enquanto um abutre comia seu fígado aos poucos. A agonia deveria durar toda a eternidade, pois o fígado de Prometeu renascia assim que o abutre terminava de comê-lo. Hércules o libertou do suplício. Mas aí já era tarde demais: Prometeu morreu assim que foi solto. A tragédia se repete diariamente. No lugar de Prometeu, milhões de homens e mulheres estressados.

No lugar do abutre, suas próprias emoções. Os alvos da Síndrome de Prometeu são pessoas que “engolem” suas angústias, desviando para o interior do organismo os estímulos do estresse. Como resposta, são liberadas substâncias que preparam o corpo para um esforço maior do que o necessário e terminam bagunçando o funcionamento dos órgãos. No coração, por exemplo, esse processo pode provocar o aumento da pressão arterial. Já o fígado tende a formar mais gorduras, que se acumulam no sangue. Essas e outras reações levam ao surgimento de problemas como obesidade, impotência, acidente vascular cerebral, insuficiência renal e cardíaca.

* Alex Botsaris, 47, médico,  é autor do livro Sem Anestesia publicado pela Objetiva em 2001. Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializou-se em doenças infecciosas pelo Hospital Claude Bernard, de Paris, e em acupuntura e medicina chinesa pela Sociedade Internacional de Acupuntura, na França, e pela Universidade de Pequim, na China.

Fonte: Revista Você S/A – Edição nº 66 - 12/2003 (Artigo sobre o livro O Complexo de Atlas – E Outras Síndromes do Estresse Contemporâneo, Ed. Objetiva)


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