Gilmar Mendes — normal, absolutamente normal
Bajonas Teixeira de Brito Junior*

 

 

A situação criada no Judiciário com as últimas ações do presidente do Supremo preocupam, sobretudo porque aparecem como uma Hidra, dadas suas muitas cabeças ou, mais precisamente, seus muitos habeas corpus. Digo isso porque alguns acontecimentos em torno do ministro têm sido objeto de murmúrios de desagrado, quando não de gritos mesmo de indignação. No caso dos 130 juízes da 3ª Região, foi um manifesto de indignação e clara discordância, como eles próprios afirmam, frente à atitude de Gilmar Mendes. Dizem os signatários, em defesa do juiz federal Fausto de Sanctis, que “não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico”. 

Gilmar Mendes, como noticiou-se no sábado, dia 12, disse considerar "absolutamente normal" a reação dos juízes, e que de sua parte teria feito apenas um registro ao notificar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já o professor de direito José Ribas Vieira, por quem tive a honra de ser orientado em minha monografia de conclusão de curso na Universidade Federal Fluminense (UFF), discorda. “Tecnicamente, o registro feito à corregedoria do CNJ equivale a um pedido de investigação”, afirmou em entrevista ao Estadão. E certamente ele tem razão, e tem razão também o juiz De Sanctis ao sentir-se intimidado. 

Mas tem mais. Não faz muito tempo, o presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP, Fábio Konder Comparato, escrevia estas palavras no Painel do Leitor da Folha de S. Paulo: 

"Este jornal estampou, em sua edição de 8/6, anúncio da revista Serafina contendo entrevista com o atual ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal. Sua Excelência, fotografado em trajes domésticos e em postura descontraída, revela que manteve relações de amizade com a esposa durante 30 anos antes do casamento. É consternante ter que lembrar, nos dias de hoje, que a proteção do recato da vida privada constitui preceito ético elementar dos agentes públicos, notadamente dos magistrados." 

Que resposta Gilmar Mendes daria a essa indignação e a esse consternamento? Creio que simplesmente a de sempre: “Absolutamente normal”. Tiro essa conclusão a partir de um outro assunto que, como uma peça de quebra-cabeça (de Hidras), parece encaixar-se perfeitamente no figurino. O caso da demarcação de forma contínua da reserva Raposa Serra do Sol. Parecendo se perfilar ao lado dos chamados “produtores rurais” da região, isto é, dos invasores das terras indígenas, afirmou o presidente do STF que a demarcação de grandes áreas de forma contínua pode, em tese, “causar problemas”. 

Certamente, muitos se perguntaram se, em tese, dada a tensão na região e a violência dos invasores contra a população indígena, não seria o caso de o presidente manter-se em silêncio. Mas parece que sua intenção foi a melhor possível, tanto que falou em “julgamento técnico” e em “desideologizar o debate”, só não especificando se em tese ou fora de tese. De todo modo, não é só a sua afirmação, de que manter a demarcação contínua pode trazer problemas, que parece prenunciar uma inclinação aos interesses dos latifundiários. Não. As coisas não terminam ai. Questionado sobre as conseqüências de uma possível decisão do STF contra a demarcação contínua, afirmou, segundo os jornais, que "o tribunal, por ser uma corte suprema, tem que lidar com as conseqüências dos seus julgados. Nós lidamos com isso com grande tranqüilidade e sabemos lidar com os efeitos políticos das nossas decisões". Portanto, nesse caso também, tudo muito tranqüilo. Absolutamente normal. 

Por fim, recordo aqui o caso, lembrado ontem (14 de julho) em artigo de Mauro Santayana no Jornal do Brasil: o professor Dalmo Dallari, entre as razões que invocou contra a nomeação de Gilmar Mendes para o STF, arrolou o fato de que “a Advocacia Geral da União, cujo titular era Gilmar, havia pago R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual o atual presidente do STF era um dos proprietários, a fim de que seus subordinados ali fizessem cursos”. Gilmar Mendes garante tratar-se de uma instituição científica. Normal. Absolutamente normal. 

Mas, indo lá e dando uma olhada nos convênios institucionais do IDP, espantei-me ao não encontrar universidades e institutos de renome, mas apenas o Ministério da Justiça, o Tribunal Regional do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral, diversas associações de funcionários públicos etc. Caso existam, que motivo teria o instituto para ocultar seus convênios institucionais com reconhecidos centros de excelência, deixando à mostra apenas seus convênios com instituições públicas e associações civis? 

Pergunto-me aqui, por fim, o que pensaria Gilmar Mendes se um grupo de cidadãos preocupados com a defesa da democracia e do Estado de Direito, como Fábio Konder Comparato, e com a qualidade dos juizes do STF, como Dalmo Dallari, resolvessem pedir o seu impeachment através de um manifesto enviado ao Supremo Tribunal Federal, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Senado Federal e à Presidência da República. De fato, não sei o que ele diria, mas eu, que já assinei a petição, responderia simplesmente o seguinte: normal, absolutamente normal.

 

* Bajonas Teixeira de Brito Junior é professor universitário e doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la classification raciale au Brésil (Cf. na internet), e do livro Lógica do disparate.

 

Fonte: Congresso em Foco, 15/7/2008.

 


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