Nota da Diretoria do ANDES-SN sobre a 2ª versão do Anteprojeto de Lei, de 30 de maio de 2005, que regulamenta o ensino superior.

 

No mesmo dia em que a área econômica anunciou o maior superávit primário da história, equivalente a 7,26% do PIB, o MEC apresentou por vídeo-conferência a nova versão do Anteprojeto que “Estabelece Normas Gerais da Educação Superior” sem a previsão de novos recursos para as instituições públicas de ensino. Apesar do enorme aparato da mídia do Ministério da Educação, constituído por um grande número de assessores que seguramente enviaram centenas de releases para os diversos meios de comunicação, os principais jornais on line do dia não repercutiram o anúncio. Desinteresse pela educação, mas, também, faro jornalístico: as corajosas mudanças foram, no geral, recuos em relação aos itens da versão anterior que regulavam debilmente as mantenedoras. É interessante a mudança na argumentação do Ministro e de seu Secretário executivo: após sustentarem que as críticas dos empresários eram a prova irrefutável de que o anteprojeto de dezembro impunha um rigoroso controle social sobre as instituições privadas, reconhecem que, de fato, os empresários tinham razão. A pergunta óbvia é: como ficam os seus aliados que compraram o inconsistente discurso do MEC?

Confirmando as análises anteriores do ANDES-SN, após fazer alguma pressão, o setor privado levou todas. As suas mantenedoras estão inteiramente livres de regulamentação. Nos termos de Fernando Haddad, Secretário executivo do MEC, “o setor privado reclamou com razão” (O Globo, 31/5) e, assim, toda a seção I do capítulo 3 (Das mantedoras) da versão de dezembro simplesmente desapareceu. Na nova versão do texto, foram excluídas a criação dos conselhos administrativos e a necessidade de eleição direta de dirigentes das universidades e dos centros universitários particulares. Esses conselhos, que seriam responsáveis pela parte administrativa e acadêmica, teriam no máximo 20% de representantes das mantenedoras. Agora, volta a reinar a livre iniciativa sem restrições ou obstáculos aos negócios!

As condições para a criação e transformação de IES privadas em universidades continuam generosas. Se a instituição optar por ser universidade especializada (ou tecnológica), a conquista do status de universidade será banal. Embora preveja 25% ou 12% de doutores, conforme o caso (universidade ou universidade especializada), o prazo para cumprir essa meta é amplo o suficiente para alcançar a meta sem investimentos bruscos: 8 anos! Infelizmente, centenas de doutores continuarão perdendo os seus empregos por muitos anos. Como os concursos para as instituições públicas continuam raquíticos, o quadro é desalentador.

Quando os Estados Unidos (e Austrália, Inglaterra e Japão) reclamaram a inclusão da educação no Acordo Geral de Comércio de Serviços (AGCS) da OMC, indicaram que o principal filão é o comércio transfronteiriço que poderá ser conquistado por meio da educação a distância. Assim, o primeiro obstáculo a remover, conforme esses países, é a proibição, em muitos estados nacionais, da oferta de graduação e pós-graduação a distância. Quando o nosso País admite a graduação e a pós-graduação por meio da educação a distância, fica evidente a sua submissão a interesses de organismos internacionais. Junto com a abertura do setor educacional ao capital estrangeiro e a compreensão de que a educação é um abstrato bem público (não importando se ofertado pelo Estado ou pela iniciativa privada) quase toda a agenda da OMC está sendo cumprida, mesmo sem a assinatura do AGCS. 

A nova versão amplia as prerrogativas das instituições privadas, permitindo-lhes o reconhecimento dos cursos de pós-graduação feitos no exterior que poderão ser credenciados por universidades privadas que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior. A abertura dos negócios educacionais aos investidores estrangeiros continua prevista no Anteprojeto (Art. 13): “Pelo menos 70% do capital total e do capital votante das entidades mantenedoras com fins lucrativos deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados”. Não está muito claro se o investimento estrangeiro é livre nas demais modalidades de instituições (comunitárias, filantrópicas e confessionais), como chegou a sugerir o Ministro da educação em entrevista, ou se somente as empresariais poderão fazer associações. De todo modo, permanece válida a avaliação do ANDES-SN de que a barreira de 30% para o capital estrangeiro poderá ser facilmente derrubada no parlamento. O repasse de verbas públicas para as instituições privadas comunitárias está previsto de modo completamente aberto (Art. 14: incentivo às instituições comunitárias inclusive com apoio de verbas públicas específicas). Cumpre registrar que as instituições comunitárias podem ser confessionais ou filantrópicas. Os empresários que apostaram nos centros universitários também têm motivos para comemorar. A nova versão institucionaliza essas exóticas instituições de modo definitivo e confere-lhes amplas prerrogativas de autonomia.

A nova versão foi mais cuidadosa ao associar o fazer acadêmico ao mercado. O texto é mais sutil, evitando uma associação mecânica e linear dos fins da universidade ao mercado e ao entorno local. Contudo, um exame mais de perto revela enormes retrocessos como a institucionalização da pós-graduação estrito senso instrumental, por exemplo. De fato, o art.6º admite mestrados e doutorados profissionais, para júbilo do mercado educacional. Mais uma concessão à mercantilização, junto com os  cursos a distância e os cursos tecnológicos de curta duração (2 anos).

As reivindicações do ANDES-SN e da ANDIFES, no que se refere ao financiamento, foram completamente desconsideradas. A rigor, o financiamento das instituições federais encolheu em relação à versão anterior de dezembro de 2004, que implicitamente reconhecia que a subvinculação (75% dos 18% constitucionais) iria reduzir as verbas atualmente disponíveis e, por isso, continha a salvaguarda de que o orçamento nominal (não corrigido) não poderia ser inferior ao do ano imediatamente anterior. Na versão atual, não apenas essa já débil salvaguarda desaparece (mais uma vitória da área econômica), como as instituições federais terão de retirar 5% das parcas verbas de outros custeios para assistência estudantil.

Ainda mais preocupante, porque envolve uma questão de ética, é o fato de o governo submeter o financiamento da educação superior pública federal às vicissitudes das Loterias Federais existentes. (Art. 63)

As instituições públicas federais sem um novo padrão de financiamento terão de fazer o milagre da multiplicação das vagas, inclusive ampliando corretamente as vagas noturnas para pelo menos 1/3 do total, um porcentual já próximo ao existente atualmente, mas que está concentrado em alguns poucos cursos. Nesse contexto, insere-se a regulamentação da EAD e há o retorno triunfal das fundações de apoio privadas.

A ausência de um novo padrão de financiamento para as instituições de ensino superior públicas é determinada pela política econômica que limita gastos sociais e revela a desconsideração do MEC a propostas vindas de diferentes entidades em relação à sustentação das IFES. Dessa forma, o MEC divide a responsabilidade direta com o colegiado de dirigentes das IFES na distribuição dos recursos públicos que serão insuficientes em relação ao padrão de financiamento previsto.

As políticas de quotas étnicas foram relativizadas, propiciando maior autonomia das instituições para que as ações afirmativas sejam implementadas, como quer o ANDES-SN; contudo, seguindo a tática de fatiamento da “reforma”, o MEC patrocina o Projeto de Lei nº 3.627/04, que tramita no parlamento em regime de urgência, que colide com o suposto respeito à autonomia universitária. A consideração ao preceito da autonomia, no caso, é apenas aparente.

No que se refere à democratização da gestão, o Anteprojeto impõe um retrocesso na prática de voto paritário estabelecida na maior parte das IFES, exigindo a prevalência majoritária do voto docente, e suprime a escolha de pelo menos um dirigente nas IPES por meio de eleição direta. A reeleição dos reitores não será permitida, porém os seus mandatos serão de cinco anos.

Algumas questões requerem exame mais detido. Apenas para pontuar. Aparentemente as procuradorias serão definidas a partir da indicação da instituição e referendadas pela AGU. Os recursos para os aposentados não integram o montante de 75% dos 18%, não está claro se de fato estarão inseridos na folha do MEC e, muito menos, se os aposentados terão seus direitos garantidos. A contra-reforma da Previdência precisa ser considerada no exame da questão.

Quanto à Carreira, o Anteprojeto estabelece que o Poder Executivo encaminhará em dois anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano imediatamente subseqüente ao da publicação da lei, projeto de lei instituindo novo plano de carreira do magistério superior das instituições federais de educação superior. Aos incautos, cautela: a nova carreira pode ser por instituição, algo explicitamente admitido no Anteprojeto. O único ponto comum previsto para as carreiras específicas no Anteprojeto diz respeito tão-somente ao piso salarial. Fica evidente a subordinação da carreira à regulamentação do ensino superior.

Finalmente, uma questão crucial: a democracia. Não bastasse as lições advindas da tentativa de sufocamento da CPI dos correios e da bravata autoritária da ameaça de expulsão dos parlamentares que assinaram o pedido da CPI, o governo continua adotando um conceito de democracia inspirado nas cartilhas do diamat estalinista: discutirá o projeto apenas com os que concordam com os seus termos. Os demais são inimigos que devem ser silenciados. Com a palavra o ministro:

“Com novas contribuições, que certamente nascerão do debate, o Ministério da Educação irá apresentar a terceira versão, que será submetida ao grupo de entidades que participaram da audiência pública com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que foram designadas por ele como responsáveis pela sugestão de redação final da Lei de Educação Superior.”

Entidades como o ANDES-SN, as universidades estaduais paulistas e tantas outras que se posicionaram criticamente não serão escutadas. A opção pelo setor privado e pelas demandas dos mercadores da educação, entretanto, já foi feita. A exclusão é coerente, mas grave sob uma perspectiva democrática

O caminho para um enfrentamento unitário, qualificado e maciço, se ampliou com as novas contradições. Seguramente, muitas das entidades que estiveram na reunião presidencial mencionada acima não concordam com a institucionalização do status quo privado agora legitimado em lei. Todo o esforço para articular os vastos setores que não irão compactuar com a rendição incondicional da educação aos grupos de pressão dos mercadores da educação será necessário. O ANDES-SN conclama as entidades do Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública a se engajarem em uma agenda consensuada a partir dos encaminhamentos do CONED e das Plenárias do Fórum. O ANDES-SN não medirá esforços na busca da construção política e de mobilizações no espaço público que resistam ao cerco que se fecha contra a educação pública. Nessas horas, as lutas são insubstituíveis. Vamos organizá-las a partir de amplas frentes unitárias e combativas, pautados nos princípios e no projeto de educação pública que sempre têm nos unificado.

 Brasília – DF, 1º de junho de 2005.

 

Fonte: Andes-SN.


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