País é emblema das contradições, diz Ana Lúcia Gazzola

          

 

“Talvez o Brasil seja o país emblemático das contradições na América Latina e no Caribe
no campo da educação superior”, diz diretora do Iesalc
 

Com os maiores contingentes de doutores e analfabetos da região, o Brasil é um emblema das contradições, diz a brasileira Ana Lúcia Gazzola, diretora do Iesalc (Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina e no Caribe). 

Leia trechos da entrevista com a idealizadora do Mapa da Educação Superior: 

– Como o Brasil está situado no mapa em relação a seus vizinhos?

Talvez o Brasil seja o país emblemático das contradições na América Latina e no Caribe no campo da educação superior. Nós somos, ao mesmo tempo, o país mais consolidado em doutorados e o com o maior número de analfabetos. Claro que o segundo dado, 15 milhões de analfabetos, tem a ver com um percentual de uma população enorme. De qualquer maneira, é um número inaceitável e incompatível com o desenvolvimento. Por outro lado, o Brasil avançou muitíssimo no campo da pós-graduação. É a pós-graduação mais consolidada, mais qualificada, mais bem-sucedida, mais eficiente. O Brasil tem o segundo sistema de pós-graduação em tamanho na região, depois do México. Mas o sistema brasileiro, embora 50% menor do que o do México, é 100% mais eficiente. Enquanto o México formou 5.000 doutores em 2006, o Brasil formou 10 mil com um sistema menor. Ainda assim, nossa matrícula em pós-graduação representa menos de 3% da matrícula total em educação superior. É completamente insuficiente para o desenvolvimento sustentável do país. Somos os dois extremos: estamos péssimos numa ponta e muito bem com relação à região na outra ponta. 

– E com respeito à relação entre investimento e PIB?

O Brasil está no grupo médio, investe 4,5% do PIB em educação. Não é ruim, o PIB brasileiro não é desprezível. Em ciência e tecnologia, o Brasil é o principal país da América Latina e do Caribe, já ultrapassando 1%, o que é o mínimo que se deve investir para ter um desenvolvimento sustentável, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento). Em termos de privatização do sistema universitário, somos, junto com o Chile, o país mais desequilibrado, com uma oferta muito maior no setor privado em relação ao público. Neste governo começa a haver uma reação positiva, com o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). 

– Por que o Brasil ficou para trás na expansão do ensino público superior? Houve menos investimentos?

Certamente. O governo anterior [Fernando Henrique Cardoso] fez uma desmontagem da instituição pública. Fui vice-reitora e reitora [da UFMG, de 2002 a 2006] no período. Houve anos e anos sem concurso público. As pessoas se aposentavam pelo tempo, saíam pelos salários baixos ou houve programas de demissão voluntária tanto no setor de funcionários como no de professores. As perdas não eram repostas, mas as instituições estavam crescendo com muito esforço. 

– A fuga de cérebros é uma preocupação menor em relação aos seus vizinhos?

É verdade que o Brasil está em melhores condições. Primeiro, como temos 55% dos doutorados da região, há mais chances de que a formação completa se faça no Brasil, diminuindo neste momento da vida do estudante a possibilidade da evasão. Ao passo que os países que não têm doutorado são obrigados a enviar suas pessoas para fora. Em segundo lugar, o Brasil tem um grande sistema de bolsas de doutorado do tipo "sanduíche". A pessoa se beneficia dos recursos que encontra fora, mas volta para defender seu doutorado no Brasil.

 

Fonte: Folha de S.Paulo, 7/6/2008.

 


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