País fica atrás em inovação, diz Bird

 

 

Estudo do Banco Mundial aponta que universidade é distante da indústria e que
Brasil só adapta tecnologias
 

O Brasil está ficando para trás na comparação com outros países em desenvolvimento quando se trata de produzir conhecimento novo e de convertê-lo em resultados práticos.

A conclusão é de um estudo inédito do Banco Mundial (Bird), que será divulgado hoje em seminário promovido pela Fundação Lemann. Ele aponta os fatores da deficiência brasileira na área: ensino básico precário, que resulta em profissionais pouco qualificados, universidades distantes do setor produtivo e voltadas mais para conhecimento teórico do que prático e tradição de importar e adaptar tecnologias, em vez de criá-las.

“O Brasil está publicando pesquisas em um ritmo bastante aceitável, tendo hoje 2% dos artigos científicos de revistas e jornais internacionais. Mas o número de patentes é baixo, 0,18% das patentes internacionais são brasileiras”, explica Alberto Rodriguez, um dos principais autores, que está no País esta semana para lançar o estudo.

“Há a necessidade de que a pesquisa feita na universidade e nos laboratórios seja mais voltada para aplicações práticas e menos para a teoria. E há excessiva falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte do setor privado, que precisa se envolver mais.”

Segundo ele, enquanto outros países em desenvolvimento, como China, Índia e Coréia, estão se transformando em produtores de conhecimento graças a investimentos na formação de pesquisadores em áreas tecnológicas – e, com isso, alavancando suas economias –, o Brasil segue dependente de seus bens naturais, crescendo em um ritmo menor. “Apenas 19% dos estudantes de ensino superior no Brasil estão nas áreas de ciências e engenharias. No Chile são 33% e, na China, 53%”, afirma o relatório.

De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp com base em dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as universidades hoje representam 0,78% do total de depositantes de patentes no País – que conta com cerca de 50 mil pesquisadores.

A assessora da pró-reitoria de pesquisa da Unesp, Tânia Regina de Luca, reconhece a necessidade de as universidades investirem em inovação para a sua incorporação pelo setor produtivo, além da transformação do conhecimento científico em conhecimento técnico e gerencial.

“Não podemos negar que isso contribui para o crescimento econômico do País”, avalia. “Temos de manter relações próximas com as indústrias, mas não podemos deixar de lado a autonomia das universidades, a nossa preocupação é com o conhecimento pelo conhecimento, com a pesquisa livre, e às vezes a empresa está mais preocupada com a gestão do conhecimento para gerar lucro.”

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos motivos que explicam o descompasso entre indústria e academia é a falta de doutores trabalhando em pesquisa nas empresas. “A universidade muitas vezes não tem com quem dialogar na empresa porque ela não faz pesquisa e há poucos doutores”, avalia Cruz.

“Concordo com o relatório quando ele aponta que precisamos ter algumas universidades de excelência, com padrão de pesquisa internacional, e isso está na contramão da nossa política educacional, que não valoriza a excelência e prega a homogeneização”, afirma.

Petrobrás e Embraer são exemplos positivos

Na avaliação do Banco Mundial, o Brasil tem exemplos positivos em termos de produção de conhecimento tecnológico avançado, que merecem destaque internacional. O pesquisador Alberto Rodriguez cita o caso da Embraer e da Petrobrás, empresas nacionais que, segundo ele, têm feito esforços para criar conhecimento novo.

O problema é que esses casos não são suficientes para que o Brasil cresça fortemente. Além de serem poucos, de acordo com Rodriguez, não é possível perceber seu impacto nas cadeias produtivas. “A gente imagina que a Petrobrás produza um deslanche de inovação em todas as suas empresas distribuidoras. Isso acontece em algumas, mas não em todas.”

 

Leia, abaixo, entrevista de Rodriguez ao Estado: 

Qual a principal conclusão do trabalho? Por que o Brasil não deslancha na área da inovação? 

Fazemos uma análise de como a educação, no caso do Brasil, é um instrumento importantíssimo para a melhoria da competitividade no País. O Brasil vem crescendo, mas vem crescendo pouco quando você compara com outros países em desenvolvimento.  

Só que esse crescimento econômico está embasado em dois elementos. Um deles está ligado ao boom das commodities, ou seja, que prova que o Brasil tem muitos recursos naturais e sabe explorá-los, conseguindo, com isso, uma balança comercial positiva. Um segundo elemento é que esse crescimento econômico, em comparação com outros países competidores do Brasil, como a China , como Coréia, como Índia, inclusive como o México, não é um crescimento impressionante, muito forte, é um crescimento razoável, mas não vai permitir que o Brasil chegue no patamar de país desenvolvido no futuro próximo.  

Por quê?  

O Brasil não cresceu por ser uma sociedade inovadora, cresceu porque a base de capital de trabalho aumentou. Se você compara essa base do Brasil com a Coréia, o comportamento é muito parecido, mas a Coréia cresceu cinco vezes mais nesse período, o PIB per capita cinco vezes mais nesse período, você analisa porque e descobre que o elemento fundamental está no que se chama nos fatores totais da produtividade, essencialmente, na capacidade da sociedade em produzir de forma melhor, mais eficiente e mais barata o mesmo produto de alta qualidade. O Brasil foi débil nos últimos 30 anos.  

Há três tipos de inovação. Os aviões da Embraer, o iPod são inovações da criação de conhecimento, e o Brasil, nesse campo, tem algumas coisas boas e ruins.  

O Brasil está publicando pesquisas em um ritmo bastante aceitável. Ele hoje publica 2% das pesquisas nas revistas e jornais internacionais e o PIB do Brasil é cerca de 2% do PIB do mundo. Então, em pesquisas está indo, mas em patentes está baixo, menos 0,18% das patentes internacionais são brasileiras. Há a necessidade de que a pesquisa e desenvolvimento sejam mais voltados para a indústria e menos para a teoria. É preciso conseguir que as empresas privadas façam investimentos em pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, cerca de 70% do investimento em P&D é público, o que contrasta com o Japão, por exemplo, onde apenas cerca de 20% do investimento em P&D é público.  

O segundo tipo de inovação é a inovação que vem de trazer conhecimento do exterior. É adoção e adaptação da ciência e tecnologia. Esse tipo de inovação é um tipo onde o Brasil mais uma vez fica um pouco atrás. Há dois mecanismos principais pelos quais um país consegue trazer conhecimento: um através do comércio exterior, porque a maioria do conhecimento vem através de maquinaria, por exemplo.

A segunda forma pela qual você consegue trazer e adotar tecnologia do exterior é através da troca universitária, pesquisadores brasileiros que vão para fora, alunos que vão para lá, alunos que vêm para o Brasil. Aí também o País fica bem atrás, o número de alunos indo para universidades no exterior é bem menor do que você em outros países até com populações menores. O terceiro tipo de inovação é o que se chama difusão de tecnologia e conhecimento que já estão no Brasil e que só precisam passar de uma empresa para outra para melhorar a produtividade de todas as empresas.  

E o que esses fatores têm a ver com a educação? 

Para criar novas tecnologias não precisa de muita coisa, o que precisa é de PhD. Para pesquisar e obter patente é preciso educação de alto nível. No caso do Brasil é preciso investir muito mais em pesquisa prática aplicada a empresa, isso tem a ver com as universidade e sua relação com as indústrias. 

Já para fazer adoção de tecnologias, você precisa de um cara que possa ler o manual da máquina nova que chegou de fora e possa ler, entender o que está dizendo e pensar em como ele pode melhorar o processo produtivo em que ele participa. Para isso é importantíssimo uma educação básica sólida. Aquela capacidade do empregado de pensar o que está fazendo de uma forma crítica e de propor ao gerente da companhia coisas diferentes lá na ponta, essa é a razão pela qual aos empresários fazem grandes investimentos na educação básica, especificamente na alfabetização.  

Analisamos os dados e vimos que as empresas brasileiras fazem grandes investimentos em treinamento para os seus funcionários, muito maiores que a média mundial, só que as empresas grandes, produtivas, investem seus empregados para melhorar sua produtividade, as pequenas, quando fazem investimento,s são para suprir as deficiências do ensino básico.  

Então, há um problema sério no ensino básico de não permite que as empresas possam realmente inovar, treinar para melhorar a produtividade ou conseguir difusão de tecnologia entre as empresas, porque seus funcionários não têm nível educacional básico suficiente. 

Existe algum modelo inovação que o Brasil é melhor ou pior? 

O Brasil tem fachos de luz em termos de produção de conhecimento. Embraer, Petrobrás, pesquisa industrial em álcool. O Brasil tem feito grandes esforços para criar conhecimentos novos, o problema nesses casos é que não são suficientes para que a economia do Brasil cresça fortemente. É muito pouco e, além de ser pouco, a gente não percebe o impacto deles em sua cadeia produtiva. Na criação de conhecimento o Brasil tem fachos de luz que merecem reconhecimento nacional e internacional que não tem sido suficientes.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo Online, Simone Iwasso e Maria Rehder, 11/9/08.

 


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