Pesquisa na universidade pública?
Hernan Chaimovich* 

  

Os sistemas de gestão da Universidade entendem que a autonomia é ferramenta
para aumentar vagas, como se as poucas Universidades que potencialmente são
de classe mundial tivessem de competir com as grandes fábricas privadas de
diplomas pelo título de “a maior Universidade brasileira”
 

No Brasil, quase a totalidade da pesquisa básica, uma porcentagem elevada da pesquisa aplicada e uma parte da inovação são desenvolvidas em Universidades públicas.  

Hoje, essas instituições apresentam estruturas conservadoras, quando não obsoletas, e estão dominadas por forças pouco interessadas na pesquisa ou na inovação.  

Este divórcio, estrutural e político, pode chegar a ser um gargalo importante e resultar na criação de outras estruturas, dentro ou fora da universidade, que respondam às demandas da sociedade por pesquisa e inovação para o desenvolvimento socialmente justo e sustentável.  

No mundo desenvolvido as universidades de pesquisa, ou de classe mundial, educam uma parcela, de peso relativo variável, dos jovens que recebem ensino superior.  

A formação diferenciada, caracterizada por um contato precoce com a criação de conhecimento, individualiza os graduados em universidades de pesquisa. Uma meta estratégica nacional poderia ser passar, nas próximas duas décadas, de 12% para 40% os jovens na faixa etária entre os 17 e os 25 anos matriculados num sistema de ensino superior diferenciado.  

Este sistema deve incluir as universidades de pesquisa, mas estas não constituem a única parte do sistema.  

Universidades técnicas, escolas de formação de professores do ensino fundamental, instituições de ensino a distância, faculdades de formação acelerada, entre outras estruturas, devem também ser consideradas quando se pretende expandir o sistema de ensino superior público.  

Essa estratégia permitiu, em muitos países, ampla cobertura de ensino superior para todos os jovens.  

As universidades de pesquisa contemporâneas requerem estruturas ágeis e flexíveis, que se adaptem às rápidas mudanças que caracterizam a criação de conhecimento em nosso tempo, mantendo a capacidade de preservar outras que sirvam a tipos distintos de produção cultural.  

A autonomia destas instituições requer hoje não somente a preservação da liberdade acadêmica, pilar clássico da universidade, mas também a liberdade de adaptar a estrutura interna a suas necessidades, a agilidade de contratar segundo os seus ritos, o livre-arbítrio de demitir, a possibilidade de criar parcerias com agentes externos, públicos ou privados.  

Todas estas ações, em universidades públicas, devem ser socialmente transparentes, sem confundir esta transparência com normas legais adequadas para outros tipos de serviço público. Autonomia requer, pois, a regulamentação dos preceitos constitucionais que tratam dos âmbitos didático-científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial.  

Estas linhas de reflexão não encontram eco nem espaço nas associações, sindicais ou não, de estudantes, docentes e funcionários não-docentes ou nos sistemas de gestão das universidades públicas.  

Movimentos grevistas, que reúnem estudantes acampados em prédios universitários com alguns docentes e funcionários não-docentes, entendem que a luta por autonomia se resume a aumentar poder, salários e subsídios, ou subsídios, salários e poder, ou qualquer ordem sempre que seja somente isso.  

Na novilíngua destes movimentos, a expressão “manifestação pacífica” inclui, entre outros significados: ocupação à força; expulsão de professores de sala de aula; piquetes que paralisam aulas, bibliotecas públicas, escolas, transporte, restaurantes e creches; piquetes que congelam atividades de institutos.  

A violência, na ótica do movimento grevista, está associada a qualquer ação ou reflexão que se oponha às suas reivindicações.  

Na pretensa defesa da autonomia (de que tipo de universidade?) estes movimentos contribuem para que as forças que atacam por motivos ideológicos o serviço público se somem às que decretam o fim da pesquisa na universidade pública, porque nesta não se oferecem condições para que este país avance com eqüidade e se desenvolva de forma sustentável, usando ciência, tecnologia e inovação.  

Os sistemas de gestão da Universidade, por outro lado, entendem que a autonomia é uma ferramenta para aumentar vagas, como se as poucas Universidades que potencialmente são de classe mundial tivessem de competir com as grandes fábricas privadas de diplomas pelo título de “a maior universidade brasileira”.  

Onde estão, poder-se-ia perguntar, os projetos estratégicos para colocar algumas das nossas Universidades públicas entre as primeiras Universidades de pesquisa do planeta?  

Onde se colocam as contrapartidas estruturais que reconheçam que a pesquisa traz para a universidade um acréscimo de recursos que pode chegar a 25% do orçamento?  

Bem poderiam os atuais dirigentes se debruçar sobre a responsabilidade das poucas universidades brasileiras com potencial para se transformarem em instituições de classe internacional.  

Um dos temas de reflexão poderia ser recente editorial da revista Nature (vol. 446, página 949, de 26 de abril de 2007) que comenta sobre a Universidade do futuro, onde as unidades estruturantes não são os departamentos, mas centros interdisciplinares que tratam de temas de relevância científica ou social.  

Sistemas de pesquisa independentes da Universidade existem no mundo: institutos privados ou semipúblicos de pesquisa, como na Argentina, e institutos de pesquisa ligados a Ministérios ou academias, como na França ou na China, constituem exemplos.  

Estas são apenas algumas das opções que este país deverá considerar se a efervescência corporativa, ou a falta de visão das gestões das universidades públicas, continuar a dificultar a criação de conhecimento dentro da universidade.  

Está mais do que na hora de que pesquisadores/docentes assumam que o seu silêncio e a sua omissão política inviabilizam a transformação de suas instituições em Universidades de classe mundial.
 

* Hernan Chaimovich é professor da USP.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 9/7/07.

 


Coletânea de artigos


Home