O plano B da meia-idade  

 

Em busca de uma segunda profissão, muitos quarentões
 estão de volta à universidade

Não faz tanto tempo, ao chegar à meia-idade a maioria das pessoas começava a orientar sua vida pela perspectiva de aposentadoria. Já não é assim. Segundo dados do IBGE, a proporção de alunos com idade acima de 40 anos nas universidades brasileiras dobrou de 1991 a 2000. Entre aqueles com mais de 50, a porcentagem triplicou. A presença dessa gente madura nas salas de aula reflete uma dupla transformação em curso no Brasil. A primeira diz respeito ao mercado de trabalho, que virou de cabeça para baixo a forma como são exercidas algumas profissões tradicionais. A outra é o aumento da expectativa de vida dos brasileiros - não apenas se vive mais, mas também com boa saúde. Com vinte ou trinta anos de vida pela frente, é natural que tantos quarentões ou cinqüentões se animem a fazer vestibular e tentar uma virada profissional.  

Foto: Anderson Schneider

 

DA SALA DE AULA PARA A ACADEMIA

Dona de um diploma de sociologia e pós-graduação em metodologia da educação, Elizabeth Parente lecionou estudos sociais durante quinze anos. Há quatro, decidiu que era hora de mudar. Hoje, ela cursa o 3º ano de educação física na Universidade de Brasília. Aos 46 anos, com duas filhas, de 18 e 16, ela pretende ser professora de ioga, tai chi e lian gong, uma modalidade de ginástica chinesa, depois de se formar. "Há demanda por profissionais dessa área, e o diploma vai ajudar", diz. 

 

Para quem está insatisfeito com a própria profissão, voltar à universidade é um bom trampolim para a guinada. Aos 53 anos, o médico Luís Gonzaga Goulart Rodrigues cursa o 3º ano de direito na Universidade de São Paulo. Especialista em medicina do trabalho, ele atende num posto de saúde e atua como perito em pedidos de aposentadoria por invalidez. O sonho de ser advogado é antigo, mas pesou na decisão a possibilidade de maior remuneração. "Um advogado ganha mais que o médico para dar assistência jurídica em um simples laudo", comenta. Rodrigues convive bem com os colegas - na maioria, mais novos que seus filhos -, a ponto de disputar a presidência do centro acadêmico. Como pretende fazer pós-graduação em direito previdenciário, só estreará na nova profissão aos 57 anos.

O MÉDICO QUER SER ADVOGADO

O paulista Luís Gonzaga Rodrigues, de 53 anos, médico há mais de duas décadas, está no 3º ano de direito na Universidade de São Paulo. Com a mudança de profissão, ele realiza um velho sonho e acredita que ganhará melhor. "O fato de meus filhos estarem crescidos e encaminhados profissionalmente facilitou minha decisão de prestar vestibular, pois, para cursar a faculdade, tive de reduzir a carga de trabalho e meus rendimentos como médico", diz. 

  Foto: Lailson Santos

Aos 40 e poucos anos, o profissional ainda tem pela frente, em termos estatísticos, um tempo igual ao período em que já trabalhou até então. É natural que, diante dessa perspectiva, guarde na gaveta um plano B para quando se aposentar ou sentir que a carreira estacionou. Ou, simplesmente, para buscar uma profissão que traga maior satisfação pessoal. Dentista em Belo Horizonte por 25 anos, a mineira Elizabeth Aguiar aproveitou a habilidade adquirida com os instrumentos odontológicos para criar as primeiras jóias. O passo seguinte foi o vestibular. No ano passado, às vésperas de completar 50 anos, recebeu o diploma em design de produto. No momento, enquanto trata de desativar o consultório, ela prepara a exportação dos primeiros lotes de colares para os Estados Unidos. "Senti necessidade de fazer algo novo e diferente, um questionamento comum nas pessoas da minha idade", diz Elizabeth.  

Ainda que seja mais difícil conseguir emprego depois dos 40, há atividades em que os cabelos brancos podem ser usados como trunfos. Prestar consultoria, advogar ou dar aulas em universidade são exemplos de carreiras em que a experiência de vida é valorizada. Se os filhos já estão crescidos, fica mais fácil correr o risco de viver com rendimentos menores. Especialistas consultados por VEJA recomendam certos cuidados antes de pôr em prática o plano B. O fundamental, dizem, é estar seguro da decisão - mesmo porque, a essa altura da vida, não há tempo a perder com escolhas equivocadas. Um erro comum é confundir emprego com carreira e abandonar os dois de forma precipitada por causa de um atrito com o chefe ou de uma insatisfação momentânea. "O melhor momento de tomar uma decisão dessa importância é quando se está no auge, ganhando bem e empregado, pois quem está por baixo não tem opções e costuma mudar pelas razões erradas", pondera o headhunter Robert Wong, da Consultoria P&L, de São Paulo. 

Foto: Nélio Rodrigues/1º Plano  

A DENTISTA QUE VIROU DESIGNER
DE JÓIAS

Dentista durante 25 anos em Belo Horizonte, Elizabeth Aguiar começou a criar jóias como hobby. Empolgada, decidiu cursar a faculdade de design para aprender novas técnicas. Formada há um ano, prepara-se para exportar seus brincos e colares para os Estados Unidos e a Europa. Só agora, aos 50 anos, desativou de vez o consultório. "Senti necessidade de fazer algo diferente, um questionamento comum nas pessoas da minha idade", diz. 

 

Quem se formou nos anos 70 e 80 estava preparado para um mundo que não existe mais. Hoje, os antigos profissionais liberais, como médicos e advogados, são, em boa parte, empregados ou prestadores de serviço. No passado, o recém-formado buscava ingressar numa grande empresa e permanecer nela até a aposentadoria. Tal regalia só persiste no funcionalismo público. Várias profissões escolhidas vinte ou trinta anos atrás perderam espaço na economia moderna. Já profissões novas, sobretudo envolvendo alta tecnologia e o setor de serviços, oferecem maiores possibilidades de ascensão rápida. Tudo isso pode tornar ainda mais urgente a adoção do plano B - mas também facilita uma mudança de carreira na meia-idade. "O mercado de trabalho tornou-se mais dinâmico, e quem ganha é o profissional competente, pois pode escolher se quer trabalhar como empregado ou simplesmente vender um serviço e manter a independência", diz Jacqueline Giordano, gerente de desenvolvimento de carreiras da escola de negócios Ibmec, em São Paulo.

 

Fonte: Rev. Veja, José Eduardo Barella, ed. 1953, 26/04/2006.


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