"Planos de saúde não salvam"
Maria de Fátima M. de Souza*

 

Pesquisadora surpreende ao provar que ter um plano de saúde não aumenta a
expectativa de vida do brasileiro

Quem paga um plano de saúde busca maior proteção e vida mais longa. Mas uma séria pesquisa do Ministério da Saúde acaba de provar que, na realidade, isso não acontece no Brasil. "O desempenho dos planos de saúde não promove a longevidade esperada", afirma a médica Maria de Fátima Marinho de Souza, organizadora do estudo e coordenadora-geral de informações e análise epidemiológica do Ministério da Saúde. O estudo revelou maiores índices de mortalidade por doenças cardiovasculares entre os usuários de planos do que na população que recorre à rede pública. Mostrou também que há mais casos fatais de câncer de mama do que se podia esperar entre as mulheres que pagam planos. Pós-doutorada em epidemiologia pela Universidade de Quebec, Maria de Fátima deu a ISTOÉ a seguinte entrevista:  

ISTOÉ - Os planos não melhoram a saúde dos usuários?

Maria de Fátima -Hoje, 25% da população brasileira paga por um plano de saúde. Teoricamente, seus usuários deveriam viver mais do que os outros. Mas não foi isso o que constatamos. Não há diferença na mortalidade até 69 anos. Isso nos surpreendeu porque é uma população jovem. O certo era encontrar uma diminuição visível nessa mortalidade. As diferenças importantes só começam a aparecer depois dos 70 anos. Só aí quem possui um plano tem sobrevida maior.  

ISTOÉ - Como foi feito o estudo?

Maria de Fátima - O objetivo era comparar a mortalidade da população em geral com a dos beneficiários de planos. Ligamos o banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde com o cadastro de usuários dos planos de saúde da Agência Nacional de Saúde (ANS). O processamento levou dois meses para identificar, em um milhão de óbitos, quantos seriam beneficiários de planos.  

ISTOÉ - As empresas do setor abriram seus bancos de dados?

Maria de Fátima - Não. Alguns disseram não ter dados sobre as doenças e mortalidade dos segurados.  

ISTOÉ - Estranho. Os dados de adoecimento e mortalidade fazem parte das informações usadas pelos planos para reajustar os preços.

Maria de Fátima - Exato. Diversas empresas devem ter esses dados, mas elas não informam à ANS e não abriram essas informações para a pesquisa. Preferem usar de maneira perversa, voltando-se para o aumento do custo. Tanto que tivemos de lincar os bancos de dados. Agora a agência está trabalhando na organização de um sistema chamado TIS, de troca de informação da saúde suplementar.  

ISTOÉ - Quais as maiores causas de mortalidade nos planos?

Maria de Fátima - O estudo mostrou uma mortalidade bastante acima do esperado de pessoas com menos de 59 anos por infarto agudo do miocárdio. São perdas muito precoces. A medicina já comprovou que muitas mortes por infarto e os derrames são plenamente evitáveis antes dos 70 anos, desde que se tenha um bom programa de prevenção para controlar fatores de risco como a pressão arterial alta, alimentação rica em gorduras, colesterol elevado e falta de atividade física.  

ISTOÉ - A quantidade de mortes por infarto dentro dos planos foi maior do que na população em geral?

Maria de Fátima - Sim. Na população atendida pela rede pública, 8,6% dos óbitos foram atribuídos ao infarto agudo do miocárdio. Entre os beneficiários de planos, o infarto foi o responsável por 12,8% dos óbitos. Como se pode ver, há uma diferença importante. Entre as mulheres, o infarto respondeu por 8,8% dos óbitos na população atendida na rede pública e por 10,7% entre as beneficiárias de plano de saúde.  

ISTOÉ - Isso indica problemas na qualidade do atendimento de emergência oferecido pelos planos de saúde?

Maria de Fátima - Se a mortalidade por essa causa nos planos é maior, o atendimento de emergência no conjunto dos serviços pode estar com deficiências. Evidentemente, há centros de excelência e hospitais bem preparados. De modo geral, os planos mostram que não possuem uma boa estrutura para atendimento de alguns tipos emergência.  

ISTOÉ - Mas quem tem plano espera atendimento eficiente nas emergências...

Maria de Fátima - As pessoas estão se enganando nesse aspecto. Quando contratam um plano, os usuários devem se informar sobre quais centros da sua lista de serviços podem ter essa qualificação. Seguramente não são todos. Uma estrutura para atender bem o infartado demanda equipamentos, remédios específicos e equipe treinada. É algo caro e complexo. Um estudo feito no Canadá mostrou que a presença de bons especialistas nessa hora pode salvar muitas vidas. Diante dessa realidade, deveria haver um grande investimento na prevenção da doença cardiovascular dos beneficiários. Só em 2004, elas tiraram a vida de 285,5 mil brasileiros.  

ISTOÉ - Houve outras revelações surpreendentes?

Maria de Fátima - Nosso estudou revelou também uma maior mortalidade por câncer de mama entre as usuárias de planos de saúde. Já o de colo do útero teve menor número de casos e de mortes entre as mulheres beneficiárias de planos. Isso evidenciou a dificuldade do Sistema Único de Saúde (SUS), em vários lugares, de fazer a detecção precoce desse tumor de maneira eficiente.


* Maria de Fátima Marinho de Souza – médica e coordenadora-geral de informações e análise epidemiológica do Ministério da Saúde.
 

Fonte: Rev. IstoÉ, Mônica Tarantino, 21/3/2007.


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home