A ilusão real de poder da economia da conciliação
Juarez Guimarães*

 

Qual é o poder político real daquele que é apontado, à direita e à esquerda, como o "homem forte" do governo Lula ? É verdade que Palocci ganhou nesta crise a condição de coordenador político do governo? É verdade que o ministro da Fazenda governa Lula? 

Em sua desmedida ambição de fixar com exatidão aquilo que é por natureza subjetivo e ambíguo, a ciência política criou métodos para medir o poder. Um deles é o reputacional: tem poder aquele a quem se atribui poder. O poder é sempre uma relação: se todos acreditam que um tem poder, então, ele terá poder.

A revista Carta Capital, um das poucas publicação críticas ao neoliberalismo na mídia brasileira, em sua edição de 6 de julho, traz na capa a foto de Palocci com a manchete: “Homem forte”. A expressão “homem forte” acompanha desde o início do governo a designação que a revista conservadora Veja concede ao ministro. Por exemplo, na edição de 15 de julho, em meio à sua histérica campanha anti-petista, a duas páginas de uma matéria de duas páginas que, de forma preconceituosa, ataca a ex-prefeita de São Paulo (“O mensalão da perua”), a legenda da foto do ministro diz: “Homem forte do governo, o ministro Palocci tem os ouvidos do presidente nessa crise”. A revista Primeira Leitura, orgânica aos intelectuais tucanos, foi mais original: em 2004, batizou na capa Palocci de “ Primeiro Ministro”. Sem hífen.

Mas qual é o poder real do Ministro da Fazenda? É verdade que Palocci governa Lula? É verdade que Palocci ganhou nesta crise a condição de coordenador político do governo? Qual é o alcance real de suas iniciativas de conciliação com a oposição liberal?

Para responder a estas perguntas é necessário afastar-se do senso comum da mídia, da ilusão de ótica de um conceito estritamente reputacional do poder.

O poder de Palocci deriva da transferência de autoridade que lhe é atribuída por Lula para comandar as diretrizes fundamentais da macro-economia, de um lado, e do apoio público e explícito que lhe é fornecido por Fernando Henrique Cardoso, coordenador público da oposição liberal-conservadora. Sua fraqueza deriva do fato de suas posições liberais extremadas serem amplamente minoritários entre os ministros do governo Lula, na bancada parlamentar dos partidos de esquerda, no seio do PT, entre os movimentos sociais, a intelectualidade progressista, a Igreja progressista e os movimentos sociais.

Esta combinação de força e fraqueza é um bom critério para responder às perguntas. A posição de Lula tem sido sempre a de apoiar Palocci, de um lado, e arbitrar a cada caso os conflitos gerados por suas opções, de outro. No momento em que se atribui maior poder a Palocci, a indicação para o estratégico ministério da Casa Civil, com função de coordenação de governo, recaiu em Dilma Roussef que tem um histórico de atritos importantes com a Fazenda. Não é sequer verdade que Palocci tem o controle de toda a área econômica: foi Guido Mantega quem substituiu Lessa no BNDES e não um liberal; a direção da CEF permanece sob a gestão de Mattoso, homem de sólida formação anti-neoliberal.

Tampouco é verdade que Palocci teria autoridade para coordenar politicamente o governo. Aliás, no período recente, perdeu disputas públicas importantes com o ministro Miguel Rossetto, sobre o descontingenciamento de recursos para a reforma agrária e para o financiamento da agricultura familiar, com o ministro Tarso Genro sobre o Fundeb e com o ministro Olívio Dutra sobre restrições de financiamento a saneamento e habitação. Sabe-se que ministérios como os da Minas e Energia, Saúde, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Cultura e Desenvolvimento Social tem acumulado fortes atritos e divergências com a gestão ultra-conservadora da Fazenda.

Parece ainda mais incerta a possibilidade de Palocci ser o grande fiador de um acordo político entre governo e oposição. O patamar de acordo já proposto pelo líder do PSDB – o da desistência de Lula do projeto da reeleição e o poder de veto do PSDB aos programas de sua gestão até o fim do mandato – implica em um tal grau de humilhação e rendição de Lula e do PT que só poderia ser aplicado em uma situação de terra arrasada. Mas, nesta situação, interessaria mesmo ao PSDB um acordo com um governo Lula tão enfraquecido?

O mesmo se pode dizer da proposta de Delfim, do déficit nominal zero, apoiada entusiasmadamente pelo ministro do Planejamento. É, na verdade, a proposta de um acordo entre os grandes do capital produtivo e o do capital financeiro contra o setor público e as políticas sociais. Para ser viável, o governo Lula teria que estabelecer uma ruptura frontal com os signatários da “Carta o Povo Brasileiro”, quebrar as posições majoritárias contrárias do PT, vencer resistências parlamentares fortíssimas em defesa da educação e saúde e levar ao máximo ponto de tensão as disputas entre o ministério da Fazenda e os ministérios da área social.

Na realidade, o “homem forte” do governo Lula na economia é um “homem fraco” na política. O seu acúmulo de poder não tem área para se estabilizar no plano político: dentro do PT porque implicaria na ruína e desconstituição do próprio partido, de seu programa, de sua história, de suas bases sociais; na oposição liberal porque ela tem os seus próprios vetores e lideranças de poder.

Essa dessolidarização entre economia e política não é, na verdade, um drama apenas pessoal do ministro Palocci mas é reveladora do impasse estratégico fundamental do próprio governo Lula. Ao contrário do dito liberal, a política vai mal porque a economia não está bem.
 

* Juarez Guimarães é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).  

Fonte: Ag. Carta Maior, 06/07/2005.


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