Possuelo é demitido após críticas ... 
  

Considerado o mais importante sertanista do país, ele acha que
medida é retaliação e diz que não volta à fundação
enquanto não mudar o governo.

 

O sertanista Sidney Possuelo foi exonerado ontem do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados, uma semana após ter feito, em entrevista ao Estado, duras críticas ao governo Lula e ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira.

O ato, publicado ontem no Diário Oficial da União, teve repercussão no país e no exterior.

“Mesmo que revoguem a demissão, me recuso a servir a um governo desse tipo. Só volto à Funai após a saída desse governo”, desabafou Possuelo, para quem o governo adotou uma política nefasta no setor.

Considerado o mais importante sertanista brasileiro da atualidade, Possuelo acha que a sua demissão foi uma retaliação às críticas que fez ao presidente da Funai.

Mércio havia declarado, em entrevista à agência de notícia Reuters, que há “terras demais” para os índios no Brasil.

Para o sertanista, Mércio prestou um desserviço ao fazer tal declaração, às vésperas de decisões importantes envolvendo demarcações de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF). “Que espécie de presidente da Funai é esse?”

Possuelo lembrou que, na condição de tutor legal dos povos indígenas, o presidente da Funai tem o dever de defendê-los. “Trata-se, no caso, de um tutor infiel”, comentou o indigenista.

Para ele, Mércio “é o homem errado no lugar errado”. E explicou: “Trai a causa indígena e a própria memória da Funai, na luta pela preservação de suas terras e tradições.”

Para Possuelo, Mércio jamais deveria externar opiniões como essa, pelos danos “irreparáveis” à causa indígena que pode provocar.

Ele diz que falar mal de índios é lugar comum e o mínimo esperado de um presidente da Funai era defender os povos indígenas, vítimas de “políticas destrutivas” ao longo da história.

“Quando a Funai diz que há terras demais, torna-se apenas mais uma voz fazendo coro com o preconceito, a violência e o abuso contra os direitos indígenas”, enfatizou.

Divergências

Na entrevista à Reuters, Mércio criticou a luta dos índios pela demarcação das reservas: “É terra demais. Até agora, não há limites para suas reivindicações fundiárias, mas estamos chegando a um ponto em que o STF terá de definir um limite.”

Ao rebater a declaração do chefe, no dia seguinte, em entrevista ao Estado, Possuelo disse que Mércio estava falando a mesma língua dos grileiros, madeireiros e garimpeiros e cobrou de Lula uma posição mais firme na política indigenista.

“Se a nossa autoridade maior diz que tem muita terra para o índio, ela está afirmando que a sociedade nacional e os destruidores têm razão”, reagiu.

Essa não é a primeira vez que Possuelo diverge do governo Lula. Em novembro, ele fez coro com oposicionistas que sugeriram à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que deixasse o cargo, em protesto contra a política ambiental do país.

Apesar das críticas sistemáticas, Possuelo mantinha uma relação amistosa com Mércio, que o sustentava na função estratégica, mesmo com as pressões do Palácio do Planalto para demiti-lo.

Sucessor de Orlando Villas-Bôas

Apontado como sucessor do sertanista Orlando Villas-Bôas, Sidney Ferreira Possuelo é tido no exterior como o mais importante defensor de direitos indígenas do Brasil na atualidade.

Por sua atuação, ele foi condecorado no ano passado com o título de herói do Império Britânico pela Royal Geographic Society. Foi um reconhecimento por sua dedicação aos povos isolados da floresta, atividade da qual era coordenador-geral no governo Lula.

Possuelo começou a ter seu trabalho reconhecido em 1991, quando foi nomeado presidente da Funai pelo então presidente Fernando Collor.

Entre suas principais conquistas no cargo estão a demarcação em área contínua da reserva dos ianomâmis, a maior do Brasil, e de mais de cem terras indígenas, um recorde na história do país.

Servidor de carreira da Funai, seu último feito notável foi viabilizar a difícil aproximação com os guerreiros arredios da etnia dos índios corubos, no Amazonas. Na década de 80, o sertanista se destacou na frente de atração dos índios araras, no Pará.

No período em que comandou a Funai, Possuelo realizou ampla reforma administrativa no órgão e promoveu a aproximação com as organizações não-governamentais (ONGs) do setor indígena.

Paciente com os índios e polêmico no trato com os brancos do governo, ele foi demitido da Funai em 1993, após divergências com a equipe do então presidente Itamar Franco.
 

Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/1/06.


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