Por que e por quem se (des)dobram nossos colegas?
Profª Alice Sabóia*  

 

Por que alguns professores temem a greve? Por que profissionais de mais elevada qualificação, dos quais se esperava alto grau de conscientização, retiram-se, em debandada, negando sua preciosa e definitiva colaboração à luta em defesa  dos interesses da categoria ou, ainda mais, em defesa de interesses maiores da sociedade? Em nome de um suposto processo democrático, qual seja, do direito de cada um agir, segundo seu livre-arbítrio, alguns têm-se omitido, ou têm-se recusado a engrossar as fileiras daqueles que mergulharam, de corpo e alma, na luta em defesa do direito de viver dignamente, pela  remuneração justa de seu trabalho, afinal de contas, de interesse de toda a categoria, ou, pelo menos, deveria ser.

Contraditoriamente, por esse mesmo argumento, ou seja, em nome do processo democrático e, também, do tratamento isonômico, terão direito às conquistas que, por ventura, decorram da greve. Estranho! Combatem os colegas que estão na luta, mas serão beneficiados com seus  resultados! A boa prática, ética, recomendaria que abrissem mão, legalmente, de qualquer conquista resultante da greve, por uma questão de princípio, de coerência, de caráter! E, é lógico, economizariam para o Governo que tanto amam e com o qual colaborariam mais ainda, facilitando-lhe as coisas! Se são contrários à greve - parece lógico inferir -, decerto, estão plenamente satisfeitos com seus salários e suas condições de trabalho!

Por outro lado, a história das classes trabalhadoras no mundo, e do  movimento docente nacional, por conseguinte, mostra que governo algum jamais concedeu qualquer direito à classe alguma, sem reivindicação, sem manifestação, sem luta, sem, infelizmente, a utilização do único argumento convincente e que os governos costumam entender e acatar: a GREVE.

Ao que se sabe, o movimento grevista entre os professores tem sido adotado como estratégia, em último caso. A resistência de professores à greve faz parte do messianismo docente, é resquício missionário, doutrinário da nobre profissão de professar! Por isso, até, não se tem feito greve pela greve. E até poderia ser, por uma questão de consciência cidadã, em face da grave crise política, moral e ética que enlameia e envergonha a nação brasileira. Há justificados motivos para tanto. Até as pedras sabem disso!

Os sucessivos governos, invariavelmente, têm maltratado os professores e as universidades públicas. Com o atual, não tem sido diferente. Portanto, não há razão alguma para tratá-lo de outra forma. Ele já teve mais tempo do que mereceu...

Além disso, quanto àqueles que se omitem, ou se negam a participar da greve, essa conduta não se deve, decerto, à modéstia, ou à humildade desse grupo. Se há uma categoria vaidosa, por definição, essa é a dos intelectuais, sejam eles verdadeiros, ou falsos. Ou, quem sabe, a vaidade seja bem maior que suas necessidades básicas, comezinhas, como, por exemplo, pagar o aluguel, a conta de luz, a alimentação etc., coisas de gente normal, de cidadão comum!... Greve, para esses seres sobrenaturais, é coisa de “gentinha”! Intelectuais, sábios, não cometem essas vulgaridades, essas mesquinharias, essas picuinhas, esses atos menores, indignos da suprema inteligência! 

Por que deixar que a sociedade tome conhecimento de que os missionários comem, dormem, têm outras necessidades físicas, podem ter seu nome lançado nas listas de maus pagadores, do SPC, do SERASA e assim por diante? Intelectual que se preza morre de fome, mas não deixa que se tome conhecimento de suas fraquezas! Se o salário não for suficiente, cortam-se gastos! Se o dinheiro não der para comprar o pão, comem-se brioches, seguindo a sugestão  da  rainha, mesmo correndo o risco de ser guilhotinado! Para que manter-se interligado à rede mundial de computadores? Isso é esquisitice pós-moderna! Para que manter linha telefônica residencial? Que dizer de um telefone celular? Isso é luxo inadmissível a verdadeiros pensadores! O telefone atrapalha a reflexão! Para que pagar a conta de energia elétrica? Na penumbra, o pensamento flui melhor! Para que comprar livros? Por que viver dignamente? Por que oferecer conforto e bem-estar à família? Que futilidade é essa! Para que comer? Comer engorda! Intelectual que se preza tem que sofrer! Intelectual que se preza tem que purgar suas culpas! Tem que ser pesadamente penalizado por ter adquirido capital cultural, pecado mortal no atual contexto nacional!

Intelectual que se preza tem que ser solidário com o Programa do Presidente Lula: Professores Salário Zero, Fome 10, com reajuste de 1% sobre nada, principalmente para os das Universidades Públicas Federais! Tudo? Só para a compra dos votos dos “paralamentares”. A bagatela de meio bilhão é muito pouco para pagar a tantos... Mas, se forem como o Professor Luluzinho, podem sair baratinho... Uma pechincha! Quem sabe um “mensalarinho”?

Será que Joãozinho Trinta  estava mesmo com a razão? Quem gosta de miséria é intelectual: o povo gosta de luxo! E, aos deslumbrados de plantão, que acham que esse Governo enfrenta dificuldades financeiras, não custa lembrar a fortuna gasta com a compra de votos de deputados, para subtraírem os direitos previdenciários dos trabalhadores, na aprovação da famigerada Reforma da Previdência; não custa lembrar a fábula de dinheiro público dos fundos partidários que se gasta com propaganda política, enganosa, para utilização de marqueteiros, especialistas em ludibriar o povo, com a fabricação de presidentes, falsamente honestos e competentes; não custa lembrar a aquisição, por preço escandalosamente exorbitante, de luxuoso avião para o Presidente Lula da Silva passear, às custas do faminto povo  brasileiro, em suas já costumeiras turnês pelo mundo.

O que Sua Excelência tem de milhas percorridas, depois que assumiu a Presidência, daria para várias voltas em torno da Terra. Assim, quem sabe, por essa “terapia”, cura-se da síndrome do ddd (não se trata de discagem direta a distância!), mas do desrespeitoso desprezo, despeitado, que nutre contra os professores e os estudos! Quem sabe, deixa de confundir tsunami com vendaval?  Nenhum rico, ao que se sabe, desfruta do privilégio único de receber aulas particulares de geografia (in locu), de metereologia, de geografia política, etc, a bordo de uma luxuosa aeronave, mimo financiado com o dinheiro público, com direito a conforto total, além  de umas e outras, como ilustre e legítimo representante do povo que paga o luxo, mas carrega o carma de sobreviver no e do lixo! 

PPP é parceria público-privada? Significa, inclusive, pobre povo pobre! Por que não custear um trono de ouro para o “bokassa” tupiniquim? Afinal de contas, é preciso “compensar-lhe” o infortúnio de maior sofredor (único talvez do Brasil e do mundo!) que se sentou em tamboretes e punir aqueles que, por ventura, tenham ocupado bancos escolares, públicos ou privados, não importa. Merecem todos ser punidos apenas porque ofenderam o Presidente, sobretudo por terem cometido, ao longo de suas vidas, futilidades, banalidades, como estudar e trabalhar. Terão que amargar a mais crua miséria, até a última geração, vaticinou o impiedoso “justiceiro”!

Para além dessa questão básica, fundamental, preliminar, o esvaziamento das Universidades Públicas, promovido pela implementação de uma política perversa, é contundente. Não se quer aqui dizer que esse seja um fenômeno recente. Se a tônica fosse essa, estariam sendo escamoteadas políticas públicas anteriores. Contudo, sob o “manto” do discurso dito democrático, na realidade, populista e demagógico, as práticas governamentais têm seguido trajetória diametralmente oposta aos interesses públicos. A desvalorização do trabalho docente é apenas uma faceta desse processo que se vem firmando dia a dia, sob as vistas condescendentes de boa parte da festiva intelectualidade brasileira que, ao que parece, sente-se culpada - não se sabe exatamente do quê – e, por essa via, não se julga digna de ter seu trabalho remunerado decentemente. Pelo menos essa é a leitura possível para este estado de coisas, diga-se de passagem, injustificável, a não ser que haja, para alguns, fonte secreta de renda, um caixa dois, quiçá, um mensalão! Será que  essa estratégia oficial, está sendo utilizada também no desmonte das Universidades Públicas Federais?

Lamentável  é que não é outro senão o Governo que se diz democrático  que tem acelerado o desmantelamento do sistema público de ensino, principalmente, o das Universidades Públicas. O paradoxo está estabelecido: a expansão do sistema público de ensino foi uma tônica do regime autoritário, como todos sabem, sobejamente. Em sentido contrário, estão as seguidas tentativas de implementação de políticas privatistas, por parte dos Governos ditos democráticos, contra as Universidades Públicas, o que é um contra-senso, levando-se em conta o estado democrático e de direito! Até parece que aqueles que se dizem sobreviventes do regime militar e ditatorial rebelaram-se não por discordarem daquele regime, mas por pura inveja, pirraça, despeito e, por isso, estupidamente, prejudicam o bem público. Ora, trata-se, sem dúvida, de um equívoco inominável, inconcebível. A essa gente, faltam juízo e caráter! 

Outro equívoco que deve ter partido de alguma mente pervertida é a afirmação de que as Universidades Públicas têm acolhido em seus cursos, em sua maioria, estudantes ricos, por isso, não devem ser financiadas com os recursos públicos! Ainda que fosse assim, isso é um despropósito, dentro de uma sociedade que se diz democrática! Essa inferência beira a falta de senso de realidade! Decorre de uma análise apressada, capenga, própria de incompetentes.  Cumpre aqui lembrar que os ricos não são tantos que ocupem todas as vagas oferecidas por uma universidade, seja ela pública, ou particular! Se fosse assim, o Brasil não seria o quarto pior país do mundo em distribuição de riquezas, ou seja, o quarto país do mundo, segundo fontes internacionais recentes, de maior concentração de renda em mãos de pouquíssimos! Além disso, rico, que é rico mesmo, sequer freqüenta esses meios! Não precisa estudar e, geralmente, não se dá esse tipo de preocupação! Um ou outro, quando se dedica a alguma atividade dessa natureza, fá-lo por puro diletantismo! Mas, também não são muitos, porque, além de não haver tantos ricos assim, poucos acham divertido estudar! Decerto, há alternativas bem mais interessantes e mais agradáveis, para quem dispõe de capital...

Basta de farsa! Estudar é a única saída para quem não tem dinheiro e pensa que vai conseguir a sobrevivência decente às custas do exercício profissional competente, pela venda de sua força de trabalho.

O estudo está diretamente relacionado com o trabalho, porque é trabalho. Quem não é afeito ao trabalho, provavelmente, também não o é ao estudo. Trabalho e estudo são exigências feitas, pelos patrões e dirigentes, às classes assalariadas, para qualificação de mão-de-obra! As classes médias (será que se salvaram do Governo FHC e conseguirão sobreviver ao Governo Lula?), que têm sua remuneração abusivamente confiscada pelas Receitas, Federal, Estadual e Municipal, sustentam o País e, por isso até,  deveriam, pelo menos, ter assegurado o direito de seus filhos também estudarem na universidade pública, gratuita e socialmente referenciada, mesmo porque, de tão espoliadas, não dão mais conta de pagar plano de saúde, educação e a sobrevivência minimamente digna para seus filhos! Isso não é luxo! Não é favor, nem caridade! É direito do cidadão e dever do Estado, sustentado quase exclusivamente pelos impostos extorsivos, arrancados da classe média, da classe assalariada! Ricos conseguem benefícios legais, via lobbies junto ao Poder Legislativo, para não pagar impostos! Não fazem questão de sistema público de ensino, e tampouco de Universidade Pública! Chega de cinismo! Basta à exploração!

Quanto ao tratamento dispensado pelo Governo Lula ao Serviço Público, de maneira geral, não há grandes surpresas. Vindo da iniciativa privada, Sua Excelência, além de jamais ter tido qualquer experiência de administração pública anteriormente - e, nem sequer de empresa privada, ao que se sabe – nunca teria sensibilidade para perceber o geral, o público. Nesse particular, desapareceu a suposta diferença entre patrão e empregado, bem ao estilo neoliberal, em que as diferenças são mascaradas, notadamente pelo “sindicalismo de resultados”. Fez-se um “acordão” e, no que tange ao Serviço Público, os “dois lados”, assim unificados, vêem-no sob o mesmo prisma. Resta demonstrado que o Presidente Lula é um representante das elites - cooptado na classe operária. Representante, portanto, das elites que usam a coisa pública para fins privativos e particulares – pelo menos, essa tem sido sua experiência no exercício da Presidência do Brasil - com selo de garantia e de qualidade total, conferido pela Central Única dos Trabalhadores – da iniciativa privada. Retomando uma reflexão do Deputado Roberto Freire, mais do que nunca, é preciso, é inteiramente necessário e urgente desprivatizar o Estado Brasileiro! Urge, salvá-lo, retirando-o das mãos de quem confunde o público com o privado, e não raro, com a privada.

Lamentável também é que professores do Setor Público, diretamente prejudicados por esse estado de coisas, não consigam fazer uma leitura crítica da conjuntura política nacional e “inocente, ou ingenuamente (?)” ainda acreditem nesse Governo. Acordem, porque estão perdendo a hora! Se erraram na escolha do então candidato Lula, não há de que se envergonharem! Errar é humano e há, ainda, tempo de consertar o equívoco. Só não há jeito para a morte, como aconteceu com os prefeitos Celso Daniel e Toninho do PT, aos quais seus algozes não deram tempo, nem tampouco o direito à vida ...

Fica aqui também o apelo àqueles para os quais a greve é um transtorno. Colegas, companheiros, camaradas, amigos: a greve só incomoda o Governo, quando é grande, ou seja, quando é numerosa. Caso contrário, se alguns a furam e outros não participam, ela tende a estender-se por longo período, porque ao Governo ela soa indiferente ou, até, lucrativa! Se ela ganhar maior visibilidade, o Governo tenderá a abrir as negociações para resolvê-la o mais rapidamente possível. Portanto, a duração da greve depende também de você. Você poderá ajudar e muito! É só querer! Fica aqui o chamamento! Pela categoria docente, pela Universidade Pública, Gratuita e Socialmente Referenciada, por um Brasil mais justo, por dirigentes honestos, decentes, éticos e, efetivamente, preparados para guiarem os destinos da nação brasileira! Pela Verdade, pela Justiça, pela Ética, em defesa dos interesses públicos e sociais maiores, sempre.
 

* Alice Sabóia é Doutora em Letras (Lingüística Geral e Semiótica) pela USP,  Pós-Doutora pela Université Lumière Lyon 2 – França, Professora Titular por Concurso Público e aposentada pela UFMT. É autora de diversos artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, do Brasil e do exterior. Atualmente é Professora Contratada pelo IL/UFMT e pertence ao corpo docente do Mestrado em Ciências de Linguagens. 

Fonte: Andes-SN, 27/09/2005


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