Por que Lattes não ganhou o Nobel?
Hildebrando Souza Menezes Filho* 

  

Uma carta do físico dinamarquês Niels Bohr promete responder o enigma em 2012.

Cesar Lattes desponta na história da ciência brasileira com o estudo dos raios cósmicos e da radiação penetrante.

Ele era principalmente uma dessas personalidades de incrível intuição dos fenômenos e das técnicas da física experimental, além de criativo e possuidor de indomável energia para enfrentar os problemas que se apresentavam.

A história da física no Brasil começou verdadeiramente a partir de 1934, quando a burguesia paulista resolveu criar uma universidade em torno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Naquela época, a transferência de conhecimento ocorreu em virtude da migração de talentos da Europa para os EUA e também para o Brasil (ocasionado pela ascensão do nazismo na Alemanha e pela solidificação do fascismo na Itália).

Havia, naquela época, como hoje também há em inúmeros laboratórios, um saudável ambiente de pesquisas e de estímulo à produção científica.

No final de 1943, Lattes, Schützer e Schenberger estudavam o campo da radiação do elétron, no que diz respeito aos aspectos relativos a partículas de dipolo. As minúcias desses experimentos estão relatadas nas correspondências entre José Leite Lopes e Cesar Lattes (Marques,1994:70-87).

Lattes foi aluno de Física Geral e Experimental de Marcello Damy de Souza Santos, que o descreve como: (...) “um caráter sem jaça...total ausência de “canonicidade”, aliada à uma indômita coragem moral, uma grande bondade e lealdade para com seus amigos”(...) e ainda: “ Lattes é uma figura ímpar no cenário da física e nos meios científicos do país e do exterior”.

Em virtude dessas qualidades é que os professores Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini convidaram-no, ainda aluno, para participar das pesquisas que se realizavam sob suas direções.

Registra-se o fato curioso de que foi o próprio pai de Lattes - um italiano de nome Giuseppe – que apresentou Lattes a Wataghin, por perceber no filho seu interesse pela física.

Durante a Segunda Guerra Mundial os físicos brasileiros foram mobilizados para a solução de problemas das Forças Armadas, relativos à detecção de submarinos e navios de superfície. A resultante foi a construção de equipamentos de sonar e de sondagens por meio de ultra -sons.

Esses trabalhos eram feitos na oficina do Departamento de Física. Mesmo com dificuldades, o laboratório reservou espaço para o grupo de pesquisas em raios cósmicos, constituídos por Wataghin, Occhialini e colaboradores como Lattes.

Em fins de 1944, Occhialini transferiu-se para a Universidade de Bristol, convidando Lattes para trabalhar com ele. Nessa universidade agregou-se ao grupo de pesquisadores renomados como Blackett (Prêmio Nobel de Física), Cecil Powell, e os italianos como Conversi, Pancine e outros.

Dessa fase extremamente produtiva de Lattes é que nasce a idealização e a descoberta do méson pi (uma das partículas fundamentais da natureza, diferente do méson m de Yukava, Sakata e Taketani) que deu a Cecil Powell o prêmio Nobel.

Estranhamente não receberam o prêmio Nobel: Sakata, Occhialini e Lattes, tendo ficado na galeria dos “Nobeis Injustiçados “(...) da qual fazem parte nomes famosos na Física como: Ludwig Edward Boltzman, Lora Kelvin, Paul Langevin, Arnold Sommerfeld, Ernst Pascual Jordan, dentre muitos outros”(...) segundo Bassalo(1990:40).

Lattes trabalhava na desintegração do samário e nas experiências de espalhamento nuclear idealizadas por Powell, mas seu coração se fixou nos raios cósmicos.

Nesse meio tempo, ele dominou a nova técnica, estabelecendo a relação alcance-energia nas novas emulsões concentradas. Com Camerini investigou o desaparecimento da imagem fotográfica (Occhialini, 1984:36). 

Quando Lattes viu as primeiras chapas de raios cósmicos, ele “pegou fogo”, na expressão de Occhialini, reconhecendo imediatamente a primeira desintegração do méson, tendo praticamente exigido participar dessa nova aventura.

Seu verdadeiro trabalho consistiu na análise precisa dos produtos de desintegração do méson, mostrando que a energia total produzida era maior do que a equivalente da massa aceita para os então chamados mesotrons.

No laboratório de Bristol, Lattes teve a tarefa de trabalhar na calibração da nova emulsão (espalhamento elástico entre prótons e nêutrons), que seria uma espécie de conversão do alcance de prótons e de partículas alfa em energia, bem como determinar o fator de contração da emulsão depois revelada (Bassalo, 1990:35-46).

Lattes seguiu para a Dinamarca e Suécia, a convite do Prêmio Nobel Niels Bohr, para falar sobre esse trabalho em Bristol, explicando a descoberta e as propriedades do méson pi.

A repercussão dessa descoberta levou-o para o Laboratório de Radiações da Universidade da Califórnia, já como “Expert Consultant”.

Lattes voltou ao Brasil em 1949, criando, neste mesmo ano, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, juntamente com o almirante Álvaro Alberto, Carneiro Felipe, Costa Ribeiro, Leite Lopes e Oliveira Castro. Foi o seu primeiro diretor.

Segundo Bassalo (1990:40), quando Lattes deixou o Brasil para ir à Inglaterra, estava vinculado à Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) da USP, onde era responsável pela regência da cadeira de Física Teórica e Física Matemática.

Em 1951 Lattes dedica-se à construção do laboratório para estudo da radiação cósmica, no pico do Monte de Chacaltaya, na Bolívia, utilizando-se, pela primeira vez, de enormes câmaras detectoras com emulsões sensíveis à radiação cósmica, o que resultou em grande avanço na compreensão do comportamento de partículas elementares.

Em 1955 o CBPF foi abalado por um escândalo envolvendo recursos financeiros do CNPq, o que estremeceu suas relações com o órgão. Cesar Lattes, diante da crise, preferiu transferir-se para a Universidade de Chicago, na qualidade de responsável pelo grupo de Emulsões Nucleares do “Institute for Nuclear Studies Enrico Fermi”, onde permaneceu até dezembro de 1957. (Bassalo,1990:41).

Anteriormente, em 1956, Lattes realizou estudos sobre a desintegração eletrônica dos méson pi e a correlação angular do decaimento de mésons cósmicos em grandes altitudes (30.000m).

Nos anos de 1960 e 1962, esteve na USP em tempo parcial e também em Chicago, integrando um programa internacional para o estudo de interações de partículas de altíssima energia, que era resultado dos estudos a 30.000m de altitude. Em 1964 inicia estudos sobre cosmologia e geocronologia em colaboração com o grupo de física da Universidade de Pisa, Itália.

Em 1967, transferiu-se para a recém-criada Universidade de Campinas. Como professor titular daquela instituição, criou e dirigiu o Instituto de Física. Data dessa época a sua descoberta das “bolas- de-fogo”, produzidas pela radiação cósmica, descoberta confirmada pelo grupo Brasil-Japão e também nos Estados Unidos com aceleradores de altíssimas energias. A idéia de “bola-de-fogo” foi apresentada por Wataghin, em 1941, por ocasião do Simpósio Internacional sobre Raios Cósmicos realizado no Rio de Janeiro. Essa idéia tornou-se popular depois da interpretação hidrodinâmica, dada por Lev Dadidovich Landau, em 1963.

Nessa data realizou também estudo dos traços fósseis de fissão espontânea do urânio - 238, produzida em micas, introduzindo essa nova técnica de datação de rochas no Brasil.

Em 1967 foi professor titular do Instituto de Física da UFRJ (antiga universidade do Brasil), mantendo porém, seus vínculos com a Unicamp.

Lattes foi um dos integrantes da comissão responsável pela criação do CNPq (1950-1951), sendo membro do seu Conselho Deliberativo no período de 1953-1955.

Integrou também a Comissão de Raios Cósmicos da União Internacional de Física Pura e Aplicada (1950-1959). É autor de mais de 60 trabalhos científicos publicados no país e no exterior. Occhialini (1984:69) assim se refere a Lattes:

“(...) A descoberta e análise do decaimento pion-múon é parte da história da ciência. A observação da produção de pions, quando Lattes deixou Bristol indo para Berkeley, pertence a uma outra época. Se ele só tivesse trabalhado aqueles dois anos em Bristol, já merecia um lugar na história”.

Entre as várias versões sobre a detecção do méson pi, a preferência dos cientistas brasileiros recai em uma versão de Occhialini e a de Lattes (...) a “escolha” se deu de acordo com as necessidades do meio científico brasileiro, na segunda metade da década de quarenta, que era conseguir apoio político, social e financeiro para um projeto de fortalecimento das estruturas de ensino e pesquisa no Brasil.” (Videira & Vieira, 1999:69).
 

* Hildebrando Souza Menezes Filho é analista em C&T do CNPq. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”. 

Fonte: JC-email n. 2879, 20/10/2005.


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