A descoberta do pré-sal educacional
Ronaldo Mota*

          

 

“O que o país talvez não tenha a mesma clareza, embora o achado seja de igual monta, ou maior, é a quantidade de jovens talentosos, criativos, competentes, com vocação para os estudos e que se encontram submersos, excluídos, não informados, numa camada de pré-sal e que estamos ainda descobrindo suas existências”


O Brasil tem comemorado a descoberta de jazidas de petróleo que jamais imaginou tão vastas. Ainda que motivadoras, é sabido que encontrá-las é parte de um caminho longo para torná-las disponíveis. Entre a prospecção e a extração há muito que fazer.

O que o país talvez não tenha a mesma clareza, embora o achado seja de igual monta, ou maior, é a quantidade de jovens talentosos, criativos, competentes, com vocação para os estudos e que se encontram submersos, excluídos, não informados, numa camada de pré-sal e que estamos ainda descobrindo suas existências. Sua extração renderá frutos, não menores do que as jazidas mais evidentes e já anunciadas.

Há inúmeras iniciativas que atestam a existência de um pré-sal educacional, entre elas destacam-se ações da educação superior, embora existam evidências em todos níveis e modalidades educacionais. Por exemplo, as experiências em curso de expansão das universidades federais, levando educação superior de qualidade às regiões mais remotas, abrindo cursos noturnos e implantando modelos acadêmicos inovadores, assentam-se na convicção de que os ingressantes adicionais são tão bons, ou melhores, do que aqueles que normalmente têm tido acesso.

O Programa Universidade para Todos, ProUni, o qual tem permitido a jovens talentosos das camadas mais necessitadas estudarem nas instituições privadas, demonstram seu inequívoco sucesso, consolidado e crescente.

Os resultados recentes do Enade (Exame Nacional de Desempenho Acadêmico) mostram que, em todas as áreas examinadas, os bolsistas ProUni apresentaram rendimentos acadêmicos superiores quando comparados com seus próprios colegas de turma. Nesta seleção em curso do Programa vale destacar que a média Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) dos ingressantes, até esta etapa, apresenta um crescimento qualitativo, além do quantitativo, substancial comparado com o ano passado (67 pontos contra 60). Isso tudo reflete e evidencia que o ProUni tem ainda um enorme potencial para atender o verdadeiro exército de talentos que o país felizmente dispõe e que, infelizmente, por muito tempo nos acostumamos a desperdiçar.

Da mesma forma, as iniciativas de políticas afirmativas, as mais variadas, cotas ou bônus, viés somente social ou também racial, têm tido um denominador em comum, apontando que os ingressos via essas políticas apresentam rendimentos iguais ou superiores quando comparados com seus colegas.

O sucesso geral permite prever que uma discussão pode tornar-se secundária. Embora não existam dúvidas sobre a existência de racismo, ainda restam indagações científicas relevantes sobre conceitos e critérios de raça.

Ocorre que mais do que raça propriamente, o que existem são grupos sociais, compostos por pessoas com histórias em comum bem definidas, que ao se identificarem entre si por um conjunto de semelhanças, por terem vivenciado experiências conjuntas, passadas e presentes, compartilhado valores, cultura, hábitos e costumes, podem, ou não, expressar tal identidade tanto na cor da pele como em fenótipos. Na prática, esses grupos sociais superpõem-se em boa medida com as camadas socialmente menos favorecidas.

Acerca dos sucessos em comum da expansão do ensino superior público federal, do ProUni e das políticas afirmativas, é bastante provável que a correlação estabelecida entre todos as experiências evidencie e reflita algo predominante em todas: o enorme exército de jovens intelectualmente talentosos e socialmente desfavorecidos, de variadas etnias e origens, os quais têm sido sistematicamente desperdiçados.

São pessoas com competência, criatividade, vocação e vontade de estudar que nos acostumamos a, através de filtros predominantemente econômicos, excluir e que uma vez tendo uma oportunidade a ela se apegam e evidenciam seus talentos. São talentos submersos num pré-sal social que dá demonstrações inequívocas de altíssimo potencial.

Talvez as duas reservas de pré-sal, a verdadeira e a mais evidente ainda, tenham vasos comunicantes. Ou seja, se uma delas alimentar a outra, o cenário nacional pode modificar-se para melhor muito brevemente. Se o pré-sal petrolífero permitir ampliar e melhorar a atuação em todos os níveis educacionais, permitiremos que aflorem profissionais altamente qualificados, que, por sua vez, ajudarão a desenvolver o país, a descobrir novas reservas, a desafiar novas fronteiras do conhecimento, que gerarão inéditos saltos sociais, econômicos e culturais.

É um pré-sal ajudando o outro e ambos empurrando o Brasil para onde ele precisa chegar: uma sociedade mais desenvolvida, justa e solidária.

 

* Ronaldo Mota é secretário de Educação Superior do Ministério da Educação.

 

Fonte: SBPC, JC e-mail, n. 3567, 1/8/08.

 


Coletânea de artigos


Home