Brasil
O preço de um ideal

 
 

O valor das indenizações aos anistiados políticos volta a provocar polêmica

 

Fotos Oscar Cabral, Alaor Filho/AE
CÉSAR BENJAMIN.
"Eu fiz opções. E não acho que o estado deva me sustentar, porque tenho capacidade de trabalho."

 

O carioca César Benjamin, dono da editora Contraponto, ficou preso dos 17 aos 22 anos, sendo três anos e meio na solitária. Depois, amargou dois anos de exílio. Seu irmão, o jornalista Cid Benjamin, após participar do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, foi preso e banido. Só retornou ao Brasil nove anos depois. Raimundo Pereira, que esteve à frente do jornal Movimento, foi preso em 1964 e expulso do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), uma das principais instituições de ensino do país. A legislação em vigor lhes garante compensações pelos inegáveis danos que sofreram durante os anos da ditadura militar. Mas nenhum deles quis buscar as indenizações tão generosamente distribuídas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Isso porque, acreditam, o que está em jogo não é uma questão meramente legal, mas ética. Bem diferente do que pensam outros brasileiros que foram (e alguns que dizem ter sido) perseguidos e prejudicados pelos militares e vêm embolsando quantias milionárias. "O direito à indenização deveria se restringir aos casos de comprovado e irreparável prejuízo", diz o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), que foi preso e exilado mas não pediu um centavo por isso. 

Na semana passada, o debate girou em torno dos cartunistas Jaguar e Ziraldo, cuja pensão mensal vitalícia foi arbitrada em mais de 4 000 reais, valor ao qual, por força de alguns critérios estapafúrdios da lei em vigor, se somam atrasados retroativos a 1988 de 1 milhão de reais – para cada um. Os dois tiveram de fato um papel no jornal O Pasquim, que se opunha ao regime. O que causou espanto foi saber que a conta seria paga pelos brasileiros. O também jornalista Millôr Fernandes, colunista de VEJA, definiu assim os que pediram indenização: "Eu pensava que eles estavam defendendo uma ideologia, mas estavam fazendo um investimento". A comissão já analisou

37 000 processos e julgou favoravelmente 24 600, desde que foi criada, em 2001. O estado brasileiro desembolsou quase 4 bilhões de reais com isso. 

Uma boa medida de comparação foi feita pelo jornalista Elio Gaspari, que lembrou em sua coluna nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo que o holocausto massacrou mais de 6 milhões de judeus e a Alemanha pagou o equivalente a 9,8 bilhões de reais em indenizações. Essa desproporção de valores ocorre, em parte, porque a lei brasileira sobre o assunto é vaga e impõe critérios injustificáveis para a concessão do benefício e o cálculo dos valores. O próprio presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, considera os valores exorbitantes. A lei também contempla, indistintamente, pessoas que estiveram presas durante anos a fio e outras que dormiram duas noites no xadrez. Diz César Benjamin: "Não acho certo o estado me sustentar. Tenho capacidade de trabalho. Ter explicado isso aos meus três filhos e vê-los apoiar minha decisão valeu mais do que qualquer milhão".

 

Fonte: Rev. Veja, Ronaldo França, ed. 2056, 16/4/2008.

 


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