O que faltou informar sobre a
"privatização da Amazônia"

 

Passou quase despercebida a grave denúncia publicada em página interna da Folha de S. Paulo na terça-feira (3/10), "Governo inglês divulga plano para privatizar a Amazônia", sem que até hoje o Ministério das Relações Exteriores tivesse se manifestado sobre o que seria um grave atentado à soberania dos nove países da Bacia Amazônia – em especial o Brasil, que detém cerca de 70% da região.

Porém, essa proposta pode ser apenas a ponta de um iceberg. Em verdade, ela encobriria o debate sobre o Banco Mundial, que passa por uma reorientação para manter a hegemonia dos EUA e encontrou na mudança da matriz energética mundial uma janela de oportunidade.

A matéria da Folha se baseava em artigo do jornal inglês Daily Telegraph. Dois dias antes, o Telegraph revelara as sugestões do ministro inglês do meio ambiente, David Miliband, com o apoio do primeiro-ministro Tony Blair, para transformar a Floresta Amazônica em consórcio internacional e vender as árvores a "acionistas" que manteriam a floresta em pé.

Figura-chave

Miliband atribuiu tudo a uma "distorção" do Telegraph, conforme O Estado de S.Paulo (quarta-feira, 4/10). Entretanto, a desculpa clássica perde força diante do fato de o texto do tradicional jornal inglês ter sido escrito pelo editor de política da publicação, Patrick Hennessy, um dos mais importantes jornalistas na hierarquia da empresa.

O objetivo do ministro seria deter a emissão de gases causadores de mudanças no clima no planeta, provocada pelos incêndios na mata. O desmatamento da região amazônica caiu 31%, de 2004 para 2005, mas, no ano passado, ainda foram desflorestados 18.793 quilômetros quadrados.

O Telegraph diz ainda que "uma figura-chave por debaixo dos panos tem sido Johan Eliash, o multibilionário homem de negócios nascido na Suécia, que é tesoureiro-executivo do Partido Conservador [de Blair]. No início o ano, ele comprou 400 mil acres de Floresta Amazônica por estimados 8 milhões de libras".

Ameaça a Washington

Segundo The Sunday Times, Eliash, representante do que o jornal chama de movimento de "colonialismo verde", teria adquirido em janeiro uma área, sem localização precisa, ao norte do Rio Madeira (Rondônia). No blog de Miliband, o ministro inglês diz que a proposta seria apresentada em Monterrey, México, uma semana depois, na reunião do G8 (o grupo dos sete países mais ricos e a Rússia, que nem é tão rica assim, mas reúne três instrumentos de poder global: gás natural, petróleo e armas atômicas).

O G8 se encontrou com os 12 maiores emissores de gases de mudança no clima, Brasil entre eles, e colocaria em discussão as diretrizes do Banco Mundial para o financiamento de fontes renováveis de energia – a razão de fundo para a realização do evento. Em busca de uma nova identidade após o fracasso da onda neoliberal, o banco tenta se transformar no grande agente da nova economia ecológico-global e quer se tornar o maior broker de créditos de carbono do planeta, numa tentativa de transformá-los no sucessor do dólar estadunidense como moeda padrão da economia mundial.

Assim, o banco, um dos principais vetores da hegemonia dos EUA no sistema financeiro, estaria se antecipando ao eventual fim da exploração economicamente viável do petróleo, o que se aguarda para um horizonte de 40 a 50 anos. Isto significaria uma ameaça à supremacia mundial de Washington, que baseia seu poder na capacidade militar e na articulação entre o monopólio da emissão de dólares e o controle das maiores reservas de petróleo do planeta.

Desinteresse geral

Em Gleaneagles, o G8 determinou que o Banco Mundial elaborasse nova abordagem para o financiamento a energias renováveis e que a submetesse à reunião da entidade com o Fundo Monetário Internacional realizada em setembro, na ilha-Estado de Cingapura (uma cópia – vazada e não-oficial – do documento está aqui).

Propostas estapafúrdias como a de Miliband só vicejam porque há no Brasil um enorme caldo de cultura que viabiliza tais elucubrações. O país mistura a falta de prioridade na regularização e controle fundiário de vastas porções da Amazônia com uma absurda ausência de política pública para enfrentar o problema das mudanças no clima.

E, lá no fundo, o que possibilita tudo isso é o desinteresse de toda a sociedade brasileira – incluindo governo, universidades e imprensa – pela Região Amazônica e pelos incidentes climáticos que vêm crescendo de gravidade no país.

 

Fonte: Observatório da Imprensa, Carlos Tautz, n. 403, 17/10/2006


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