PRO-IFES: O Sindicato Chapa Branca
Rodrigo Dantas*

 

Com a bênção do governo federal, do ministro Tarso Genro, dos partidos governistas e do campo majoritário da CUT foi recentemente anunciada a criação do PRO-IFES, proto-entidade sindical criada de cima para baixo que pretende representar os docentes das Instituições Federais de Ensino Superior.  Ela é composta basicamente pela oposição à direção do ANDES-SN, que mais uma vez derrotada nas últimas eleições busca agora dividir a categoria docente.

Os integrantes do PRO-IFES ainda não apresentaram uma análise da conjuntura mundial e brasileira e da situação da universidade pública e da educação superior que nos permita travar a necessária discussão política e indicar claramente em que direção pretendem conduzir o movimento docente.  Sobre a reforma universitária em curso, sobre a reforma sindical e trabalhista que aponta para o cerceamento do direito de greve e da liberdade de organização sindical e para mais uma rodada de retirada de direitos, sobre o quadro crítico em que se encontram nossas instituições, sobre o processo de privatização e mercantilização da educação e da produção de conhecimento, sobre as condições do trabalho docente em meio a este quadro, procuramos em vão e não conseguimos vislumbrar nenhuma análise, nenhum posicionamento claro.  O que encontramos em seus documentos são apelos vagos e recorrentes a uma presumida “complexidade” do quadro vivido nos últimos anos, com o que buscam encerrar a discussão  (surrado expediente ideológico que, na terminologia do pensamento único, pretende substituir e ao mesmo tempo ocultar e mistificar as importantes transformações regressivas no mundo do trabalho, no papel do Estado, na universidade e no trabalho docente ocasionadas pela avalanche do capital em direção à supressão de todas as barreiras à sua realização, ou, como se costuma dizer, pelo neoliberalismo).  Ora, o mínimo que se pode esperar de um grupo que pretende fundar um novo sindicato na base do ANDES-SN é que apresente, especialmente em se tratando de docentes, uma análise da realidade e dos rumos que, em função desta análise, propõem ao movimento docente. Ficamos, enquanto isso, aguardando que expressem publicamente sua compreensão da conjuntura e do processo histórico para que a necessária discussão política possa ser iniciada.

Sendo assim, parecem restar como justificativas para criar um sindicato paralelo ao ANDES variações enviesadas em torno de uma mesma caricatura agressiva (muitas vezes, como no caso da UnB, em linguagem vulgar e totalmente inapropriada), que buscam desqualificar de forma desrespeitosa o ANDES-SN, suas últimas direções e, consequentemente, o conjunto majoritário dos docentes que as elegeram ao longo dos anos.  O eixo destas caracterizações pejorativas gira em torno da acusação de que somos “sindicalistas militantes”, ou mesmo “revolucionários”; com este anátema, pretendem desqualificar os que, nesta conjuntura adversa, de enorme refluxo da participação e da organização popular, não aceitam passivamente a destruição de direitos duramente conquistados pelos que vivem do próprio trabalho e lutam em defesa da universidade pública e socialmente referenciada e contra os processos que pretendem coagir estruturalmente a educação, o trabalho docente e a produção de conhecimento ao estatuto de um serviço, de uma mercadoria cuja produção e comercialização deve ser submetida à lógica da rentabilidade e da concorrência.

Na falta de um posicionamento claro deste grupo, apenas nos resta analisar as posições que ele vem tomando no movimento docente para que possamos avaliar quem são, o que pensam e o que pretendem seus membros.  Como vimos na recente eleição da ADUnB, concordam com a reforma da previdência e com a reforma universitária em curso e apoiam a continuidade das políticas do FMI e de FHC no governo Lula.  Na última campanha salarial, mal conseguiram disfarçar seu apoio à discriminação dos aposentados e a política salarial baseada em gratificações produtivistas, introduzida justamente na única oportunidade em que estiveram à frente de nosso sindicato. Sobre a concepção de sindicato que propõem, insistem em substituir as assembléias por consultas pela Internet, em que a direção apresenta a agenda e as questões sobre as quais o conjunto dos docentes, assim atomizados, deve decidir, na forma de plebiscito, o que é a forma mais eficaz de se controlar os processos decisórios e de se criar condições para a perpetuação do controle do sindicato pelos grupos dirigentes. Com isso, talvez dê para vislumbrar minimamente o tipo de sindicato que propõem.

Desta forma, não seria nada surpreendente que na próxima campanha salarial este grupo venha a aceitar a primeira proposta que vier do MEC e busque impô-la à categoria com o apoio do governo e dos meios de comunicação.  Para fazer o papel de sindicato chapa branca, os membros e patrocinadores do PRO-IFES contam com a reforma sindical, que segundo sua formulação no Fórum Nacional do Trabalho (instituído pelo governo para propor a reforma) facilita a criação de mais de um sindicato por categoria e prevê que os acordos celebrados por qualquer um deles possam ser estendidos ao conjunto da categoria, delegando ao Conselho Nacional de Relações de Trabalho (órgão formado pelo governo, pela patronal e pela cúpula das centrais sindicais) o poder de decidir sobre  todo o processo de organização sindical. Deste modo, o que busca o governo, a patronal e as cúpulas das centrais é abrir espaço para destruir os sindicatos autônomos e combativos como o ANDES-SN e constituírem-se sindicatos atrelados à patronal e ao Estado.  É neste espaço que pretende se inserir o PRO-IFES como sindicato chapa branca.

Neste triste enredo, quando em pleno governo Lula se busca destruir direitos conquistados, impedir a liberdade de organização autônoma dos trabalhadores, cercear o direito de greve e consagrar o processo de privatização e mercantilização da educação superior, o PRO-IFES nasce com a vocação de instrumento de implementação do projeto privatista, a serviço da reforma universitária do MEC e beneficiário de uma reforma sindical que permitirá ao governo designá-lo como representante dos docentes na mesa de negociações. Não tenho dúvidas de que os docentes saberão rechaçar este cavalo de Tróia que buscam introduzir entre nós.


* Rodrigo Dantas, Professor de Filosofia na UnB, e Presidente da ADUnB.

Fonte: ANDES-SN, 05/11/2004.


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