O incrível caso do quilo que encolheu

 

O cilindro que serve de referência às balanças está perdendo peso

 

Fotos BIPM
O grand K, fundido em 1889 e guardado em Sèvres: 50 microgramas a menos.

 

Sempre que alguém sobe numa balança para observar o peso ou pede ao açougueiro uma peça de carne, está se efetuando uma medida em relação a um cilindro de platina e irídio guardado num cofre do Bureau Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, na França. O órgão é responsável pelo estabelecimento dos padrões de medição adotados internacionalmente. O cilindro, conhecido como Le Grand K, foi criado em 1799 pela Academia Francesa de Ciências e, desde então, é a referência usada nas balanças do mundo todo para determinar o que é 1 quilo. Para garantir a uniformidade do quilo, a partir de 1889 várias cópias do cilindro foram distribuídas a diversos países. Agora, os cientistas ligados ao Bureau acabam de descobrir, com surpresa, que o cilindro original vem perdendo massa – e, portanto, peso – com relação a suas cópias. A diferença é da ordem de 50 microgramas. Isso equivale a menos de um grão de açúcar. Parece pouco, mas as mudanças nessa unidade de massa, teoricamente, influenciariam o valor de outras unidades, como o ampère e o volt, cujo cálculo está relacionado ao quilo. Do ponto de vista simbólico, a descoberta da alteração no peso do cilindro-mãe cria uma situação inusitada: 1 quilo não é mais 1 quilo. 

A explicação mais provável para a diferença de peso entre o cilindro de Sèvres e seus irmãos é que ao longo dos séculos ele venha liberando gases resultantes do seu processo de fundição e, com isso, perdendo massa. Outra hipótese, menos provável, é que a platina de todos os cilindros esteja reagindo com o mercúrio poluente presente no ar. O original e as cópias estariam, na verdade, ganhando massa em vez de perder. O Grand K, mais protegido e menos manipulado, apenas estaria ganhando massa a um ritmo mais lento. Fica evidente a necessidade de encontrar uma forma mais confiável de definir o quilo. O assunto foi debatido em novembro passado durante a Conferência Geral dos Pesos e Medidas, em Paris. A meta, a partir de agora, é associar o quilo a uma constante da natureza, a exemplo do que foi feito com o metro. Até a segunda metade do século XX, o metro era representado por uma barra de metal (veja o quadro). 

Para substituir o Grand K, os pesquisadores trabalham com duas possibilidades. A primeira é o uso da chamada balança de watt. Nesse caso, o quilo seria definido pela corrente elétrica necessária para gerar uma força equivalente a esse peso no campo magnético da balança. Todas as peças equilibradas pela mesma corrente teriam 1 quilo. Outra possibilidade é associar o quilo ao número de átomos de silício presentes numa esfera de cristal. Por esse método, qualquer corpo terá massa de 1 quilo quando seu peso for igual ao do total de átomos de silício da esfera. Para quem se pesa ou vai ao açougue, o importante é que 1 quilo volte a ser 1 quilo.

 

A evolução do metro

 


O antigo metro-padrão: aposentado pelo avanço da ciência.

 


Uma discussão semelhante à que ocorre hoje para criar um padrão mais preciso para o quilo já aconteceu no passado com o metro. O metro foi definido em 1791 pela Academia Francesa de Ciências como a distância compreendida entre o Pólo Norte e a linha do equador, medida sobre o meridiano que passa sobre Paris e dividida por 10 milhões. Para facilitar o uso e a difusão dessa unidade, o Bureau Internacional de Pesos e Medidas criou, em 1889, um protótipo de platina e irídio que passou a servir de referência para o metro no mundo inteiro. No século XX, começou-se a buscar uma definição para o metro que não dependesse de um artefato físico e que fosse baseada numa constante fácil de reproduzir. Desde 1983, ficou acertado pelos especialistas em pesos e medidas que o metro corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, no intervalo de um segundo dividido por 300 milhões.
 

 

 

Fonte: Rev. Veja, Vanessa Vieira, ed. 2042, 9/1/2008.

 


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