Por que o rebotalho dá as cartas
Roberto Pompeu de Toledo*

 

Se a ligeireza e a patifaria dominam a política brasileira,
é por culpa da polarização entre PT e PSDB


A polarização da política brasileira entre PT e PSDB faz mal à política brasileira. É a principal responsável pelas barganhas, pelo fisiologismo, pelas tenebrosas transações e pelas diversas modalidades de atentado ao Erário, às instituições e ao pudor a que a pobre pátria, tão distraída, tem sido submetida. É o que se defenderá, adiante. Antes, recordemos trechos recentes de autoria de alguns dos mais bem informados (e, principalmente, das mais bem informadas) colunistas políticos(as) do país. Eles evidenciam um grau de depravação dos costumes políticos de tirar o chapéu, sim, senhor, de tirar o chapéu, mesmo para quem já está acostumado.

O primeiro trecho é do artigo publicado por Eliane Catanhêde na Folha de S. Paulo no dia 18 de fevereiro:

"Não foi um eleitor descrente, um jornalista cáustico ou um deputado qualquer, mas, sim, o próprio presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), quem admitiu que o troca-troca entre partidos não é à toa, mas em espécie: 'Um recebe dez, outro recebe quinze, outro recebe vinte...', disse à Folha. 'Vinte o quê? Reais?', perguntei. E ele, claríssimo: 'Vinte mil, trinta mil' ".

O segundo trecho apareceu na coluna de Ancelmo Gois no O Globo de 4 de janeiro:

"São tenebrosos os relatos de quem passou a madrugada no Congresso para aprovar o Orçamento de 2005 na última sessão do ano passado. Há registro de negociações de relatórios e de modificações de destino de verbas de até R$ 500 mil para deputados a título de comissão. Na última sessão, lobistas de empreiteiras agiam livremente. (...) Aliás, já está na hora de fazer uma nova CPI do Orçamento, como aquela que levou à cassação dos deputados-anões".

Por fim, aí vão as linhas iniciais da coluna de Dora Kramer, no O Estado de S. Paulo da última quarta-feira, 9:

"Invocando a condição de 'partido do presidente da Câmara dos Deputados, o qual o presidente da República gostará de ver aliado ao governo', o PP reclama direito à ocupação de ministérios de 'porteira fechada' no molde das fazendas vendidas com o gado dentro. A exigência é explícita por estruturas ministeriais postas inteiramente, de cima a baixo, à disposição da sanha de um partido cujo mérito inequívoco aqui é o de ter inaugurado uma nova modalidade de fisiologismo de aplicação direta. Na veia".

Será que ninguém está percebendo? Ou melhor, percebendo está, mas será que está levando na devida conta o novo patamar de ligeireza e patifaria que se está atingindo? Mais de doze anos depois da deposição de Fernando Collor, e da redenção dos costumes políticos que os mais esperançosos – ou mais ingênuos – vislumbraram à época, eis-nos a nos lambuzar num melado de degenerescência remanescente daqueles dias. Se o troca-troca de partidos e as barganhas da chamada reforma ministerial foram e continuam sendo fartamente noticiados, o mesmo não se dá com as manobras da Comissão de Orçamento. Isso se deve em parte à opção preferencial da imprensa pelo meramente político, em detrimento dos assuntos com conteúdo técnico, como é o Orçamento, mas não apenas. Deve-se também ao fato de as oportunidades para a prática da prevaricação serem múltiplas. Fixa-se a atenção em uma e outra passa por baixo da perna. Corre-se atrás da outra e uma terceira se consuma no impenetrável do escondidinho.

O fato de o PT e o PSDB se colocarem em pólos opostos, como os dois grandes rivais da política brasileira, facilita os movimentos dos que estão na vida pública atrás de negócios e oportunidades. Explica-se. Esses dois partidos são os que concentram o maior número de pessoas com bons níveis de qualificação técnica e intelectual e de decência pessoal. Não são lá uma esquadra inglesa, mas vá lá – são o que temos. Juntos, poderiam se opor ao rebotalho. Separados, precisam se unir a ele. O PSDB se uniu ao rebotalho para enfrentar o PT, quando estava no governo. Agora é o PT que a ele se une, para enfrentar o PSDB. O resultado é o espetáculo triste e cansativo do troca-troca partidário ("Vinte mil, trinta mil"), da eleição de pessoas inadequadas para a direção da Câmara ou do Senado, da exigência de ministérios com "porteira fechada" por parte de facções de escassa representatividade e duvidosa reputação.

Muita coisa une o PT e o PSDB. Inclusive, desde que o PT assumiu o poder, o grosso da linha doutrinária. Separa-os algo mais importante do que as doutrinas, mais decisivo do que as ideologias: a disputa pelo poder. Seria impensável, a esta altura, uma união, porque não há hipótese de um ficar a reboque do outro. Resta que, como nenhum tem, nem, até onde a vista alcança, terá, maioria no esfacelado quadro partidário brasileiro, é destino de um e de outro, quando no poder, amparar-se no largo regaço da banda podre da política nacional, sempre atenta às oportunidades, sedenta de transações e com incorrigível inclinação à chantagem. Azar do Brasil.
 

*  Jornalista desde 1966, Roberto Pompeu de Toledo trabalhou em vários órgãos da imprensa diária e semanal do País. Foi editor-executivo do Jornal do Brasil e correspondente da revista Veja em Paris, e, como editor especial da Veja,  faz reportagens especiais e mantém uma coluna na revista, publicada na última página, a cada dois números.

Fonte: Revista Veja, Edição nº 1896, 16/03/2005.


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