Educação
Receita mineira

 

O bom exemplo de Minas, que emplacou as cinco universidades campeãs no
novo ranking do MEC
 

A cada nova prova aplicada pelo Ministério da Educação (MEC) para avaliar a qualidade do ensino – e lá se vão dezenas delas desde a década de 90 –, duas conclusões têm se mantido inalteradas. A primeira, mais geral, diz respeito ao nível da educação no país: ele oscila entre o "ruim" e o "péssimo", sempre. A outra conclusão toma como base o mapa brasileiro da excelência. Em meio a estados e municípios atolados em notas vermelhas, Minas Gerais vem se destacando por superar a média, em todos os níveis de ensino. A recente divulgação dos novos dados do Enade, prova do MEC para aferir a qualidade nas universidades, mais uma vez ressaltou a eficiência mineira, mas agora mostrou algo que surpreendeu os especialistas.

 

Foto: Nélio Rodrigues/1º Plano
Laboratório da UFMG, a melhor do país: pesquisa vendida às empresas.

No ranking nacional, as cinco melhores universidades do país vêm de Minas (veja o quadro ao lado). São solitárias ilhas de bom ensino reveladas num cenário desastroso: apenas 4% dos cursos do país tiraram a nota máxima (5), enquanto nas faculdades campeãs esse foi o caso de 60% a 80% deles. Ainda que a Universidade de São Paulo (USP), com a reputação de a melhor do país, tenha boicotado a prova (por "não concordar" com avaliações do gênero), o que dizer sobre a desconhecida Estadual de Montes Claros (Unimontes), encravada numa região pobre do estado, aparecer como a segunda melhor do país? Ou as federais de São João del-Rei e Viçosa terem superado outras universidades bem mais celebradas no meio acadêmico?

Cada uma conta com um conjunto próprio de medidas acertadas, a maioria já testada, com sucesso, em universidades estrangeiras. Em Viçosa, por exemplo, implantou-se um sistema bem simples: no fim do ano, premiam-se com medalha ao mérito os melhores alunos e professores, uma prática que tornou o ambiente de lá mais competitivo – e eficiente. Em Montes Claros, os estudantes são incentivados a aventurar-se cedo pelo mercado de trabalho: a universidade ajudou 2.000 deles a participar de 86 projetos fora do campus, experiência prática que, não resta dúvida, já lhes faz diferença. Um ponto que certamente une as cinco campeãs mineiras, e ajuda a explicar seu sucesso, é a cultura local de arranjar dinheiro na iniciativa privada. Por meio de fundações, elas arrecadam, em média, 50% de seu orçamento para investimento com a venda de pesquisas e a prestação de serviços fora do mundo acadêmico, modelo que tem contribuído para a redução da burocracia que ainda predomina nas universidades do país. "Esse sistema traz mais dinheiro e agilidade na resolução dos problemas", resume Luiz Raggi, pró-reitor de ensino em Viçosa.

Em tese, todas as universidades podem estreitar os laços com a iniciativa privada, e elas deveriam fazer isso com mais freqüência. Levam vantagem, no entanto, aquelas que, como as de Minas, se esforçam para oferecer pesquisa sintonizada com as demandas do mercado. No caso da número 1 do ranking, a Federal de Minas Gerais (UFMG), calcula-se que a venda de tecnologias ali desenvolvidas tenha rendido 2 bilhões de reais à universidade na última década. A professora Erna Kroon, doutora em microbiologia, dá um bom exemplo. Campeã brasileira em pedidos de patente, registrados no Brasil e no exterior, ela hoje negocia com empresas a venda de um kit de diagnóstico para anemias eqüinas infecciosas. Sim, é algo bem específico, mas há quem queira comprar. "A maioria dos acadêmicos no Brasil reluta em pesquisar o que de fato interessa", diz a professora da UFMG. Nas cinco campeãs mineiras, o pragmatismo costuma se sobrepor às velhas lamúrias sobre falta de verbas. Um dado concreto: todas elas vivem com orçamento menor do que a média das faculdades do país. A vice-campeã Unimontes tornou-se referência nacional com o equivalente a 30% dos recursos da USP.

O bom resultado dos universitários mineiros deve-se, ainda, a um fato evidente – eles vêm de algumas das melhores escolas do país, segundo mostrou o novo Ideb, divulgado na semana passada. Especialistas de diferentes matizes ideológicos são unânimes ao afirmar que Minas tem se destacado em sala de aula por tomar a dianteira na implantação de medidas aprovadas em países de boa educação (veja o quadro abaixo). Uma decisão acertada foi ter esticado em um ano a duração do ensino fundamental na rede pública, algo que o restante do país fará, por exigência do MEC, até 2010. Deu a crianças pobres como Erick Teixeira a chance de freqüentar a escola aos 6 anos – e não aos 7. "Já consigo até ler as legendas dos filmes na televisão", gaba-se o menino. Outra medida em prol do bom ensino foi tomada pelo governo do estado, no ano passado: os professores que ingressam nas escolas por meio de concurso público passaram a ter o desempenho avaliado por uma comissão de especialistas, ao longo de três anos. Ao contrário do que ocorre no restante do país, os maus professores de Minas podem ser demitidos, caso de 237 deles até então. Diretora na escola Professor Leon Renault, uma das melhores do país, Maria de Lourdes Sassy traduz os ganhos: "Finalmente, vou poder dispensar os professores que não sabem ensinar". É um bom começo.

 

 
 

 

Fonte: Rev. Veja, José Edward e Marcos Todeschini, ed. 2015, 4/7/2007.
Com reportagem de Pedro Ricardo Costa.

 

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