Situação das federais se agrava com novo orçamento
 

Após passarem por situação crítica em 2002, universidades federais vivem expectativa de conviverem com orçamento ainda pior em 2003.

 
"Após sete anos como reitor, posso dizer que 2002 foi o pior ano para gerir uma universidade pública". A frase, dita pelo reitor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Mozart Neves Ramos, reflete o tratamento dispensado às universidades federais pela União durante o ano: atraso no repasse de verbas, contingenciamento do orçamento e novas limitações à já restrita autonomia. Para agravar a situação, o orçamento de 2003 aprovado no Congresso não traz perspectivas animadoras.

Para cumprir com as metas fiscais firmadas no acordo da União com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que prevê metas de superávit primário maiores, o governo se viu obrigado a trabalhar com um planejamento ainda mais apertado. Segundo o deputado federal Doutor Rosinha (PT/PR), sub-relator do orçamento para as áreas de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Esporte e Turismo, a elevação da meta de superávit para 3,75% afetou todo as áreas do governo. Desta forma, a LDO 2003 (Lei de Diretrizes Orçamentárias) prevê para o MEC (Ministério da Educação) recursos no valor de R$ 18.037.343.186,00, apenas 3,54% superior ao designado em 2002.

Do montante destinado ao ministério, boa parte é repassado às universidades federais, que respondem por cerca de 50% do orçamento. No entanto, a verba não é encaminhada integralmente para as IFES, que, sem autonomia para gerir os recursos, recebem apenas a parte que é destinada ao custeio e capital. Os pagamentos de funcionários e pensionistas são remetidos diretamente aos beneficiários pelo governo. "O governo coloca o orçamento de pessoal em um documento separado que, normalmente, as universidades não tem gestão. Nesta questão nós não nos envolvemos porque são contas meramente técnicas", explica o reitor da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) e diretor da comissão de Orçamento da Andifes, Paulo Jorge Sarkis. "As discussões salariais entre as categorias, inclusive, são feitas diretamente com o governo".

Assim, embora contem com uma previsão orçamentária de R$ 8.409.325.039,00, as 53 instituições representadas pela Andifes contam com um orçamento de custeio e capital de, aproximadamente, R$ 470 milhões, ou seja, 5,5% do total. O valor traz más notícias para os dirigentes das federais. Em 2002, a verba das IFES era de R$ 411 milhões, o que representa um reajuste de 14,36% no repasse, número bastante inferior aos 25,31% registrados pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), que aponta a inflação do ano e é utilizado pelo governo para reajustar tarifas públicas, como água e energia elétrica. Sem uma correção coerente com as variações da economia, as universidades precisarão recorrer, novamente, a paliativos, como a Emenda Andifes, para complementar o orçamento.

Evolução dos orçamentos das IFES nos últimos anos

 

Total (em reais)

Reajuste

Igp-m

2000

13.385.713.728,00

-

9,95%

2001

14.484.994.702,00

8,21%

10,37%

2002

17.421.387.553,00

20,27%

25,31%

2003

18.037.343.186,00

3,54%

-

Fonte: Orçamento da União e FGV

"Teremos problemas, sem dúvida nenhuma. Se não forem executadas as emendas, se repetirão os erros de 2002", alerta Sarkis. Apesar de servir para complementar, de fato, o orçamento das federais nos últimos anos, a Emenda Andifes é prova concreta de que há algo errado na previsão de distribuição de recursos para as IFES. "Está mais do que na hora de se pensar em um modelo de financiamento para as universidades. Não dá mais para trabalhar o complemento do orçamento das universidades com base em uma emenda", critica Ramos. "Há 5 anos só conseguimos fechar o ano graças a uma emenda de custeio. Acho que é fundamental, neste momento, que se estabeleça qual o custo real para a manutenção das instituições".

Em 2002, as universidades federais chegaram bem próximo do caos administrativo. Nos últimos três meses, em especial, a situação praticamente fugiu ao controle dos dirigentes. Grandes universidades, como a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), deixaram de pagar fornecedores e serviços prestados por concessionárias públicas. Além do atraso da liberação da Emenda Andifes (o que ocorreu apenas no antepenúltimo dia para empenho orçamentário desta verba), os duodécimos referentes a setembro, outubro e novembro foram liberados com atraso. "Desde maio, uma série de atos, como por exemplo a questão do contingenciamento do orçamento e o bloqueio dos recursos próprios, dificultaram o planejamento", conta Ramos. "E mesmo a execução orçamentária foi problemática. Praticamente 30% do orçamento foi pago apenas no mês de dezembro".

Enquanto sofrem com a falta de recursos, os reitores buscam alternativas para a solução do problema. Após dois anos turbulentos, as IFES acumularam dívidas com fornecedores e, além de pensar no custeio de suas atividades normais, precisam lutar para colocar suas contas em dia. Para o reitor da UFPA (Universidade Federal do Pará), Alex Fiúza de Mello, o ponto de partida deve ser a criação de uma nova matriz de distribuição, que respeite as diferenças regionais e recompense os esforços das IES. "É preciso que se faça um diagnóstico sério. As universidades devem ser tratadas como um sistema, onde os mesmo critérios sirvam pra balizar todas as instituições sem privilégios", cobra.

Entre os reitores, há um consenso de que o governo precisa analisar de perto as universidades para construir uma matriz que leve em consideração o alcance de cada instituição e sua importância no contexto em que ela opera. "É preciso criar uma política nacional, levando em conta a qualidade das universidades em cada região. Saber o que é ter uma universidade na Amazônia e o que é ter uma universidade em São Paulo, com critérios qualitativos pra fazer esta definição. E depois criar matrizes que sejam padrões pra todas as universidades", opina Mello. "O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) apenas contabiliza dados, mas não há uma política do MEC pra corrigir as distorções. E isso o governo tem de fazer".

Comparativo orçamentário das IFES - 2002/2003

 

Total (em reais)

Emendas

Assistência

2002

411.000.000,00

64.000.000,00

4.500.000,00

2003

470.000.000,00

73.000.000,00

5.000.000,00

Variações

14,36%

14,01%

11,11%

Fonte: Andifes

Na opinião do professor Ramos, é preciso que se crie uma agenda proativa de discussão com o governo, para que haja um comprometimento entre as partes. Segundo ele, o caminho para a solução do problema passa pelo estabelecimento de uma relação de confiança entre universidades e governo. "Precisamos estabelecer um protocolo que possa ser cumprido pelo governo e pelas universidades para expansão e financiamento do sistema", afirma. "Estamos perdendo uma grande oportunidade de melhorar a infra-estrutura de salas de aula, dos laboratórios. Como não temos dinheiro nem pra pagar direito a manutenção básica - água, luz, telefone - somos obrigados a pedir uma emenda para custeio, quando deveríamos estar lutando por investimento em expansão".

Outro problema presente no orçamento 2003 é a ausência quase total de recursos para novos investimentos. Em algumas universidades, o valor é quase inferior a 1% da verba destinada. Para a UFRJ, que conta com um orçamento de aproximadamente R$ 788 milhões, o orçamento prevê apenas R$ 1.006,00 para investimento. Com isso, as universidades vêem limitadas suas possibilidades de expansão. "As federais precisam passar por um desenvolvimento físico. Não no nível que passou na década de 70, quando ainda estavam por construir. Mas precisa haver uma expansão, nem que seja de 20%, 30% do espaço. Caso contrário, nem adianta nem pensar em expansão de vagas", alerta Mello.

Palavra de ordem é autonomia

A construção de uma nova agenda de discussão passa, no entanto, por dois pontos cruciais: o restabelecimento do diálogo com o governo e a concessão de autonomia por parte do MEC. "Nem é preciso que se amplie os recursos neste primeiro momento. Se houver diálogo e se conseguirmos autonomia das universidades é o suficiente pra dar um salto de qualidade. Nem um centavo a mais no orçamento. Apenas autonomia e diálogo com o governo", propõe Mello. Segundo ele, com as universidades tendo liberdade para aplicar seus recursos, o gasto será racionalizado, aumentando, indiretamente, o poder de alcance das verbas.

Para o reitor da UFSC (Universidade Federal Santa Catarina) e presidente do Projeto Columbus, Rodolfo Joaquim, a transferência do controle para as universidades levaria o sistema a um salto de qualidade imediato. "A autonomia e o diálogo geram recursos. Porque, em primeiro lugar, você economiza e depois porque pode gastar melhor, pode aplicar melhor o dinheiro, a partir do momento em que a universidade consegue ter uma programação definida - o que hoje é impossível", explica. "Não há mais como gerir a universidade com todo esse engessamento que o governo impõe", concorda Ramos.

Quanto ao diálogo, apenas críticas. Segundo os reitores, nos últimos oito anos, o ministro Paulo Renato Souza não deu atenção às reivindicações das universidades. "Diálogo é essencial. E não tivemos com esse governo. Realmente, foi um diálogo de surdos, cada um falando de um lado. Não houve nenhuma disposição do ministro da Educação para o diálogo, foi sempre um tratamento muito difícil. E nós temos certeza que isto não custa dinheiro nenhum", lamenta Joaquim.

Apesar da atual situação das universidades - e com poucas perspectivas de reajuste no orçamento das IFES - as expectativas em relação ao novo governo são boas para os dirigentes das IFES. Parte desta esperança se deve à escolha de Cristóvam Buarque para o cargo de ministro da Educação. Como já foi reitor de uma universidade federal (da UnB - Universidade de Brasília), Cristóvam conta com o apoio dos reitores que acreditam ter nele um defensor de posições consideradas fundamentais, como a defesa da autonomia e a ampliação do diálogo. "Eu tenho a impressão de que o caminho está sendo, por enquanto, bem percorrido. Nós esperamos que isso ocorra, de fato, durante todo o governo. Mas havendo diálogo já é meio caminho para encontrar a solução", conclui Joaquim.


Fonte: Portal Universia - 10/01/03.

 

 

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