Subversão salarial

 

Alguém sabe explicar por que professor-doutor de universidade vale menos
que um delegado ou auditor?
 

Se o país se conhecesse melhor, muita discussão perderia sentido. As soluções provavelmente fossem menos polêmicas e mais fáceis e o crescimento econômico com justiça social já estivesse consolidado.

Consulte-se aleatoriamente, por exemplo, o último relatório sobre o mercado de trabalho divulgado pelo Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, um órgão público. No quadro sobre o rendimento médio habitualmente recebido, constata-se que o setor público, em fevereiro, pagava 53% acima do salário médio do trabalhador do setor privado com carteira de trabalho (R$ 1.690 contra R$ 1.101).

Se a comparação for com o rendimento do trabalhador informal, da ordem de R$ 754, a diferença tremenda: 124% a mais em favor dos servidores públicos em todos os níveis de governo. E, no entanto, o que mais tem ocorrido nos últimos anos são greves de atividades públicas. No momento, há greves na Polícia Federal, no Ministério da Cultura, no Banco Central, todas de categorias mais bem pagas do funcionalismo, e isso para ficarmos só na área federal.

Mas não só os salários do setor público são muito maiores que os da iniciativa privada. Para as categorias mais fortes, não existe o menor critério entre tempo no serviço, formação e hierarquia, regra é o igualitarismo, um desvio que, acumulado com o instituto da estabilidade no emprego, desestimula a busca por qualificação contínua e inviabiliza todo esforço de aumento de produtividade.

O salário de ingresso na carreira de auditor-fiscal da Receita Federal, por exemplo, era, segundo boletim de outubro de 2006, de R$ 10.155. É o que recebe qualquer concursado recém saído de uma faculdade. Fique 30 anos ou mais na Receita, faça cursos, dê o sangue: o teto salarial será R$ 13.382, uma amplitude de apenas 32% em relação ao piso. Não é que o teto seja baixo. Quem aufere está na no topo da classe média alta, e a própria Receita o define como “rico”. Altíssimo salário inicial.

Trata-se tudo o que é público como se não fosse de ninguém, e danem-se bom senso, equidade com a sociedade, os ônus sob a forma de carga tributária. Tais distorções se espalham por todo setor público. Um pesquisador em saúde pública da Fiocruz com mestrado entra na carreira com 4.756 e se aposenta com R$ 5.096, o que representa uma faixa de variação de apenas 7%. Já especialista com doutorado que ficar a vida toda na carreira nada ganhará a mais. O salário, de R$ 9.298, é igual para todos desse nível.

Salários sem nexo

Por que um professor universitário com doutorado e dedicação de 40 horas semanais entra na carreira ganhando R$ 1.820 e tem como teto R$ 5.131? O que faz o professor-doutor valer menos que outro doutor da Fiocruz? E ambos valerem menos que um auditor-fiscal? E todos eles receberem menos que um delegado da Polícia Federal, uma categoria com salário inicial de R$ 10.862 e final de R$ 15.391?

Não procure no governo quem saiba dar estas respostas. Elas não existem. Se tais salários não guardam nexo nem dentro do governo, o que falar com os da iniciativa privada? Eles são o que a força de uma categoria conseguir arrancar do governante. Nada mais.

As distorções salariais no governo são graves, o que também tem a ver com o clima organizacional no setor público ser conflituoso e com tendência para a politização — o caminho mais curto para que o empregador final, ou seja, a sociedade, esteja sempre rifado. É o que se vê no setor de energia. Um especialista da Agência Nacional de Energia Elétrica recebe de R$ 4.797 a R$ 10.104 (piso e teto).

Já o analista ambiental do Ibama recebe, respectivamente, de R$ 3.921 a R$ 7.013. Este é o que analisa projetos como o das usinas polêmicas do Rio Madeira. O outro acompanha a execução do projeto. São funções e responsabilidades equivalentes. Não pode dar certo.

Sensibilidade zero

A propaganda de todos os governos os apresenta como campeões do social. Na prática, como gestores de recursos humanos, eles têm a sensibilidade de couro de jacaré, quer dizer, nenhuma.

Não é à toa que o funcionalismo vive em pé de guerra, mesmo quando ganham, em média, mais que qualquer um no país. Mas quem há de pensar nisso em meio à iniqüidade e baixo reconhecimento? É um ambiente para a não-colaboração, de discussão sem fim e... Sim, aumento salarial a quem gritar mais, para o governante governar em paz. É de lascar.

Deflação de serviços

A variação de 0,26% em maio, praticamente igual ao 0,25% de abril do IPCA-15, a medida de inflação fechada no meio de cada mês, é a prova contundente de que a taxa Selic pode aceitar cortes maiores que o avaro 0,25 ponto de percentagem praticado desde o início do ano. O índice continua supercomportado. Impressiona, ao decupá-lo, a deflação de 0,09%, primeira desde julho de 2006, dos preços não comercializáveis (produtos ou serviços não exportáveis).

Reverteu o aumento de 0,13% em abril e compensou a alta de 0,41% dos preços comercializáveis e de 0,5% dos regulados. O destaque é que os “não comercializáveis” incluem, sobretudo, serviços, como médico, escola e cabeleireiro, cujos preços são rígidos e reagem aos saltos ao aquecimento de demanda. Isto significa que nada há que tire a inflação do sério. O Unibanco já estima que até em 2008 ela seja menor que a meta de 4,5%. Hoje, é de 2,99% em 12 meses.

 

Fonte: Correio Braziliense, Coluna Brasil S.A., 26/5/07. Publicado por Andes em 30/5/2007.

 


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