A transição necessária da pós-graduação brasileira
Simon Schwartzman*

 

 

 
 

          

"O sistema atual de avaliação e apoio à pós-graduação no Brasil precisa ser alterado
no sentido de reduzir a centralização e estimular a autonomia e a diversificação
dos diversos programas e objetivos"
 

Preparei, a pedido da comissão responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) relativo ao período 2011-2020, um texto sobre a transição necessária da pós-graduação brasileira, que está disponível aqui: http://www.schwartzman.org.br/simon/capes2010.pdf  

A ideia básica é que o modelo de avaliação criado pela Capes, que teve resultados muito positivos, está superado, e precisa se transformar. Em síntese:  

A pós-graduação brasileira, ao dar prioridade ao desempenho acadêmico, através de um conjunto de instrumentos de regulação legal, incentivos e mecanismos de avaliação, acabou criando um sistema cuja principal função, na prática, é se auto-alimentar, e que, com as exceções de sempre, nem consegue produzir uma ciência de padrão internacional, nem consegue gerar tecnologia para o setor produtivo, nem consegue dar a prioridade devida aos que buscam formação avançada para o mercado de trabalho não acadêmico.  

Esta situação disfuncional parece ser, pelo menos em parte, um resultado não previsto do sistema de apoio e avaliação conduzido sobretudo pela Capes, mas que acabou funcionando como padrão de referência para outras instituições. 

O sistema atual de avaliação e apoio à pós-graduação no Brasil precisa ser alterado no sentido de reduzir a centralização e estimular a autonomia e a diversificação dos diversos programas e objetivos que coexistem sob esta denominação geral. Nenhum país do mundo tem um sistema de pós-graduação tão centralizado como o da Capes, e isto é uma indicação de que este talvez não seja realmente o melhor formato para o século XXI.  

A transição do atual sistema para um outro, mais aberto e descentralizado, é um processo complexo que não teria como ser detalhado de antemão. É possível, no entanto, propor alguns princípios gerais que, uma vez aceitos, deveriam presidir este processo de mudança. Estes princípios incluiriam:  

- Restabelecer e reforçar o princípio da autonomia universitária de criar cursos de pós-graduação de diversas modalidades (acadêmicos, profissionais etc), sem precisar passar pela autorização prévia ou avaliação de órgãos do governo.  

- Criar programas públicos específicos para o apoio à pesquisa e pós-graduação considerados de qualidade e/ou de importância estratégica e produtiva. As instituições de pesquisa públicas e privadas deveriam poder competir por fundos destes programas, e receber apoios plurianuais que permitam seu funcionamento. Para estimular o setor privado a investir na pós-graduação e na pesquisa, incluir recursos para pagamento de pessoal e overhead administrativo das instituições.  

- Os programas de natureza mais acadêmica só seriam apoiados se satisfizessem critérios internacionais estritos de qualidade, estabelecidos através de rigorosa avaliação por pares.  

- Os programas de natureza aplicada deveriam mostrar ser capazes de estabelecer parcerias com setores públicos e privados interessados em seus trabalhos, e o processo de avaliação deveria incluir representantes destes setores não acadêmicos.  

- Envolver os ministérios setoriais - saúde, meio ambiente, desenvolvimento social, transportes - nos processos de seleção e financiamento da pesquisa e da pós-graduação nas respectivas áreas de interesse. 

- Instituir o princípio de cobrança de anuidades nos cursos de pós-graduação públicos e privados, especialmente para os cursos orientados para a formação profissional para o mercado de trabalho.  Este princípio deveria vir associado a sistemas de crédito educativo e bolsas que assegurassem que o acesso à educação de alto nível não ficasse condicionado à renda das famílias.  

- Abolir os rankings oficiais de cursos mantidos pela Capes e sua utilização como critério universal para a distribuição de recursos.  

A adoção destes princípios traria, como conseqüência, a criação de um amplo e diversificado mercado de programas de pós-graduação, que dependeriam, para sobreviver, seja do financiamento de seus alunos, seja do apoio a ser recebido de agências públicas de diferentes tipos, seja de seus vínculos com o setor produtivo.  

O volume de recursos públicos investidos na pós-graduação poderia permanecer o mesmo ou até aumentar, mas seria utilizado de forma descentralizada e mais afinada com os diferentes objetivos que os programas têm.  

O financiamento pleno, por mecanismos competitivos, de programas selecionados na área privada, viabilizaria o fortalecimento da pós-graduação neste setor, e a cobrança de anuidades permitiria o aumento dos investimentos privados na educação de alto nível, e permitiria inclusive que as universidades públicas pudessem receber a atender de maneira adequada estudantes de outros países interessados em estudar no Brasil.

 

* Simon Schwartzman é sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets). Artigo publicado no blog do autor (www.schwartzman.org.br).

 

 

Fonte: ABPC, JC e-mail nº 3996, 26/4/2010.

 


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