Um ano de Kyoto

  

Não faltam indícios de que o aquecimento global é um problema urgente. Seu controle exige novos acordos e medidas enérgicas

Não há muito a comemorar após um ano da entrada do Protocolo de Kyoto em vigor. Embora politicamente importante, o acordo impõe medidas modestas para frear a emissão de gases que, aprisionados na atmosfera, causam elevações da temperatura da Terra.

Tomando por base os níveis de emissão registrados em 1990, o acordo obriga os países mais industrializados a reduzir em 5,2% a descarga de gases de efeito estufa até 2012. Enquanto corre esse prazo, nações emergentes, como o Brasil, ficam isentas do cumprimento das metas.

Embora o protocolo tenha sido ratificado por 161 países, ele continua a esbarrar nos mesmos obstáculos de sete anos atrás, quando foram iniciadas as negociações acerca das medidas a serem tomadas.

O principal entrave continua a ser a recusa do governo norte-americano, que, pressionado por grupos internos do país, negou-se a ratificar o tratado.

A ausência dos norte-americanos entre os participantes do acordo compromete significativamente a sua eficácia. Estima-se que os EUA sejam responsáveis por 25% das descargas dessas substâncias.

Não é, pois, precipitado dizer que a ratificação do protocolo não será suficiente para desacelerar o avanço do efeito estufa. O acordo é uma medida importante, que sinaliza a disposição de seus signatários para combater o problema, mas se trata apenas de um primeiro passo.

Não faltam indícios de que o aquecimento global é um problema urgente. Seu controle exige novos acordos e medidas enérgicas.

Que sirva de alerta o estudo publicado nesta semana pela revista "Science", segundo o qual, nos últimos cinco anos, a quantidade de gelo que se desprende da Groenlândia dobrou devido ao aumento do calor.

 


 

Degelo na Groenlândia dobrou em 5 anos 

  

Estudo mostra derretimento acelerado entre 2000 e 2005, que está ligado a aquecimento na região e aumenta nível do mar

Uma revolução silenciosa está acontecendo numa das ilhas mais gélidas e isoladas do planeta, alertou um grupo de pesquisadores ontem. Eles mediram o quanto as geleiras da Groenlândia despejaram no oceano entre 2000 e o ano passado, e viram que o fluxo praticamente dobrou entre uma data e outra.

O fenômeno parece ter relação direta com um aumento de 3C na temperatura da região e pode significar, no futuro, um aumento muito mais radical do nível dos oceanos da Terra do que o que se esperava.

O alerta foi lançado por Eric Rignot, do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa, na abertura do 172º encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Progresso da Ciência), que começou ontem em Saint Louis. O artigo com as principais conclusões da pesquisa está na edição de hoje da revista "Science".

Segundo o pesquisador, os dados da Groenlândia jogam por terra tudo o que as pessoas achavam saber sobre o impacto das mudanças na geleiras. "Nenhum dos modelos [usados para prever o aumento do nível dos oceanos] levava em conta esse aumento no fluxo das geleiras", afirmou Rignot. "Mas não estamos vendo que esse é justamente o fator dominante na Groenlândia."

O que isso significa em números reais ainda é difícil de dizer - Rignot deixa claro que o mar não vai subir 1 m no mundo todo da noite para o dia. Mas, num prazo de dez anos, as geleiras apressadinhas poderiam passar a contribuir entre duas e três vezes mais para o aumento do nível dos oceanos do que o estimado.

Isso é crucial -e alarmante- porque, depois da Antártida, a Groenlândia guarda o maior reservatório de gelo em áreas terrestres do mundo. Se tudo virasse água, o resultado seria o brutal aumento de 7 m no nível do mar.

Os dados do estudo vieram do acompanhamento detalhado, por satélite, de movimento, espessura e velocidade das geleiras da ilha desde o fim da última década.

As geleiras são verdadeiros rios de água congelada, que normalmente fluem para o oceano a velocidades baixíssimas. Muitas vezes isso nem se reflete em perda da massa do rio de gelo, porque a queda de mais neve compensa o que é perdido para o mar.

Não é, porém, o que tem acontecido na Groenlândia: no sudoeste e especialmente no sudeste da ilha, que é possessão dinamarquesa, a chamada descarga das geleiras aumentou de 90 km3 para 220 km3 na última década.

"Tínhamos uma geleira que praticamente não havia feito nada nos últimos 60 anos e agora triplicou sua velocidade", conta Rignot. A espessura dos glaciares também caiu: em alguns casos, entre 20 m e 30 m.

"A relação entre esse processo e o aumento da temperatura é indiscutível, mas fica mediada por processos físicos complexos", diz o pesquisador do JPL. Estima-se, por exemplo, que mais calor gere mais chuva: o líquido penetraria no leito rochoso da geleira, "lubrificando-o" e empurrando-a com mais velocidade para o mar.

O quadro groenlandês é completado pelo de outras geleiras continentais mundo afora. Situação parecida se vê no Himalaia, com conseqüências potencialmente catastróficas para o suprimento de água. E na América do Sul e seus Andes, conta Gino Casassa, do Centro de Estudos Científicos de Valdívia, no Chile.

"A única estação de esqui da Bolívia, Chacaltaya, fechou porque sua geleira se dividiu em três", diz Casassa, colaborador de Rignot. E a única geleira da Venezuela andina praticamente não existe mais."
 

Fonte: Folha de S. Paulo, 17/2/2006.


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home