Uma vez corrupto ...
... sempre corrupto

 

Segundo o psicoterapeuta João Augusto Figueiró, quem comete atos de corrupção tem um transtorno sem cura.

"Uma pessoa sadia, do ponto de vista da personalidade, não pratica atividades ilícitas"

 

As pessoas que praticam atos de corrupção têm algumas características de personalidade em comum, descritas em compêndios de psiquiatria e psicologia. A afirmação é do médico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró, 54 anos, pesquisador do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Os corruptos querem a satisfação imediata dos seus desejos sem medir conseqüências, não prestam atenção às necessidades dos outros e não se arrependem”, diz. De acordo com Figueiró, a tendência a transgredir as regras se mostra desde cedo, mas pode – e deve – ser controlada com medidas educacionais e limites. Isso porque, uma vez formado, o corrupto será sempre corrupto.  

ISTOÉ – O corrupto sofre de alguma doença mental?

João Augusto Figueiró – A corrupção é uma doença social. Então, ele é um sociopata. Na psiquiatria, esse tipo de comportamento está dentro do que chamamos de transtorno da personalidade. O indivíduo não é normal porque tem uma personalidade doentia. Uma pessoa sadia, do ponto de vista da personalidade, não mata, estupra ou agride e não pratica atos ilícitos como a corrupção.

ISTOÉ – Quais transtornos de personalidade o corrupto manifesta?

Figueiró – Os mais diretamente envolvidos são o anti-social, o narcísico e o borderline.

ISTOÉ – O que é o anti-social?

Figueiró – Há um padrão de violação dos direitos dos outros, ocorrendo desde os 15 anos. Ele não segue a lei. Mente, usa desculpas e engana para o seu benefício pessoal ou prazer. É impulsivo, agressivo, não se preocupa com o bem-estar alheio, é indiferente ao sofrimento dos outros e não tem remorso.

ISTOÉ – E o borderline?

Figueiró – É o sujeito que está no limite entre o normal e o patológico. Apresenta relações instáveis de amor e ódio. Hoje está com você, mas pode imediatamente se virar contra você.

ISTOÉ – Como o transtorno narcísico se mostra no corrupto?

Figueiró – Ele se sente grandioso, com funções muito importantes. Vamos pensar, por exemplo, no ex-presidente Fernando Collor de Mello, associado a denúncias de corrupção: “Vou moralizar esse país”, ele costumava dizer. O indivíduo requer atenção excessiva e está sempre tirando vantagem em tudo. É arrogante e invejoso. Ou acredita que os outros o invejam.

ISTOÉ – Mas todos temos essas características em algum grau.

Figueiró – O psicanalista Sigmund Freud disse que o normal e o patológico são variações de intensidade das mesmas qualidades. Portanto, a qualidade que um portador de transtorno de personalidade tem eu também tenho. Mas o que Freud diz é que um neurótico sonha com o que o psicopata faz. Posso sonhar que roubei o Banco do Brasil, comprei uma casa. Tenho prazer nisso. Mas acordo e não vou assaltar o banco porque a minha moral e a minha ética me impedem.

ISTOÉ – Qual a origem desses transtornos?

Figueiró – Depende. No transtorno anti-social existem questões genéticas envolvidas. Outros, como o narcísico, estão mais ligados às vivências do indivíduo. Se desde pequeno o corrupto em formação cair em um ambiente rígido, disciplinador, essa conduta terá uma probabilidade muito menor de se expressar. Mas existem famílias nas quais os bons hábitos são desencorajados.

ISTOÉ – Por esse raciocínio, em uma família na qual há corruptos é provável que ocorra uma geração de pessoas influenciadas por esse comportamento?

Figueiró – Exatamente. Outro aspecto que colabora para isso é a cultura. Uma cultura como a nossa facilita a expressão de disposições morais ou genéticas de agir erradamente. No Brasil existem uma tolerância e uma falta de punição, de interdição, à ação transgressora.

ISTOÉ – O corrupto tem cura?

Figueiró – Os transtornos de personalidade são intratáveis, incuráveis e irreversíveis.

ISTOÉ – Na menor brecha, o comportamento volta?

Figueiró – Sim. Se o corrupto continuar no poder, a chance de repetir seus atos é total. E é importante ver o seguinte: ele trabalha psicologicamente com uma coisa que se chama projeção. Coloca no outro aquilo que é seu. O deputado Roberto Jefferson, envolvido em denúncias de corrupção, age exatamente como o escorpião ao qual comparou o ex-ministro José Dirceu. Uma vez desagradado, ataca. (O entrevistado se refere à acusação feita por Jefferson ao ex-ministro da Casa Civil, a quem chamou de escorpião. O parlamentar citou a fábula do escorpião e do sapo. O animal levava o escorpião nas costas para ajudá-lo a cruzar um rio, apesar do medo de ser picado. Embora tenha ajudado, foi picado porque o escorpião não conseguiu ir contra sua natureza).

ISTOÉ – Não existe possibilidade de haver um corrupto arrependido?

Figueiró – Na verdade, há uma, quando tem perdas. Se você perguntar ao Collor se faria tudo do mesmo jeito, pode ser que diga que não porque perdeu o cargo. Mas essa resposta é algo absolutamente auto-referente, não por consideração ao outro.

ISTOÉ – Já que o corrupto é portador de um transtorno de personalidade, na ótica da psiquiatria a sociedade deve enxergá-lo como um doente e manifestar compaixão?

Figueiró – Não, ele não merece complacência. Precisa ser contido. Se atua politicamente, deve-se contê-lo no contexto da política, tornando-o inelegível, por exemplo. E todos devem responder por seus atos na Justiça.

ISTOÉ – Qual a incidência desses transtornos na população?

Figueiró – Estima-se que a de personalidade anti-social seja de 1% a 3%. Mas entre políticos a incidência é muito mais alta do que na população em geral. Por quê? São pessoas narcísicas, que buscam o poder.

ISTOÉ – Existe outra categoria profissional na qual a corrupção se expresse com mais freqüência?

Figueiró – Entre os policiais. Tudo aquilo que se aproxima da criminalidade atrai o corrupto.

ISTOÉ – Quais os recursos para evitar novas gerações de corruptos?

Figueiró – Investir em educação, em atendimento à primeira infância, na aplicação das leis e em contenção.

ISTOÉ – E o que a psicologia diz sobre o corrupto?

Figueiró – Há três tipos de comportamento. O primeiro é o grosseiro e despudorado. Esse se compraz em fazer demonstrações ostensivas de poder e riqueza. Necessita alardear o seu sucesso econômico mesmo quando os que estão à sua volta percebem que o dinheiro exibido não tem procedência legítima. O segundo é o fraudador discreto. Tem formas de agir que tornam mais difícil a descoberta do ilícito. O terceiro tipo é aquele que se sente traído na partilha e que denuncia o esquema.

ISTOÉ – Como funciona o cérebro de um corrupto?

Figueiró – O corrupto funciona dentro do que a psicanálise chama de processos primários. Não há retardo na satisfação do desejo – tem de ser imediata. E não há negociação. O corrupto não transforma o que deseja em outra coisa. E, para conseguir, não importam os meios.

ISTOÉ – Essa satisfação é com algo material ou pode advir do prazer de cometer o ato?

Figueiró – Há o prazer da transgressão. Mas o indivíduo com esse tipo de estrutura mental é menos simbólico. Volta-se mais para o concreto. O objetivo da corrupção é apropriar-se de bens materiais, mas há também o desejo de poder.

ISTOÉ – E as pequenas corrupções do dia-a-dia nas empresas, no escritório, no setor público?

Figueiró – É o mesmo problema de personalidade e falta de contenção, em uma dimensão menor. Eles continuam se perpetuando por que a sociedade brasileira tem essa cultura permissiva. Outros países colocam freios com regras para serem de fato cumpridas por todas as pessoas, incluindo autoridades.

 

Segundo Figueiró, Collor de Mello e Roberto Jefferson, associados a denúncias de corrupção, têm traços de transtornos psiquiátricos comuns nas pessoas que fazem maracutaias.

 

Fonte: Rev. IstoÉ, Cilene Pereira e Mônica Tarantino, 06/07/2005.


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