“UNIVERSIDADE NOVA”
A FACE OCULTA DA CONTRA-REFORMA UNIVERSITÁRIA

 

O Projeto de Decreto do MEC, que institui o Programa de Apoio a Planos de  Reestruturação e Expansão das Universidades Federais e que vem sendo discutido pelos reitores das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), configura-se na mais recente tentativa do executivo de implementar a contra-reforma universitária.

De acordo com informes de seções sindicais, esse projeto de decreto já foi apresentado aos Conselhos Universitários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da Universidade de Brasília (UnB).

Tendo em vista a gravidade das proposições do referido projeto, o ANDES-SN produziu esta análise preliminar como forma de orientar o debate e a intervenção das seções sindicais e da comunidade acadêmica em geral sobre o tema. 

Número de professores X Número de estudantes 

O Art. 1º do Projeto de Decreto estabelece como objetivo “criar condições para a ampliação do acesso à educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais.¨ (grifos nossos). O pressuposto desse artigo é, pois, o de que a atual estrutura física e os recursos humanos estariam sendo subutilizados, daí o estabelecimento da meta global de elevar a taxa de conclusão média em cursos presenciais para 90% e de aumentar a relação estudantes/professor para 18/1, ao final de 10 anos (parágrafo único do art. 1º).

Com a exigência de metas tão altas para a “taxa de conclusão média”, em conjunto com o aumento da relação estudante/professor, o projeto pode resultar numa política de “aprovação automática”, desvinculada de critérios de qualidade necessários à formação plena do corpo discente. Vale ressaltar, ainda, que taxas médias de conclusão dessa ordem não têm sido a realidade das universidades no mundo inteiro.

Atualmente, a relação do número de estudantes por professor nas IFES é da ordem de 10 para 1, o que significa que a meta proposta praticamente dobra o número de estudantes na graduação presencial sem que haja contratação adicional de professores. Caso concretizada, tal meta aprofundará ainda mais a precarização das condições de trabalho e de ensino, seja pelo aumento de estudantes nas turmas seja por meio da criação de cursos novos, sem as mínimas condições de funcionamento. Vale destacar que essa relação estudante/professor não leva em consideração o trabalho desenvolvido pelo docente em atividades de pesquisa e de extensão, muito menos aquelas realizadas com estudantes na pós-graduação. A meta proposta revela a adoção de um modelo de IES que desvincula ensino, pesquisa e extensão, o que é incompatível com os princípios basilares da universidade e a qualidade requerida para a formação discente. 

Bacharelado interdisciplinar

O art. 2º do Projeto de Decreto estabelece diretrizes gerais que, tomadas isoladamente, poderiam indicar uma “positiva” preocupação com a função social da universidade. Contudo, quando tomadas no contexto mais amplo da reforma universitária, os incisos de I a IV do referido artigo revelam que os pontos norteadores da proposta de Universidade Nova (defendida pelo reitor da UFBA) se mantêm presentes. Vale destacar que a idéia central do projeto de Universidade Nova é a revisão da atual estrutura acadêmica das universidades com a criação de um “bacharelado interdisciplinar” como forma obrigatória de ingresso na educação superior. Essa reestruturação busca proporcionar acesso mais amplo a tais bacharelados, considerados de formação geral em quatro grandes áreas (Artes, Humanidades, Ciências e Tecnologia), a ser realizado em dois ou três anos, proporcionando ao estudante o direito a um diploma. No decorrer dessa fase, no entanto, instalar-se-ia uma grande competição para selecionar a minoria de estudantes que, na seqüência, teriam acesso aos cursos profissionalizantes.

Experiências relatadas por muitos professores que estudaram em ciclos básicos ranqueadores semelhantes ou ministraram aulas em tais cursos, realizados nos anos 70, dão conta de todo tipo de subterfúgios utilizados por parcela ponderável dos estudantes na tentativa pessoal de sobrepujar o concorrente próximo que, ao contrário, deveria ser seu colega e colaborador.

No Projeto de Decreto, os incisos II, III e IV do art. 2º propõem a flexibilização dos “regimes curriculares” e dos “sistemas de títulos”, implementando, assim, uma “revisão da estrutura acadêmica”, que tem como fim uma graduação “não voltada à profissionalização precoce”. Obviamente, tal formulação aproxima-se da visão generalista presente nos documentos da Universidade Nova. Na prática, essa concepção, que supostamente busca incluir os excluídos, acaba criando obstáculos adicionais ao acesso das camadas populares aos cursos profissionalizantes. 

Financiamento

Do art. 3º ao art. 7º, são tratadas questões relacionadas ao financiamento a ser destinado a cada universidade, quando da elaboração e apresentação dos planos de reestruturação exigidos de cada IFES. Contudo, ao analisar o art. 7º e o § 2º do art. 3º, percebe-se que não há recursos novos disponíveis e sim uma proposta de simples redistribuição dos recursos existentes no orçamento do MEC. Ao relacionar esses artigos com as disposições previstas no Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, que limitam gastos com contratação e reajuste de servidores públicos, conclui-se que, de fato, não haverá provisão de novos recursos para atender aos objetivos propostos. Na prática, o projeto institui, isto sim, a competição entre as IFES na busca pela maior parcela dos escassos recursos para a educação.

Em todos esses artigos, fica definido que os supostos recursos adicionais só poderão ser utilizados nas metas pré-estabelecidas no plano apresentado pela IES ao MEC. Adicionalmente, o inciso 2º do art. 5º condiciona a liberação dos “recursos adicionais” ao cumprimento das etapas previstas no plano. Note-se que, com essa orientação, fica aberta a possibilidade de, no decorrer da implementação do projeto, a IFES ter cortados os recursos a ela destinados, devido ao não-cumprimento de alguma etapa intermediária pré-estabelecida.

Finalmente, constata-se que as prometidas verbas a serem adicionadas ao orçamento de cada IFES serão ínfimas frente às altas metas de expansão de matrículas propostas no parágrafo único do art. 1º. Tal constatação decorre da análise do conteúdo do § 1º do art. 3º, que limita os gastos com as despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação a 20% dos recursos atualmente consumidos para a manutenção das atividades acadêmicas.

Não há como negar que o monitoramento por parte do MEC, do cumprimento de metas, fortemente induzidas por acenos de verbas adicionais, materializam um processo de cooptação das estruturas gerenciais num contexto de intensa contenção de recursos, interferindo diretamente na autonomia das IFES.

Na visão do ANDES-SN, está explícita, tanto nesta nova versão do decreto quanto nos textos mais antigos acerca do Projeto Universidade Nova, a tentativa de promover significativa expansão das vagas e das matrículas nas IFES, sem o correspondente financiamento, redundando no rebaixamento da qualidade acadêmica, na precarização crescente do trabalho docente e no desmonte generalizado da estrutura que deveria caracterizar a instituição universitária. Nossa análise indica que, ao contrário do propalado, a população das camadas populares não será favorecida com essas propostas.

O ANDES-SN critica e denuncia o fato de o executivo federal utilizar-se de instrumento autoritário como o decreto com a intenção de influir, de forma incisiva, na reformulação da estrutura acadêmica dos cursos de graduação universitária, num ato que poderá trazer reflexos graves para a sociedade, na medida em que altera substancialmente a configuração do processo de formação profissional. 

Ante ao exposto, o ANDES-SN julga de suma importância:

1- denunciar o simulacro montado pelo MEC quando, mantendo a aparência de respeito à autonomia universitária, interfere na administração das IFES, cooptando suas estruturas gerenciais por meio do condicionamento da liberação de verbas adicionais ao cumprimento das metas de seu projeto de Universidade Nova.

2- alertar para a estratégia utilizada pelo MEC de forçar a aprovação, em prazo insuficiente para a realização de debate do seu projeto na comunidade acadêmica e na sociedade, de um conjunto de metas cujos resultados, segundo a avaliação do ANDES-SN, serão profundamente danosos ao projeto de universidade pública de qualidade socialmente referenciada.

Para finalizar, o ANDES-SN destaca que o Projeto de Decreto, que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, complementa o conjunto de medidas governamentais, inclusive aquelas que tramitam no âmbito do Parlamento, que configuram a Reforma Universitária.

 


O ANDES-SN CONCLAMA TODOS A COMBATEREM
ESSE PROJETO DE DECRETO
NO BOJO DA MOBILIZAÇÃO EM DEFESA
DA UNIVERSIDADE PÚBLICA, GRATUITA E
DE QUALIDADE SOCIALMENTE REFERENCIADA,
QUE HOJE TEM SUA EXPRESSÃO
MAIS CONTUDENTE NA FRENTE DE LUTA
CONTRA A REFORMA UNIVERSITÁRIA.

 


Fonte: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, março de 2007.

 

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