Universidade Nova: Um novo ciclo no ensino superior?

 

Execrado por jovens, criticado por especialistas, o vestibular já teve seu fim anunciado diversas vezes. Mas, apesar das reclamações, vem resistindo ao tempo e permanece como principal forma de seleção para as universidades públicas. Contudo, para continuar reinando, ele deverá superar mais um embate em 2007. O projeto Universidade Nova (UniNova), apresentado no final do ano passado, em um seminário na Universidade Federal da Bahia (Ufba), tem entre seus principais argumentos de defesa acabar com esta forma de seleção, que neste ano completa 96 anos de implantação. 

Mas o fim do vestibular é apenas um dos muitos argumentos utilizados pelos defensores do projeto, que tem ambições bem maiores. O objetivo da proposta, que está sendo discutida pelo país, é reformular a estrutura curricular das universidades brasileiras. Depois de proferir uma aula magna na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Rio, no último dia 14, o reitor da Ufba, Naomar de Almeida Filho, um dos idealizadores do projeto, prepara-se para defendê-lo no seminário Universidade Nova: Anísio Teixeira e a Universidade do Século 21, que começa nesta quinta, dia 29, e vai até o sábado, dia 31, na Universidade de Brasília (UnB).  

Uma das grandes novidades do UniNova é a implantação dos Bacharelados Interdisciplinares (BI), antes da formação profissional. Os BI´s são cursos de introdução ao ensino superior, de curta duração, distribuídos pelas seguintes áreas do conhecimento: Humanidades, Artes, Tecnologias e Ciências. Alguns educadores afirmam que o BI representa uma volta ao chamado ciclo básico, instituído na Reforma Universitária de 1968.  

No entanto, Naomar destaca que a proposta é outra. "No ciclo básico, o aluno já entra na profissão. Ele faz matérias específicas para sua carreira. No caso do BI, o aluno escolhe o que vai estudar. No primeiro ano terá disciplinas como História da Arte, História da Ciência, Expressão Artística e Sociologia. Nesta fase, grandes temas serão estudados por diversos ângulos. Serão temáticas interdisciplinares. Aqueles com melhor resultado se credenciam a ter prioridade na escolha das matérias seguintes, que são voltadas para áreas específicas. Ou seja, eles escolhem disciplinas que têm mais afinidade com a carreira que pretendem seguir." 

Ao final do BI, que terá três anos de duração, o aluno receberá o diploma de bacharel em Humanidades, Artes ou Tecnologia e Ciência e poderá ingressar no mercado de trabalho ou prosseguir a formação profissional escolhendo entre Licenciatura, as carreiras profissionais de média ou de longa duração. 

O impacto da medida no mercado de trabalho é uma das dúvidas sobre o projeto. No entanto, Naomar acredita que os novos bacharéis serão valorizados pelo mercado. "Eles não terão uma formação, mas um título universitário. A realidade hoje é que muitos dos que ingressam no ensino superior saem sem nada na mão porque são obrigados, por diversos fatores, a desistir. Hoje, vivemos um mundo dinâmico, onde as profissões mudam rapidamente. O mercado já valoriza o profissional que tem uma formação ampla. A verdade é que a formação bitolada, estreita, tem fôlego curto. Atualmente é mais importante aprender a aprender. Por isso acho que essa formação será mais valorizada pelo mercado. A idéia tem sido avaliada por especialistas como uma opção criativa. Além disso, devemos lembrar que a universidade não está submetida às leis de mercado. Ela tem um compromisso de formação do cidadão pleno", avalia ele, lembrando ainda que este é um passo rumo à inovação. 

"No mundo inteiro a universidade apresenta essa formação de base. Ela é um fundamento para a vida universitária. Nosso modelo universitário ainda é o do século XIX. É preciso mudar. Acho que a Universidade Nova também irá preparar o Brasil para um maior intercâmbio com outras instituições", explica o reitor da Ufba, que se diz satisfeito com a aceitação da proposta. 

"Tenho apresentado a idéia em várias escolas. A princípio há uma reação de estranheza. Depois, acham que a idéia é boa. A universidade tem dificuldades para criar coisas novas. É claro que há resistências, mas a aceitação tem sido boa. Até o Ministério da Educação (MEC) recebeu bem o projeto." 

Reitores defendem debate sobre a proposta 

Entre as instituições que adotam o ciclo básico de ensino em alguns cursos está a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). "Para algumas carreiras temos o ciclo básico, composto por disciplinas que precedem a formação profissional. Ele tem um caráter mais técnico. Em outros, há o que chamamos de núcleo básico, formado por disciplinas de caráter de formação geral fundamentais para a formação profissional", explica o reitor da PUC-Rio, Padre Jésus Hortal. 

Para o reitor da PUC, ainda é cedo para avaliar o Projeto Universidade Nova. Segundo ele, a proposta não está muito clara. "O ciclo básico que há hoje apresenta uma concepção diferente. O projeto ainda não está muito claro, por isso é difícil opinar", diz Hortal, lembrando que se por um lado a proposta pode prolongar o tempo de formação do profissional, por outro pode significar uma formação mais consistente. "É preciso discutir se é melhor acelerar a formação ou ter profissionais bem qualificados." 

Já a reitora da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio), Malvina Tuttman, acha que é preciso repensar a universidade brasileira. E ela acredita que a discussão sobre o projeto Universidade Nova possa ser uma boa oportunidade. "Acho que esta discussão não fica apenas nas questões estruturais, por isso é positiva", diz a reitora, que acha interessante a proposta dos bacharelados interdisciplinares. 

"É preciso valorizar a formação humana de nossos profissionais, independente da área de formação. Um engenheiro deve conhecer Filosofia, Sociologia até para poder compreender o mundo. Agora, o mais importante é que essa é uma discussão que está sendo feita pela universidade, pois uma reforma Universitária não se faz de cima para baixo." 

Programa pode elitizar ainda mais a educação 

Apesar do apoio que tem recebido, o programa não é unanimidade no meio educacional. Há quem critique a proposta, apontando o UniNova como um projeto elitista. Professora aposentada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Regional SP do Andes-SN, Lighia B. Horodynski Matsushigue é contra o Universidade Nova. 

"Num primeiro contato com o assunto, o Plano Universidade Nova de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais brasileiras, incentivado pelo MEC, pode parecer positivo para pessoas menos informadas, pois aparenta atacar alguns problemas que, de fato, existem. Entretanto, numa análise global, este Plano, que tem muitos pontos em comum com uma proposta mais antiga da Academia Brasileira de Ciências (disponível em <http://www.abc.org.br>), e se mostra, no contexto brasileiro, de cunho evidentemente elitista e, até certo ponto, mesmo demagógico. Vai incentivar nas universidades públicas uma espécie de pós-médio, com feroz competição pelas vagas da etapa realmente profissionalizante. Vai dividir as Ifes em duas categorias: aquelas que apenas oferecerão o Bacharelado Interdisciplinar e as ‘de ponta’ ou de excelência. As camadas mais pobres têm poucas chances de enfrentar com sucesso tal competição, que se dará em um ambiente de salas superlotadas e com professores sobrecarregados", avalia a professora. 

Crítica do projeto, Lighia acredita que ele tem como meta aumentar a oferta de vagas sem aumentar o financiamento para as instituições. "Pretende-se quase triplicar o número de concluintes, impondo metas às Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior), como condição para o financiamento; este será muito modesto, prevendo-se R$1,98 bilhão para edificações e mobiliário e apenas (em 2012) um acréscimo de R$1,77 bilhão para a contratação de professores, servidores e manutenção. Este montante é menos do que um quinto do que atualmente é investido. Entre as metas está um aumento, para 90%, na taxa média de conclusão dos cursos de graduação, valor incompatível com a realidade do ensino universitário em qualquer país do mundo. Outra meta, que duplica o mínimo de estudantes por professor para valores bem acima do que é usual em universidades, confirma que os professores não terão chance de se dedicar à pesquisa, fator que tem diferenciado a Educação Superior pública e contribuído para o progresso das regiões onde esta se inserem." 

A colocação dos profissionais formados nos Bacharelados Interdisciplinares é outro ponto polêmico, na opinião da professora. Ela não acredita que estes jovens tenham êxito imediato no ingresso no mercado de trabalho e acha que a medida fará com que os jovens de camadas populares optem pelos cursos seqüenciais. "As instituições privadas, portanto, poderão se beneficiar com este Plano. O estudante mais pobre não pode esperar até completar 21 anos ou mais, para iniciar sua profissionalização." 

 


Entenda o projeto
 

Lançado no ano passado pelo reitor da Ufba, Naomar Almeida, o Projeto Universidade Nova tem como objetivo a completa reestruturação do ensino superior brasileiro. De acordo com o projeto, para ingressar na universidade os estudantes não mais passariam pelo tradicional modelo de avaliação, o vestibular. Em seu lugar, entraria em cena um teste avaliativo para identificar suas capacidades analíticas. Outra novidade é a implantação dos bacharelados interdisciplinares, com duração de três anos, que possibilitariam uma formação global. 

Pela proposta, após a conclusão do BI o aluno obteria o título de bacharel (em Artes, Humanidades, Tecnologia ou Ciência), podendo prosseguir com a formação profissional. Ele poderia ainda optar entre continuar o estudo universitário ou fazer uma pós-graduação. 

o caso da formação universitária, o bacharel teria três opções: Licenciatura - para a formação de professores, com um a dois anos de duração; Carreiras Profissionais de média duração - representadas por cursos como Arquitetura, Administração e Geologia, com dois a três anos de formação; e as Carreiras de Profissionais de Longa Duração, como Medicina, Direito e Odontologia, com três a quatro anos de duração. 

Ainda não está definida a forma como os estudantes ingressarão nas universidades e como será a transição entre os níveis acadêmicos. 
 

 

Fonte: Folha Dirigida, 2/4/2007.


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