Universidade em guerra

 

O projeto de reforma universitária por ser simplesmente desastroso,
em vez de se perder tempo com sua reformulação o mais lógico
seria jogá-lo no lixo e recomeçar a discussão outra vez

 
D
esde a criação dos primeiros cursos superiores, em agosto de 1827, nunca na história do país, nem mesmo durante o regime militar, o governo e as universidades estiveram em posições tão antagônicas como agora.

O motivo é o projeto de reforma universitária apresentado pelo governo do PT no final de 2004, que vem sendo repudiado pela maioria das instituições de ensino superior, públicas e particulares.

Por sua tradição e por seu prestígio na comunidade acadêmica internacional, a Universidade de São Paulo (USP) deu o tom das críticas das instituições públicas.

Segundo o Conselho de Graduação, o projeto do MEC desqualifica o conhecimento, esvazia a autonomia universitária a pretexto de ampliá-la, despreza a liberdade das unidades da Federação em matéria de ensino e viola a Constituição.

Numa iniciativa inédita, o órgão, integrado pelos diretores das diferentes unidades da USP, anunciou que não medirá esforços para tentar impedir a aprovação dessas medidas.

Embora a posição oficial da USP ainda tenha de ser formalizada pelo Conselho Universitário, após a manifestação dos Conselhos de Pós-Graduação e de Pesquisa, o reitor Adolpho Melfi já endossou as críticas do Conselho de Graduação.

Em nota sobre a reunião do Conselho a que o Estado teve acesso, ele denunciou o assistencialismo do projeto e afirmou que, se for aprovado, as atividades de ensino e a definição das linhas de pesquisa ficarão vulneráveis a pressões políticas.

O projeto, diz ele, solapa ‘os critérios do mérito e liberdade de ensino que devem orientar a educação superior e as atividades universitárias’, podendo ‘gerar efeitos comprometedores da qualidade da formação educacional’.

As críticas das universidades privadas foram ainda mais duras. Reunidas em Brasília, as 140 entidades que representam seus interesses pediram o engavetamento sumário do projeto, por cercear a liberdade acadêmica.

‘Não há como alterar uma vírgula aqui ou um ponto ali. Não tem como aproveitá-lo’, afirmou o presidente da Associação Nacional de Educação Técnica, Fernando Prado.

‘O governo está incitando a sociedade contra a iniciativa privada’, endossou o presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo, Hermes Figueiredo.

No mesmo tom, o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e antigo membro do Conselho Nacional da Educação, Éfrem Maranhão, chamou a atenção para um ponto que até agora não tinha sido abordado no debate sobre a reforma universitária.

Em vez de permitir que as instituições possam organizar-se conforme as características socioeconômicas das regiões onde estão situadas e as aspirações profissionais de seus alunos, como o projeto dá a entender devido à profusão de vezes em que recomenda gestões ‘pluralistas’, ‘participacionistas’ e ‘democráticas’, na realidade ele as aprisiona numa camisa-de-força.

‘O governo tenta impor um modelo único de Universidade. É um equívoco deixar que os cursos superiores passem pelo crivo de entidades como o Conselho Nacional de Saúde e OAB e fiquem submetidos a corporações que estão mais preocupadas com quantidade’, afirma Maranhão, receando que esses órgãos interfiram na oferta de vagas dos vestibulares, para diminuir a entrada de novos profissionais no mercado e reduzir a concorrência.

Diante da contundência dessas críticas, o ministro Tarso Genro já cogita de aumentar por mais 90 dias o prazo para os interessados apresentarem sugestões ao seu projeto.

Mas, por ser simplesmente desastroso, em vez de se perder tempo com sua reformulação o mais lógico seria jogá-lo no lixo e recomeçar a discussão outra vez.

Esse é o preço que o presidente Lula terá de pagar por ter entregue o MEC não a um educador respeitado, como seria mais sensato, mas a um político profissional conhecido por seu apego a ideologias anacrônicas.

Na medida em que a oposição das universidades públicas e privadas ao projeto é frontal, pouco mais resta ao presidente da República fazer do que substituir o ministro Tarso Genro por um educador de competência reconhecida na comunidade acadêmica, condição primeira para que se restabeleça o diálogo.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo, Editorial, 04/02/2005.


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