Universitárias de cada canto do mundo 
 

 

O significado da universidade para a mulher, dependendo de sua cultura
 

"No meu país, as garotas vão para a universidade para desenvolver-se profissionalmente e, é claro, no meio do caminho, quem sabe, conhecer seu futuro marido. As universitárias geralmente têm uma postura desencanada, e o campus tem uma atmosfera de liberdade. É a melhor época das nossas vidas: a gente conhece gente nova, garotos, as festas rolam adoidado, sempre com bebidas alcoólicas. Moramos nas casas dos nossos pais durante esse período, a não ser quem faz universidade em outra cidade." Esse é o depoimento de uma universitária do Cazaquistão, Асем Токаева, da Euroasian National University, localizada na cidade de Astana. Apesar de o Cazaquistão ser um lugar, para nós, tão longínquo (localizado entre a Ásia e a Europa Oriental), esse depoimento poderia ser perfeitamente relativo ao ambiente universitário no Brasil, certo?

Você pode pensar: "é, esse mundo está mesmo globalizado". Na verdade, universidades são instituições "globalizadas" antes mesmo de surgir a globalização. O sistema de ensino, as salas de aula, a estrutura, são bem parecidos em qualquer lugar do mundo. Isso por que, segundo Philip Altbach, do Centro de Educação Superior do Boston College, o modelo das instituições de Ensino Superior vem de uma mesma raiz "a universidade européia medieval" um modelo que foi sendo reproduzido e multiplicado. O que muda bastante, isso sim, são os alunos (alunas) e toda a bagagem cultural que eles e elas trazem consigo, o que fazem daquele espaço, e o que aquele espaço faz com eles.

Fato novo e historicamente recente é ver seres humanos de cabelos longos (ou chador), curvas e saias pelos corredores, bibliotecas e salas de aulas de campi em todo o mundo. Não só as mulheres estão nos campi, como são maioria em muitos países, de ponta a ponta, como Brasil, Cuba e, até (pasmem!) no Irã.

Mas, apesar das universitárias do Cazaquistão aparentemente parecerem bastante com as brasileiras, em muitos países o propósito pelo qual uma mulher vai para uma universidade e a maneira que ela leva a vida no campus são bastante diferentes dos nossos. Veja o significado da universidade para as mulheres ao redor do mundo:

Brasil
Autonomia e inclusão no mercado de trabalho

Segundo o estudo Trajetória da Mulher na Educação Brasileira, realizado de 1996 a 2003 pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), em parceria com o MEC (Ministério da Educação) e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, as mulheres são maioria a partir do Ensino Médio, dominam a graduação e detêm o maior número de bolsas de mestrado e doutorado no país. A participação das mulheres na Educação Superior também é crescente no corpo docente das universidades, nos níveis mais elevados de titulação. Enquanto o número de docentes homens cresceu 67,9% de 1996 a 2003, o número de docentes mulheres aumentou em 102,2%.

E por que essa invasão em massa, o que elas procuram ali? Elas estão nos campi porque é um pré-requisito para entrarem no mercado de trabalho, ganhar autonomia financeira e independência dos pais, ou eventuais maridos. Elas querem se auto-sustentar. "Aqui, o propósito de entrar para uma universidade é o mesmo tanto para mulheres quanto para homens. Independentemente do gênero, quem não faz um curso superior sente-se excluído socialmente", acredita a antropóloga e cientista política da USP (Universidade de São Paulo) Helena Sampaio, autora da tese de doutorado "Ensino Superior no Brasil - o setor privado".

Estados Unidos e Europa
Sair da casa dos pais, inclusão intelectual

Também não há distinção por gênero no propósito de ter acesso ao curso superior em países como Europa e Estados Unidos, por exemplo. Mas, nesses lugares, onde a economia é mais forte e estável do que no Brasil, tanto para os homens, quanto para as mulheres, é possível ter um emprego com um salário razoável, sem ter necessariamente curso superior. Lá, mais do que uma questão financeira, é uma questão de nível intelectual. Há ainda outra especificidade nos Estados Unidos: enquanto no Brasil a maioria dos universitários mora na casa dos pais, nos EUA é obrigatório em grande parte das universidade que os calouros morem no campus no primeiro ano de faculdade.

"É mal visto o jovem que não sai da casa dos pais nesse período", explica Rita Moris, orientadora educacional da Comissão Fullbright. Ou seja: ir para a universidade é sinônimo de sair da casa dos pais. Assim, diferentemente do que o ocorre no Brasil, a liberdade é vivida e aguardada bem antes de entrar no mercado de trabalho. Os filmes americanos se encarregam de mostrar isso: o campus é um lugar de liberação sexual e festas regadas a muita bebida alcoólica.

"Mas o sistema educacional norte-americano é muito aberto e há espaço para uma diversidade impressionante de outros tipos de faculdade", explica Moris. Prova disso é que existe desde o século XIX um grupo de universidades só para as mulheres. São as "Seven Sisters": Bernard College, Bryn Mawr College, Mount Holyoke College, Radcliffe College, Smith College, Vassar College, Wellesley College. "O objetivo de serem direcionadas apenas a mulheres é transformá-las em líderes em todas as áreas", explica Moris. Curioso é que, apesar de serem universidades exclusivamente femininas, só em 1978 todas as sete tinham reitoras mulheres.

China
Arranjar marido

Para os homens chineses, ter um diploma de curso superior é atributo essencial para uma namorada ou esposa atualmente. Isso é relatado no livro "As boas mulheres da China", de Xinran (ed. Companhia das Letras, 2003). No capítulo "A universitária", a autora entrevista uma que diz que os homens chineses ricos "estão mais exigentes em seus requisitos para companhia feminina (...) Uma mulher sem diploma vai conseguir atrair apenas algum pequeno negociante. Quanto melhor o seu nível de educação, maior a chance de você fisgar um grande empresário".

Além disso, foi comprovado que as universitárias chinesas almejam uma carreira promissora e esperam ter bons salários, mas alimentam também o sonho de encontrar no trabalho o seu futuro marido. Foi o que revelou uma pesquisa feita com 4.500 estudantes de mais de 20 universidades da China. Uma grande parte (22%) destacou que o mais importante é buscar uma empresa em que elas possam conhecer o homem de seus sonhos e futuro marido.

"Como mulher, posso entender os resultados da enquete", disse Peng Jie, aluna do último ano da Universidade do Sudeste, que participou da organização do estudo. "Ter um trabalho cômodo com um salário normal é suficiente para algumas mulheres. O que elas mais precisam é de um marido excelente, porque a concorrência social é feroz atualmente", afirmou ela à agência internacional de notícias Efe.

Já para os rapazes chineses, pesa a responsabilidade da ascensão profissional que garanta um padrão econômico elevado para suas futuras famílias, segundo o estudo.

O clima nas universidades chinesas também é bem diferente do de uma universidade no Brasil ou nos EUA: falta liberdade de expressão. Segundo o The New York Times, o que impede a China de transformar suas principais universidades nas melhores do mundo é a tal da falta de liberdade. A ênfase das universidades chinesas está em Ciência e Tecnologia, áreas de preferência de um sistema autoritário. Já as artes liberais recebem menos atenção na busca por status no exterior, pois envolvem um pensamento crítico sobre a política, a economia e a História, e o governo chinês limita o debate público. Como parte do controle sobre a liberdade acadêmica, o governo censura os grupos de discussão e os alunos não são incentivados a desafiar a autoridade ou questionar o conhecimento que lhes é transmitido - o que, para alguns, é um dos motivos pelos quais a China nunca ganhou um Prêmio Nobel.

Países Árabes
Machismo em sala de aula

O significado da universidade para as mulheres muçulmanas varia muito de país para país. Nos mais radicais, como a Arábia Saudita e o Afeganistão, por exemplo, metade delas não são nem alfabetizadas. As que conseguem chegar à universidade, acabam indo para o exterior, ou enfrentam o machismo nas universidades, como estudar em salas separada dos homens, ou ter que sentar nas carteiras dos fundos para dar lugar a eles na frente da sala de aula. Se há aquele clima de badalação no campus? Nem pensar. Na Arábia Saudita, por exemplo, bebidas alcoólicas são terminantemente proibidas, e as mulheres não podem dirigir, nem sair de casa sozinhas.

Há até uma universidade islâmica no Brasil que reproduz esse sistema. Na Unisb (Universidade Islâmica Brasileira), fundada em 2004, em São Paulo, o fundo da classe é reservado às mulheres enquanto não houver alunos suficientes para dividir as turmas em femininas e masculinas. A justificativa é que a divisão ajudaria a manter a concentração e seria mais confortável para elas, que não precisariam ficar preocupadas na hora que tivessem de se abaixar para pegar algo que caiu no chão. Além disso, dentro da instituição o véu é obrigatório para professoras e alunas, muçulmanas ou não. Na hora do intervalo, é obrigatório rezar no oratório, construído no andar inferior.

O surpreendente é que no Irã, assim como na Turquia e no Egito, a realidade é bem diferente, muito mais flexível. As iranianas são maioria nas universidades do país. "No ano passado, mais de 60% dos que ingressaram na universidade no Irã eram mulheres. Elas estão pensando em casamento cada vez mais tarde", afirma Mahei Zanjani, adido cultural da Embaixada do Irã no Brasil. Empolgante para elas, e que marca esse novo período da vida da mulher iraniana, é o fato de pela primeira vez na vida dividirem a sala de aula com homens (até o Ensino Médio, as turmas não são mistas).

Na Jordânia, as mulheres também estão em massa na universidade, mas a maioria o faz pensando em aumentar suas chances de arrumar um marido "bom partido" e larga o curso quando se casa. Nas de família mais abastadas, muitas optam geralmente por fazer o curso no exterior, como foi o caso de Lana K, de Amã, que graduou-se na Universidade de Londres. Segundo relatos de seus colegas que fizeram universidade na Jordânia, apesar de que naquele país seja tabu beber álcool e fazer sexo antes do casamento, os estudantes universitários quebram a regra, só que sem aquela euforia dos americanos ou brasileiros. "Eles fazem tudo muito discretamente porque têm medo da rejeição social", diz Lana. "É que, na Jordânia, se uma garota bebe e dorme com os caras, ninguém vai querer casar com ela. E casar e ter uma família é prioridade para a maioria das garotas aqui", conta.

Cuba

As mulheres em Cuba representam maioria da força de trabalho, tanto nos serviços braçais quanto nos de nível superior, segundo Edwin Pedrero, representante do Ministério de Educação Superior de Cuba no Brasil. "A presença da mulher na universidade, tanto como estudante, quanto como professora, é significativa. Principalmente nos cursos de Medicina, nos quais elas são maioria. Tanto que as universidades têm até que inventar incentivos para que mais homens se interessem pelo curso", conta. Além disso, elas são mais aplicadas e estudiosas.
 

O que realmente importa

"Independentemente dos diferentes motivos pelos quais as mulheres atualmente estão na universidade, elas estão lá, e a Educação de qualquer maneira colabora fortemente para a auto-percepção da mulher e a ruptura de um sistema que as coloca como minoria", afirma Ana Falú, diretora do Escritório Regional do Brasil e do Cone Sul da Unifem (agência das Nações Unidas para as mulheres). O importante, segundo Falú, é que, hoje, cada vez mais mulheres têm formação superior e pós-graduação, o que era impensável antes dos anos 60.

Ela destaca, no entanto, que ainda há dois grandes problemas. O primeiro é que a maioria das mulheres está em cursos historicamente considerados femininos (os de Humanas) e ainda são minoria nas áreas de Ciências e Exatas. O segundo problema é que, apesar de as mulheres comprovadamente se formarem em menos tempo do que os homens, terem melhores notas e aspirações altíssimas, são eles que acabam conseguindo os melhores postos de trabalho.

 

Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 07/03/2006.


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