Utilidade de viagem espacial causa polêmica 

  

A verba do treinamento representou pouco mais da metade
do que foi enviado em 2005 para a infra-estrutura na
base de Alcântara (R$ 21,5 milhões)

 

A euforia pela estréia de um brasileiro no espaço deu lugar à polêmica. Faltando pouco mais de um mês para o astronauta Marcos Cesar Pontes embarcar na nave russa Soyuz rumo à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), cientistas discutem se a viagem, que custará entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões aos cofres públicos, é a melhor porta de entrada do país no espaço.

Há quem diga que o feito do tenente-coronel da Aeronáutica que desde menino sonhava em ir à Lua marca uma nova era no programa brasileiro e insere de vez o país nesse mercado.

Mas há também especialistas que são taxativos: o Brasil só terá condições em entrar na briga quando gastar os parcos recursos para o setor em infra-estrutura de ponta e formação de mão-de-obra extremamente qualificada.

“Essa viagem é apenas turismo espacial, uma viagem de efeito. Pode chamar atenção, mas não tem significado científico”, critica o físico Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Candotti argumenta que as experiências que Pontes fará nos 11 dias em que estiver no espaço ou já foram feitas ou são irrelevantes.

Na sua opinião, antes de mandar um astronauta ao espaço a prioridade do país seria desenvolver o primeiro satélite 100% brasileiro, que poderia, segundo ele, realizar trabalhos relevantes como pesquisas climáticas, monitorar fronteiras e o desmatamento da Amazônia:

“Estamos começando pela sobremesa. Com US$ 15 milhões, formaríamos dois mil especialistas.”

Para José Monserrat Filho, jornalista especializado, os erros tiveram início em 1997, quando o governo brasileiro firmou um acordo de cooperação espacial de US$ 120 milhões com os EUA.

O acordo previa [a participação do Brasil na parte norte-americana da Estação Espacial Internacional e a formação de um astronauta brasileiro para um vôo a bordo da estação]. Mas, como o governo não investiu os recursos prometidos, o programa perdeu fôlego.

“A questão deveria ter sido discutida amplamente antes do acordo de 1997. Criamos um astronauta e, agora, o que faremos com ele?”, afirma Monserrat.

Já o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilberto Câmara, defende as experiências que serão realizadas por Marcos Pontes — entre elas, pesquisas com insetos em ambientes de gravidade zero.

Presidente da Agência Espacial Brasileira (ABE) no governo Fernando Henrique, Múcio Dias, defende a missão.

“Não é turismo espacial. Essa decisão não foi tomada hoje, está num contexto de um processo de desenvolvimento do programa espacial. Por que abortar agora?”, indaga.

Uma análise do orçamento para a área espacial mostra que a preparação de astronautas é prioridade para o governo.

Em 2005, a formação teve R$ 11,9 milhões, contra R$ 7,6 milhões para a reconstrução da torre para o lançamento de foguetes — destruída no acidente com o veículo lançador de satélites, em 2003, em Alcântara — e R$ 5,6 milhões para participação em programas espaciais internacionais.

A verba do treinamento representou pouco mais da metade do que foi enviado em 2005 para a infra-estrutura na base de Alcântara (R$ 21,5 milhões).

Alguns críticos da missão dizem ainda que ela tem mais efeito político do que científico. Quando estiver no espaço, Marcos Pontes fará um contato com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
 

Fonte: O Globo, 20/2/2006.

Veja também:  Viagem de astronauta brasileiro é "marketing"

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