Ações afirmativas são debatidas em evento da Sedufsm

Política de cotas considerada ainda incipiente

O debate sobre as ações afirmativas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na noite de segunda-feira, 21, teve um consenso entre os participantes: o avanço a partir do estabelecimento das cotas, resgatando o que são consideradas injustiças históricas contra segmentos como afrodescendentes e indígenas, além de portadores de necessidades especiais.

Entretanto, reconhecer os avanços não significa concordar que está tudo bem. O presidente da comissão de implementação e acompanhamento das ações afirmativas na UFSM, professor Paulo Silveira, foi bastante crítico em relação à forma como essa política é desenvolvida na instituição.

Para Silveira, o grande objetivo das ações afirmativas é combater a desigualdade racial e criar espaços para segmentos historicamente discriminados. No entanto, diz ele, a UFSM não tem uma política real de ações afirmativas. O argumento do professor se deve a alguns aspectos que elencou: a instituição se preocupa com o acesso, mas não contempla a permanência; não existiriam iniciativas de enfrentar as maiorias silenciosas anti-cotas; não existiriam ações de conscientização junto aos coordenadores e diretores, bem como ao segmento docente e técnico administrativo; e não existiriam ações mais concretas para colocar em prática as leis 10.639 (ensino de história e cultura afro) e 11.645 (cultura indígena).

Apesar das críticas, o professor, que pertence ao departamento de Extensão Rural, considerou que a política de ações afirmativas é uma conquista e que precisa ser aperfeiçoada, chamando a atenção para o papel importante dos movimentos sociais, da organização dos estudantes cotistas e o necessário combate à invisibilidade dos cotistas. As ações para o alcance desses objetivos deveriam se dar, conforme Silveira, através de intervenções junto às licenciaturas e da construção de projetos de extensão junto às escolas de ensino fundamental e médio. E, nesse contexto, seria relevante o papel de grupos como o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) e o coletivo de estudantes negros para a articulação de projetos de extensão.

Em contato feito pela Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm), o pró-reitor de Graduação, professor Orlando Fonseca, disse que não se manifestaria sobre as críticas do presidente da comissão, Paulo Silveira. Fonseca ressalta que é favorável à política de ações afirmativas e que institucionalmente existe um esforço para que essa iniciativa seja aperfeiçoada.

O evento promovido pela seção sindical dos docentes, na segunda, fez parte da programação de 22 anos da entidade e foi uma forma de também contribuir com a Semana da Consciência Negra. Além de Paulo Silveira, fizeram suas exposições, Elias Oliveira, estudante do coletivo Afronta; Carmem Gavioli, diretora do sindicato docente e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB); Cesar Jacques, do Afirme, que é o Observatório de Ações Afirmativas para o Ingresso e Permanência nas universidades públicas da América do Sul. Fizeram ainda parte da mesa os professores Getulio Lemos, da comissão de implementação e acompanhamento das ações afirmativas e Julio Quevedo, vice-presidente da Sedufsm, que coordenou a atividade, para a qual compareceram cerca de 30 pessoas.

Afronta

Elias Costa de Oliveira, do Coletivo Afronta, destacou a troca de experiências com estudantes cotistas e, especialmente, a essência da atuação do grupo, que é o esforço para desmistificar o discurso da “democracia racial”. O tema das cotas, bem como a própria questão do racismo, tem sido objeto da visita dos integrantes do coletivo às escolas de periferia. Um dos tabus, segundo Oliveira, que caiu por terra, é de que os estudantes cotistas teriam desempenho inferior aos estudantes que ingressassem pelo vestibular ou Peies. Os dados oficiais, segundo ele, comprovam que a média obtida pelos cotistas é igual ou, em alguns casos, até superior aos demais.

Representando o Afirme, César Jacques disse que desde o início de 2011, a partir da presidência do professor José Luiz de Moura Filho, o observatório tem procurado se esforçar para recuperar o tempo perdido.  Os relatórios desde 2008 já foram concluídos a partir de informação das pró-reitorias. Um avanço citado por ele se refere às cotas indígenas.

Até o ano passado, a resolução da universidade dizia que só podiam prestar vestibular os índios que tivessem o registro da Fundação Nacional do Índio (Funai). A burocracia gerou um percalço imenso e, hoje, mesmo existindo 31 vagas, apenas cinco indígenas estão matriculados na universidade. Assim, a partir da pressão de entidades como os sindicatos e o próprio Grupo de Apoio (Gapin), houve mudança nas questões legais e, a partir do próximo vestibular, bastará apenas o reconhecimento dos indígenas pelas suas comunidades locais.

Resistência

No entendimento da professora Carmem Gavioli, que é diretora da Sedufsm e também coordenadora do NEAB na UFSM, os avanços institucionais estão relacionados com uma luta permanente, que não iniciou apenas com uma concessão por parte da reitoria da UFSM, que em 2007, resolveu colocar em apreciação a questão da política de ações afirmativas. Houve, segundo ela, todo um processo de mobilização na universidade e mesmo fora dela, em que participaram entidades diversas, mas especialmente SEDUFSM, Assufsm e DCE. Mesmo no ANDES-SN, a política de cotas só foi aprovada no Congresso de 2010, em Belém (PA).

Já em 2003, diz Carmem, através do NEAB, foi feita uma visita ao reitor da época, Paulo Sarkis, para debater a questão das cotas. Na época, o argumento contrário da Administração foi no sentido de que havia uma nítida ascensão à universidade dos segmentos menos favorecidos economicamente. Enquanto em 1998, 50% dos estudantes da UFSM eram oriundos de escola pública, em 2003 esse percentual havia subido para 64%. Isso justificaria, pela visão oficial, a não existência de cotas. Contudo, em 2006, esse ponto de vista caiu por terra, haja vista que menos de 1% dos estudantes tinha etnia afro.

Apesar da conquista, que foi a instituição das ações afirmativas, aprovada no Conselho Universitário por margem apertada, Carmem Gavioli destaca que os desafios são permanentes. Ela considera que existe muita resistência entre os professores em relação à aceitação dessa política, mesmo que ela esteja institucionalizada. A comprovação dessa tese se daria pelo fato de, apesar de existir uma lei (10.639) que prevê o ensino de História e Cultura Afro, apenas nos cursos de História e de Letras isso é cumprido.  Segundo ela, há um temor da própria reitoria em levar o tema para a câmara das licenciaturas, pois em um debate, quem sabe, a posição em favor das cotas fosse derrotada.

 

Fonte: Sedufsm - S. Sindical, Fritz R Nunes, 23/11/11.

 


Coletânea de artigos


Home