Descaso ambiental na Baixada Fluminense: População de Seropédica protesta contra instalação de aterro sanitário sobre um aquífero
 

 

O Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) Santa Rosa em Seropédica, na Baixada Fluminense, é alvo de questionamento da população local. O início das atividades do centro está previsto para este semestre. Pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de grande parte dos moradores, criticam o método do empreendimento e sua localidade, por ficar sobre um aquífero, lençol de água doce subterrânea. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão responsável pela licença prévia de instalação do projeto, atestou a segurança e eficiência da empresa Ciclus, que receberá até 9 mil toneladas de lixo diariamente.

A principal contestação dos especialistas e do secretário municipal de Meio Ambiente e Agronegócios de Seropédica, Ademar Quintella, é que em caso de vazamento a empresa não terá solução para o problema, já que com a quantidade elevada de resíduos despejados por dia ficará difícil manejar o lixo para tratar da contaminação. Segundo a presidente do

Inea, Marilene Ramos, todos concordam com a necessidade de se ter um aterro, mas ninguém o quer perto de sua casa. Para ela, não há tecnologia mais avançada em lixo urbano até que se tenha viabilidade econômica para transformar em energia, mas em caso de contaminação o problema pode ser contido. “Em caso de vazamento pode-se utilizar barreiras de contenção para evitar o avanço da contaminação, por meio de barreiras hidráulicas ou impermeáveis verticais”, indica.

O laudo apresentado ao Inea pelos pesquisadores da Rural e da Embrapa contém mais de 150 páginas. Segundo ele, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado pela Ciclus é defasado e equivocado. A análise aponta para uma contaminação imediata através do rio Piranema, aquífero que desemboca no rio Guandu, principal abastecedor de água do Rio de Janeiro. As pesquisas sustentam que ao contrário do aquífero Guarani, maior do sudeste e situado abaixo de uma rocha sólida, o Piranema fica debaixo de um terreno arenoso que pode ser acessado a menos de 2 metros em alguns trechos. Com isso, toda a região ficará vulnerável à contaminação. “Não existe um estudo da Embrapa e da UFRRJ, pois tanto o trabalho da técnica quanto dos professores não foram referendados por suas instituições. Eles foram apresentados e considerados, mas a nossa equipe técnica não chegou à mesma conclusão que eles ao ponto de impedir a construção”, afirma Marilene.

Futuro ameaçado

A brincadeira das crianças no rio, o potencial agropecuário, a pesca regional e outros costumes da população das vilas nos arredores do rio Piranema podem ficar comprometidos. O calor, mau cheiro e o barulho serão inevitáveis no bucólico Chaperó, bairro mais próximo da instalação. Num dos caminhos de Seropédica para o aterro, a maioria dos moradores está desinformada. Cerca de 10 agentes de saúde na porta de um posto municipal afirmaram que não sabem de nada e nem foram orientados para possíveis tratamentos de doenças com a vinda do lixo, mesmo com a presença de dengue na região. “Acho que teve dinheiro para alguém e o povo é que vai sofrer. Moramos há anos aqui e nunca veio nada para cá”, comentou um dos agentes, que não quis se identificar. “Pra mim está bom, não adianta ficar contra porque já está acontecendo. Em todos os países tem isso, não tem jeito. Se não for aqui é em outro lugar”, se conforma o comerciante Elias Borges, de 56 anos.

 

Protesto

No Dia Mundial da Água (22/03) muitos alunos, técnicos, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e moradores realizaram no centro de Seropédica um protesto paralisando a rodovia BR 465, que liga Rio a São Paulo. Além da crítica ambiental, o protesto se concentrou nos possíveis entraves ao crescimento e desenvolvimento do município, como os transtornos no trânsito, que já é caótico, com a estimativa de aumento de mais 800 caminhões por dia na região, mesmo com a previsão do Arco Rodoviário. Também houve uma manifestação na porta da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 31 de março.

A presidente da Associação de Docentes da UFRRJ (ADUR-RJ), Ana Cristina dos Santos, afirmou que a entidade entrou com ações judiciais junto à sociedade civil questionando a construção do aterro sanitário. Ela também disse que o Conselho Universitário da UFRRJ deliberou em dezembro passado para a Rural entrar com uma ação na justiça, mas nada foi feito pelo reitor. O Diretório Central dos Estudantes da UFRRJ elaborou uma moção de repúdio ao aterro, responsabilizando o governador do Estado, Sérgio Cabral (PMDB), e o prefeito, Eduardo Paes (PMDB), pelas obras em relação ao “embelezamento da cidade para os eventos esportivos de 2014 e 2016”. Integrante do Conselho de Chaperó, bairro colado ao CTR, Sueli Cabral diz que os panfletos distribuídos, livros e reportagens são “lindos”, só que a realidade vista de perto é outra. Segundo ela, não será feito tratamento de resíduos no local, mas sim um lixão igual ao de Nova Iguaçu, também na Baixada Fluminense.

“Ninguém autorizou ou compartilhou com nada, só houve uma reunião no [colégio público] Brizolão chamada por nós e nada ficou esclarecido. Aqui é uma área muito carente e eles estão pegando as pessoas menos esclarecidas, dão aulas e as levam de um lado para o outro dizendo que haverá emprego; isso é um ‘me engana que eu gosto’. As pessoas vão se iludindo, e quando perceberem vão querer voltar atrás”, critica a aposentada.

 

FONTE: Brasil de Fato. Por Eduardo Sá

 


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