Sociólogo estadunidense aponta os desafios do movimento “Ocupe Wall Street”

“Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom”

“Ocupe Wall Street” (OWS) completou um mês em 17 de outubro. De 5 a 20 mil pessoas já chegaram a ocupar uma praça a 300 metros do coração financeiro estadunidense – e mundial –, a Praça da Liberdade.

Alimentos, cobertores, sacos de dormir, suprimentos de higiene. A população que não participa diretamente da ocupação contribui com doações. Até óculos de natação para proteger os manifestantes de ataques com spray de pimenta da polícia apareceram.

O estadunidense viu-se forçado a enfrentar a nova realidade do desemprego e da falta de perspectiva. As crises do sistema financeiro e do próprio capitalismo também servem de mote para a luta popular que surge não apenas em Nova York, mas em cidades como Washington, Boston, São Francisco, Filadélfia e Chicago.

O sociólogo Asher Dupuy-Spencer, ativista estadunidense envolvido diretamente no Ocupe Wall Street (OWS), nos dá seu testemunho e opinião acerca das últimas manifestações populares. “Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom. Ele está atraindo atenção e novos participantes. O objetivo, entretanto, é que isso ganhe um caráter político” aponta Asher, que também faz parte de um movimento para repensar a esquerda estadunidense no âmbito da crise financeira mundial.

Brasil de Fato – As manifestações em outras cidades dos Estados Unidos seguem a mesma linha que a “Ocupe Wall Street”?

Asher Dupuy-Spencer – Agora, nesta etapa do movimento, o resto dos Estados Unidos – e com isso eu quero dizer todas as outras cidades que começaram suas próprias ocupações – parece seguir as pegadas do OWS. Isso coloca o movimento de Nova York numa posição especial com relação à situação política em outras partes do país. Ao passo que os protestos crescem e as ações se sucedem, temos razões para acreditar que as pessoas de todo o país serão influenciadas por isso e, com toda a probabilidade, seguirão o exemplo. Por outro lado, elementos progressistas e organizações como moveon.org parecem estar desempenhando um papel muito maior nessas outras cidades. O sucesso do movimento como um todo dependerá de sua habilidade para forjar um caminho independente em relação à ala esquerda do Partido Democrata. Cooptar seria muito mais difícil, eu ouso dizer impossível, em Nova York.

No geral, os protestos emergem contra a dominação das grandes corporações e do sistema financeiro sobre a política?
É importante entender como esse movimento emergiu se nós quisermos entendê-lo, porque ainda não existem demandas claras. É um movimento social que surgiu não por causa de uma disciplinada agitação de grupos políticos ou organizadores, mas a partir de um descontentamento básico. Poderíamos dizer que o movimento emergiu organicamente a partir de condições objetivas das vidas das pessoas: alto índice de desemprego, rendas estagnadas, falta de qualquer tipo de segurança no emprego e um senso de que a distribuição da renda e ativos não é justa. Esse conjunto de queixas pode prestar-se bem à consciência social democrata e a um movimento de reformas. Entretanto, a maior parte das pessoas envolvidas no movimento tem pouca fé que os Estados Unidos (pelo menos dentro de sua formação governamental atual) tenha o poder ou o desejo de negociar a pauta das queixas mencionadas. Isso tem gerado uma posição bastante radical dentro do OWS. Enquanto não há estrutura organizacional no OWS capaz de auxiliar no foco político, há uma crença geral de que existe “poder” simplesmente no ato de reunir-se e discutir questões, de que existe poder real quando se está apto a ocupar os espaços. Essas ideias podem ter seus próprios limites, mas, no momento, elas são mais radicais do que as maiores agendas de reformas que eu consigo imaginar e são uma boa opção para o OWS, que está só no seu começo.

As manifestações do OWS podem ser consideradas como a mais importante insurreição popular contra o capitalismo em sua fase neoliberal, se é que se pode falar nesses termos?

Essa é uma questão difícil de responder. Quando os Estados Unidos espirra, todo o mundo pega um resfriado. Como hegemonia atual, o significado desse movimento não deve ser subestimado. Eu acho que qualquer avaliação de sua relativa importância terá de ser feita muito mais para frente.

Qual o peso da insatisfação popular em relação ao governo de Barack Obama?
Eu diria que há uma desilusão generalizada com Obama, ou pelo menos com sua capacidade para gerar mudança. Pouquíssimas pessoas têm alguma fé nele. Não digo com isso que a vasta maioria das pessoas que participam do OWS não votaria nele, mas isso se dará muito mais em função do fato de a direita parecer bastante assustadora. Os candidatos estão competindo essencialmente para ver quem gerará a mais severa austeridade.

O sistema financeiro criou uma lógica incompreensível para o cidadão comum. Mas quando a crise atingiu os direitos sociais, tal situação forçou o questionamento?

Certamente os complexos instrumentos de dívida e as intrincadas relações entre as instituições financeiras estão além da compreensão do cidadão médio. O fato de que as altas finanças ocupem uma posição especial em nossa economia e que tenham sido capazes de garantir sua parte no crescimento econômico da última década passada se insere totalmente dentro da compreensão de todos os manifestantes e qualquer estadunidense. Surgiu, a partir desse fato, uma compreensão intuitiva de injustiça e o sentimento de que desejávamos e precisávamos lutar contra um sistema que tão claramente não estava gerando nada que se aproximasse de uma vida decente que as pessoas sentem que merecem.

As pessoas não são tolas, embora, às vezes, possam ser enganadas. Qualquer um com quem você converse na rua sabe que o sistema opera em prol de uma pequena minoria e eles sabem que a segurança do emprego já está bem difícil de passar por aqui. Muitos veem isso simplesmente como se fosse culpa da má administração financeira ou política. Entretanto, dentro do movimento aumenta a compreensão de que é o capitalismo que deve ser o culpado pelos altos níveis de desigualdade e pela quebra da estabilidade do emprego. Por fim, se esse movimento gerar sucesso, precisará criar uma análise que aborde a estrutura do próprio sistema capitalista. Essa análise não existe ainda dentro do OWS.

O que esse movimento herdou de outras experiências de manifestações populares do século passado? O que há de novidade?

Esse movimento parece com a Nova Esquerda dos anos 1960 e 1970 por sua inspiração. Ele também se parece com o movimento antiglobalização. A diferença é que a Nova Esquerda tinha uma educação política herdada da velha esquerda marxista. Os radicais de 1960-70 não eram capazes, ou não estavam dispostos, de trabalhar para trazer o movimento operário. Hoje nós vemos um movimento operário em declínio mas que está querendo jogar seu peso na luta. O Parque Zuccoti está cheio de diversos tipos de trabalhadores de várias organizações de Nova York. E o OWS tem se lançado ao trabalho da luta também. Recentemente, ativistas do OWS interromperam leilões [de arte] do Sothebys em apoio aos sindicalistas do Teamsters [Union], que estavam trancados do lado de fora. Há também fortes relações se desenvolvendo entre ativistas da OWS e militantes de dentro da MTA (trabalhadores do trânsito, metrôs).

Não há partidos ou organizações que parecem ser capazes de unificar o movimento e dar a ele uma voz política mais uníssona. Sua força permite manter-se em crescimento. Mas o movimento precisará institucionalizar-se de alguma forma se quiser reproduzir-se mais além de projetar sua força coerentemente. A habilidade do OWS de obter sucesso a qualquer medida dependerá de como se organiza. Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom. Ele está atraindo atenção e novos participantes. O objetivo, entretanto, é que isso ganhe um caráter político. O papel dos militantes dentro do movimento, aqueles que têm experiência política e organizacional, é pegar esse barulho e fazer disso, política. Logo, nós precisaremos começar a pensar sobre qual tipo de mundo nós queremos e que tipo de demanda pode nos levar até lá. Pelo momento, só podemos nos certificar que ele [OWS] ainda ocorrerá amanhã.

 

 

Fonte: Brasil de Fato

 

 


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