Povo se une para cobrar justiça no Caso Toni, em Cuiabá (MT)
 

Toni não morreu no imaginário dos movimentos sociais. É o que ficou claro no superlotado debate que marcou, na quinta-feira (22), os seis meses sem o estudante africano Toni Bernardo da Silva, torturado até a morte aos 27 anos, no dia 22 de setembro do ano passado, por dois policiais militares e um empresário, que é filho de delegado.

O crime não mudou, nem por 24 horas, a rotina do restaurante Rola Papo, no bairro Boa Esperança, em Cuiabá (MT), cenário da tragédia, que voltou a abrir para os clientes no dia seguinte. O debate “Racismo e violência policial: duas faces da mesma moeda” reuniu, no auditório 2 do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), gente de diversas entidades, inclusive de inclinações políticas diferentes, e também atraiu muitos alunos da UFMT, onde a vítima estudava.

Toda a comunidade de estudantes africanos estava lá, ainda triste e doída com com o crime e a forma como vem sendo tratado pelo poder público.  Ninguém da reitoria foi ao debate. Foi preciso fazer um esforço para não chorar diante do vídeo produzido pelo movimento Resistência Popular que resume a “ópera” sinistra e dos depoimentos resgatando sentimentos e detalhes daqueles dias sombrios que sucederam o caso, ainda mal explicado e muito menos resolvido.

Dos no debate ninguém “engole” o parecer da juíza da 8ª Vara Criminal de Cuiabá, Maria Rosi de Meira Borba, que aceitou a denúncia da promotora Fânia Amorim do Ministério Público Estadual (MPE). Embora o inquérito policial tenha comprovado o assassinato, o MPE abrandou a tipificação, seguida pela Justiça.

É por isso que um dos encaminhamentos do encontro foi formar uma comissão popular para acompanhar o processo judicial e intervir como for possível junto às autoridades envolvidas na avaliação do caso.

No debate, a reitoria da UFMT foi duramente criticada porque tomou a decisão, imediata, de dizer que Toni já não era mais aluno da instituição, porque havia se envolvido com álcool e entorpecentes, ao invés de acolhê-lo.

A partir dessa nota emitida à imprensa pela instituição, a maioria dos meios de comunicação começou a tratar Toni com um drogado.

“Isso justifica a morte de Toni?”, perguntou a estudante africana Diela, que também é da Guiné-Bissau, conterrânea e amiga dele. Ela destacou que o moço morreu por causa da cor da pele. “Nascer pobre e preto no Brasil é uma condenação”.

O estudante africano Ernani reforçou que não há dúvida. “Se Toni fosse loiro, morreria assim?”

“Sempre disse aos alunos africanos: vocês são exóticos na UFMT assim como os indígenas”, destacou, se referindo ao preconceito, o professor da Economia, Gérson Rodrigues da Silva. “Não se esqueçam disso!”

A professora de Política da UFMT, Juliana Ghisolfi, lamentou a postura negligente da reitoria. Disse que se informou sobre a cláusula do convênio que fala sobre os motivos de desligamento, mas discorda que, por causa disso, a instituição deve se omitir. Ela destacou que a Universidade não tem nenhum programa de saúde para estudantes e que isso deve ser cobrado já que está em andamento o processo de escolha da nova gestão da instituição.

A jornalista Dafne Spolti destacou que cobriu o caso e o problema do Toni não é criminal, mas de saúde pública. Conforme ela apurou, a UFMT informou sobre o desligamento de Toni à Polícia Federal, que não o encaminhou de volta, alegando que o procurou várias vezes sem encontrá-lo. No entanto, o estudante era uma figura comum nas proximidades da UFMT.

No dia em que morreu, segundo laudo policial, havia ingerido drogas e álcool. Foi ao Rola Papo, onde abordou a mesa dos agressores para pedir dinheiro. Segundo testemunho da professora Janaína Pereira, Toni teria se aproximado da mesa, mas não teria atacado a mulher de um deles como alegam os acusados. teme pela própria vida por ser testemunha ocular do crime. A reação descomunal veio aos chutes e pontapés. Um deles foi tão forte que se Toni tivesse sobrevivido perderia um dos testículos.

Uma amiga de Toni destacou que os agressores dele estavam na pizzaria Rola Papo desde cedo e também ingeriram álcool. “Onde está o laudo informando que eles mataram Toni alcoolizados?” – indagou.

No debate, a imprensa também foi duramente criticada porque cobriu o caso sem se preocupar com a imagem de Toni e jamais expôs a imagem dos policiais militares Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira, ambos de 24 anos, e o consultor de telefonia Sérgio Marcelo Silva da Costa, 27, agressores. O crime de lesão corporal muito provavelmente livra os três do júri popular.

A jornalista Katiana Pereira, que também é estudante de Ciências Sociais, disse, no debate, que muitos dos erros da imprensa foram causados pela postura da UFMT, que, com a nota oficial, atirou a imagem de Toni à deriva ao invés de protegê-la, quando informou sobre a situação dele, com relação às drogas. Ela responsabiliza também a polícia, que sonegou inclusive a ela várias vezes as fotos dos agressores.

A jornalista Neusa Baptista, da Comissão de Jornalista por Igualdade Racial (Cojira) do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT), disse que a Cojira ajudou a realizar esse debate justamente para ampliar a visão da categoria sobre o problema do racismo. Ela separou pontos positivos e negativos da cobertura jornalística do caso Toni e disse que, se a exposição da imagem dele é um dos pontos negativos, é ponto positivo o fato da imprensa ter tratado do caso desde o início como assassinato e tortura até a morte.

O professor Cláudio Dias, do movimento Resistência Popular, conclamou os movimentos sociais a não naturalizarem a banalização da vida humana. Segundo ele, com a Copa haverá uma “limpeza” na cidade, escondendo pessoas que não interessam ao Estado, como mendigos e drogados, ao invés de tratá-las e apoiá-las.

O historiador e servidor público Eduardo Matos, da Intersindical, afirmou que a responsabilidade pela morte de Toni, seja por qualquer aspecto, é do Estado, mato-grossense e brasileiro.

Está marcada para a próxima quarta-feira, dia 28, 19 horas, no auditório da Adufmat Seção Sindical do ANDES-SN, que fica dentro da UFMT, uma outra reunião de reação à decisão judicial que diminuiu a gravidade da violência cometida contra o africano.

Serão feitos protestos públicos e os estudantes africanos da UFMT irão escrever uma carta à embaixada da Guiné-Bissau em Brasília, pedindo providências no sentido de cobrar do Brasil outra postura, ainda tentando dar repercussão ao caso para além das fronteiras de Mato Grosso. Haverá ainda um abaixo-assinado virtual.

Tudo isso para que Toni não morra de fato, como aconteceu com Nilson Pedro da Silva, morto, em Rondonópolis, aos 15 anos, pelo Policial Militar Dennis Marcelo, 35. Dennis está solto, assim como os agressores de Toni. E Nilson morto, assim como o africano Toni.

Participaram do debate o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, a Comissão de Jornalistas por Igualdade Racial (Cojira) do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT), o Movimento Rumo ao Socialismo (MRS), o movimento Resistência Popular, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Grupo de Trabalho de Etnia, Gênero e Classe do ANDES-SN, o Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UFMT e a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat S.Sind.). Além do Centro Acadêmico de Ciências Sociais. O Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público em Cuiabá (Sintep) aderiu ao movimento.

 

Com edição do ANDES-SN

 

 

Fonte: Assessoria de Imprensa do Centro Burnier, Keka Werneck, 26/3/12.

 


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