Juventude cobra transparência nos trabalhos da Comissão da Verdade
 

Na manhã desta segunda-feira (01) ocorreu no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP) o seminário “arquivos da repressão e o acesso público na era digital”, que inaugurou o acervo digital e aberto à consulta pública de mais de 1 milhão de arquivos da Delegacia Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP).

Estavam presentes na abertura do seminário e para realizar a apresentação do acervo o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o ex governador do estado José Serra, o secretário nacional de Justiça Paulo Abrão, o chefe da Casa Civil Edson Aparecido, o deputado Samuel Moreira, os senadores Aloísio Nunes Ferreira e Eduardo Suplicy e o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro.

Após a cerimônia de abertura, um grupo de militantes do Levante Popular da Juventude e do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça fizeram uma intervenção simbólica, cantando a música “Cálice”, de Chico Buarque, e leram um depoimento de uma militante torturada nas dependências do Deops.

Em seguida, os jovens leram um manifesto (leia a íntegra no final da matéria), no qual afirmaram o apoio à Comissão da Verdade, mas mostravam preocupação com o ritmo dos trabalhos e a falta de informações divulgadas a cerca das investigações da comissão para a sociedade.

“A Comissão da Verdade é um avanço na política brasileira, porém é necessário continuar os trabalhos e criar mecanismos de participação da sociedade nesse processo para garantir que os seus objetivos sejam cumpridos”, afirma Carla Bueno, da coordenação do Levante Popular.

Os jovens propuseram que o prazo de funcionamento da Comissão fosse ampliado, que houvesse mais transparência nas ações, com a elaboração de relatórios parciais dos trabalhos feitos até o momento e que a sociedade se envolva mais com as atividades da Comissão, com a realização de audiências públicas, júris populares e ações educativas nas escolas.

Por fim, disseram que a juventude está atenta à construção da justiça na sociedade brasileira, e que vai continuar acompanhando as atividades da comissão, pois “Nos reconhecemos no passado, nos lutadores e lutadoras do povo que tombaram por Justiça e Democracia. É por eles e pela juventude de hoje, que sofre com os reflexos desse passado sangrento, que é reprimida e torturada nas periferias desse Brasil que nos colocamos em alerta e em luta!”

Paulo Sérgio afirmou que é importante que a sociedade e os movimentos da juventude façam críticas à comissão, mas respondeu os argumentos apresentados no manifesto. “A maioria das comissões na América Latina teve menos tempo que a nossa para realizar os trabalhos. Eu fui uma das pessoas que achava que a Comissão deveria durar apenas um ano, mas fui voto vencido”.

Ele reconheceu que a Comissão precisa atender à demanda de fazer relatórios parciais. “Temos feito dezenas de audiências públicas, mas algumas investigações não podem ser públicas, pois estamos trabalhando com vestígios, tentando refazer cadeias de comando da repressão, e temos de manter isto em sigilo por enquanto”, disse.

O coordenador também afirmou que a Comissão da Verdade não é um tribunal, mas que não se deve subestimar o impacto que o relatório final dos trabalhos terá na sociedade brasileira. “O relatório é uma fala oficial do governo. O peso dele será importante em relação à justiça. As coisas não serão as mesmas depois que o relatório for lançado”, ressalta.

Paulo Sérgio garantiu que a Comissão da Verdade tem como objetivo principal o esclarecimento dos crimes bárbaros da ditadura militar contra quem lutou contra o regime. “A centralidade dos trabalhos da Comissão é o esclarecimento dos assassinatos, desaparecimentos dos presos políticos e identificação dos agentes da repressão responsáveis por tais atos”.

 

Leia o Manifesto da Juventude Brasileira à Comissão Nacional da Verdade e à sociedade brasileira:
 

Estimados integrantes da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles, Gilson Dipp, José Carlos Dias, João Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha.

O ano de 2012 certamente ficará marcado nos registros da história do povo brasileiro.

Foi um ano em que se deu o primeiro passo do Estado Brasileiro para se construir um futuro longe das marcas que o período obscuro e cruel da Ditadura Militar deixou em nossas vidas.

Foi um ato bastante corajoso da Presidenta Dilma enfrentar o mais reacionário conservadorismo militar e instalar a Comissão Nacional da Verdade.

A presidenta também foi estimulada pela manifestação da sociedade, em especial, da juventude que foi às ruas exigir que se tirassem as vendas de nosso passado. Nossa palavra de ordem foi: “Eu quero ver: a Comissão da Verdade acontecer!”.

Em 16 de maio, a comissão virou Lei no Brasil, tendo por “finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre os anos de 1946 e 1988”.

A Comissão Nacional da Verdade iniciou seus trabalhos passando por algumas polêmicas como o possível caráter punitivo dessa instância ou mesmo disputada por uma visão conservadora de que era necessário que se trabalhasse com neutralidade e que apurasse ambos os lados em questão.

Essa visão ainda está colocada e se expressa novamente no Manifesto: “À nação brasileira: 31 de março”, publicado no dia 29 de março no site do Clube Militar do Rio de Janeiro.

Assim, o caráter da Comissão está em disputa na sociedade. Se o objetivo é que em dois anos tudo esteja apurado, já se findaram 10 meses.

A juventude vem – neste importante momento, quando se abre à sociedade os arquivos do DEOPS e quando alguns comemoram os 49 anos de Golpe Militar no Brasil – se manifestar novamente.

Assim, colocamos alguns pontos que consideramos essencial para que o trabalho da Comissão Nacional da Verdade caminhe no sentido real de sua existência:

- Tempo de duração: Acreditamos que não será possível apurar 21 anos de ditadura em apenas dois anos. Pela prorrogação imediata da existência da Comissão nos manifestamos, mesmo que os comissionados necessitem ser rotacionados ou substituídos.

- Transparência: Até o momento não houve divulgação de nenhum relatório parcial do referido trabalho. Quando um dos comissionados foi questionado, pediu pra que a sociedade esperasse o relatório final. Para seguir acompanhando a trajetória dos trabalhos exigimos que seja produzido um relatório parcial, pois isso é direito da sociedade e não uma escolha dos comissionados.

- Envolvimento da sociedade: Não queremos apenas registrar o passado, queremos que esses registros sirvam de base para a justiça atuar em cima dos casos. Nesse sentido é fundamental o envolvimento de toda a sociedade que precisa ser esclarecida da verdade para que possa se posicionar pela Justiça. Exigimos que a Comissão Nacional da Verdade realize audiências públicas frequentes e construa processos de esclarecimentos como juris populares, ações educativas nas escolas, nos bairros e comunidades.

No mais advertimos: a juventude brasileira está atenta e firme na luta pela Verdade e Justiça.

Seguiremos acompanhando os passos dados pela Comissão Nacional da Verdade, pois sabemos a importância desta luta.

Nos reconhecemos no passado, nos lutadores e lutadoras do povo que tombaram por Justiça e Democracia.

É por eles e pela juventude de hoje, que sofre com os reflexos desse passado sangrento, que é reprimida e torturada nas periferias desse Brasil que nos colocamos em alerta e em luta!

 

São Paulo, 1º de abril de 2013

 

Levante Popular da Juventude

Consulta Popular

Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça

Federação do Movimento Estudantil de História

União da Juventude Rebelião

União da Juventude Comunista

 

 

 

Fonte: Brasil de Fato, José Coutinho Júnior, SP., 1/4/13.

 


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